Acórdão Nº 5003185-60.2020.8.24.0019 do Quarta Câmara Criminal, 26-08-2021

Número do processo5003185-60.2020.8.24.0019
Data26 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5003185-60.2020.8.24.0019/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

RECORRENTE: EDUARDO WAGNER (ACUSADO) RECORRENTE: JACKSON SOARES DE LIMA (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos em sentido estrito interpostos pelos acusados Eduardo Wagner e Jackson Soares de Lima, inconformados com a decisão interlocutória mista (Evento 249) proferida pelo Juízo da Vara Criminal da comarca da Concórdia, que julgou admissível a pretensão acusatória materializada pela denúncia e os pronunciou para julgamento pelo Tribunal do Júri, por infração ao art. 121, §2º, incs. I e IV (Fato 1) e no art. 121, caput (Fato 2), ambos do Código Penal.

O recorrente Eduardo Wagner, assistido por defensores constituídos, argumentou o seguinte nas razões de recurso: [a] "não há que se falar que teriam agido os acusados em função de motivo fútil"; [b] "não há que se falar em recurso que tenha dificultado a defesa da vítima, pois como restou demonstrado, do acusado patrocinado por estas causídicas, este não estava presente no momento em que a vítima fora morta, sendo que há meras suposições de que o réu estaria presente, sendo assim, não há que se falar em recurso que dificultou a defesa da vítima, quando o acusadosnão deucausa a qualificadora aplicada"; [c] "como poderia o acusado praticar tais atos, quando na verdade nem estava presente no momento em que a vida das vítimas foram ceifadas"; [d] "infelizmente de cada cem denúncias ofertada pelo Órgão Ministerial, 99 destas constituem no crime de homicídio com essa qualificadora, que na realidade é meramente uma suposição, pois, após a instrução processual deve restar comprovada esta surpresa, que resultaria em total recurso dificultador da defesa da vítima". Arrematou requerendo o provimento do recurso, para reformar a decisão impugnada e, assim, afastar as qualificadoras do homicídio (Evento 277).

Por sua vez, o recorrente Jackson Soares de Lima, assistido por defensora constituída, sustentou, em síntese, que "a única testemunha 'acha' que Jack estava no veículo utilizado no crime em razão de que alguns dias antes brigou com a vítima, mas ressalta-se: não viu quem eram os ocupantes do carro pois estava escuro", razão pela qual requereu a despronúncia, por ausência de indícios a respeito da autoria do fato (Evento 278).

Com as contrarrazões (Evento 288), e mantida a decisão impugnada por seus fundamentos em atenção ao preconizado no art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 290), os autos ascenderam a este Tribunal.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, que se manifestou pelo conhecimento e não provimento dos recursos (Evento 38 - promoção 1).

VOTO

Os recursos em sentido estrito concentram as condições objetivas (cabimento, adequação, tempestividade e inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito recursal) e as subjetivas (interesse jurídico e legitimidade) de admissibilidade, motivo por que devem ser conhecidos.

Colhe-se dos autos que o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia contra EDUARDO WAGNER, JACKSON SOARES DE LIMA e LUIZ HENRIQUE WAGNER RIBEIRO, imputando aos dois primeiros a prática dos crimes previstos no art. 121, § 2º, incs. I e IV (Fato 1) e no art. 121, "caput" (Fato 2), ambos do Código Penal, e ao último acusado o cometimento do crime tiupificado no art. 121, "caput", do Código Penal (Fato 2), pelos seguintes fatos descritos na peça acusatória (Evento 1):

Fato 1 - vítima Jackson Gonçalves da Silva:

Na data de 26 de março de 2020, por volta das 23h30min, na Rua José Albiero, Santa Rita, Concórdia/SC, os denunciados Eduardo Wagner e Jackson Soares de Lima mataram a vítima Jackson Gonçalves da Silva.

Na ocasião, os autores se dirigiram até o local do crime com o veículo Peugeot/206, placas LUC 0411, o qual era conduzido pelo denunciado Jackson e tinha como ocupantes o denunciado Eduardo e um terceiro agente não identificado.

Ao se aproximar do veículo em que a vítima estava, o denunciado Jackson parou o automóvel, momento em que o denunciado Eduardo e o outro agente desceram e efetuaram diversos disparos de arma de fogo contra o ofendido, tendo dois deles lhe atingido a cabeça, causando os ferimentos descritos no exame cadavérico, os quais foram a causa de sua morte.

O alvo pretendido pelos autores era o irmão da vítima Jackson, Maicon Cristiano Gonçalves da Silva, que possuía dívida de drogas com o denunciado Jackson Soares, sendo que, por erro em relação à pessoa, ceifaram a vida daquele.

Com isso, o delito foi praticado por motivo fútil, uma vez que os denunciados agiram com a intenção de matar o irmão da vítima em razão da existência de uma dívida por ele contraída pela a aquisição de drogas com o denunciado Jackson.

O delito também foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, pois os denunciados realizaram os disparos no momento em que a vítima estava no interior de um veículo, não podendo esperar o ataque, tendo eles agido de modo inesperado, reduzindo a possibilidade de a vítima esboçar qualquer ação defensiva.

Fato 2 - vítima Maicon Cristiano Gonçalves da Silva:

Na data de 30 de março de 2020, por volta das 11h30min, Rua São Lucas, Santa Rita, Concórdia/SC, os denunciados Eduardo Wagner, Jackson Soares de Lima e Luiz Henrique Wagner Ribeiro, em comunhão de esforços e vontades, mataram a vítima Maicon Cristiano Gonçalves da Silva.

Para a prática delituosa os denunciados Eduardo, Jackson e Luiz aguardaram a aproximação da vítima, momento que, de posse de armas de fogo, efetuaram diversos disparos contra o ofendido, sendo que um deles lhe atingiu na região lombar esquerda, tendo o projétil transfixado o corpo, saindo pela região do hipocôndrio direito em linha axilar anterior, ocasionando a morte da vítima por choque hemorrágico.

Devidamente processado, sobreveio decisão interlocutória mista não terminativa, pela qual o Juízo a quo admitiu a pretensão acusatória materializada pela denúncia e, então, pronunciou os denunciados EDUARDO WAGNER e JACKSON SOARES DE LIMA, pelos delitos previstos no art. 121, §2º, incs. I e IV (Fato 1) e no art. 121, "caput" (Fato 2), ambos do Código Penal, e LUIZ HENRIQUE WAGNER RIBEIRO, pelo crime previsto no art. 121, "caput", do Código Penal (Fato 2) para submetê-la a julgamento pelo Tribunal Popular (Evento 249).

Daí os inconformismos manifestados pelos acusados Eduardo Wagner e Jackson Soares de Lima.

Porém, não obstante os argumentos articulados, o recurso não comporta provimento, adiante-se.

1 Recurso em sentido estrito interposto por Jackson Soares de Lima - pretensão voltada à despronúncia

Inicialmente, convém transcrever o disposto no "caput" e no parágrafo primeiro, do art. 413, do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Como se sabe, a pronúncia representa mero juízo de admissibilidade da acusação quando formada convicção sobre a materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, relegando a análise valorativa e aprofundada dos elementos de prova ao Tribunal do Juri - soberano por vontade constitucional (art. 5º, inc. XXXVIII, "d", da Constituição da República).

Nesse sentido é o escólio extraído da doutrina de Heráclito Antônio Mossin:

Para que o juiz pronuncie o acusado, basta que se convença da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes da autoria, ou da participação.

Um dos requisitos legais para que o juiz pronuncie o imputado é a constatação da materialidade do crime. Isso implica afirmar que a prova dos autos deve demonstrar o corpus delicti, que se eleva à categoria de prova ou de convicção quanto à existência do crime. [...]

Outro permissivo processual que permite ao magistrado determinar que o imputado seja submetido a julgamento pelo colegiado popular diz respeito aos indícios da autoria.

Como se observa, não há necessidade para efeito da pronúncia, que se tenha certeza da autoria, basta que haja pegadas, vestígios, que haja, enfim, a possibilidade ou probabilidade de a pessoa apontada ser a autora do crime doloso contra a vida, o que se constata do cotejo analítico das provas arrostadas aos autos por ocasião da instrução própria.

Conforme magistério provindo de Bento de Faria, por "indício se entenda toda e qualquer circunstância que tenha conexão com o fato mais ou menos incerto, de que se procura a prova; se ele pode resultar de um processo lógico de raciocínio, e que resultar evidenciado por esse processo, ainda que remoto, sendo suscetível de constituir motivo de suspeita, autoriza a pronúncia" (Júri: crimes e processo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 271 - sem destaque no texto original).

Em síntese, "se o juiz sumariamente estiver convencido da existência do crime e da presença de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve pronunciar o acusado, de maneira fundamentada. Há na pronúncia um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência" (LIMA. Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7 ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 1402).

Vale dizer, "é a pronúncia reconhecimento de justa causa para a fase do júri, com a presença de prova da materialidade de crime doloso contra a vida e indícios de autoria, não...

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