Acórdão Nº 5003226-19.2021.8.24.0075 do Segunda Câmara de Direito Civil, 19-05-2022

Número do processo5003226-19.2021.8.24.0075
Data19 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003226-19.2021.8.24.0075/SC

RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA

APELANTE: DOMINGOS NUNES MENDES (AUTOR) APELANTE: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Na comarca de Tubarão, DOMINGOS NUNES MENDES moveu ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais contra BANCO ITAU CONSIGNADO S.A., sob o argumento de que é indevido o desconto realizado em seu benefício previdenciário, uma vez que não firmou o respectivo contrato com a ré.

Afirmou que "de maneira inesperada, o Autor notou uma transferência no importe de R$ 600,26 em sua conta bancária, sendo o montante supracitado parcelado em 84 parcelas de R$ 14,01".

Disse que, então, "deslocou-se até o INSS para verificar do que se tratava, ocasião em que ficou sabendo que o referido valor era proveniente de empréstimo junto à instituição financeira Ré", sendo que "A informação pegou o Autor de surpresa, pois este tinha ciência que não havia realizado qualquer tipo de empréstimo junto a referida casa bancária".

Assim discorrendo, requereu a procedência dos pedidos para declarar a inexistência de débito e condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais, custas e honorários. Postulou a concessão de justiça gratuita, a inversão do ônus da prova com aplicação do CDC e o deferimento de tutela antecipada para cancelamento dos descontos.

Restaram deferidas a justiça gratuita e a tutela antecipada para suspensão dos descontos (evento 4).

No evento 14, o autor realizou o depósito em juízo dos valores recebidos.

Citada, a instituição financeira ré ofereceu contestação (evento 18), defendendo a regularidade do contrato e do débito, afirmando que "O contrato número 622035302 foi celebrado em 24 de setembro de 2020, no valor total de R$600,26, a ser quitado em 84 parcelas de R$ 14,01, mediante desconto no benefício previdenciário da [parte] Autora".

Aduziu que "O valor da contratação foi devidamente disponibilizado ao Requerente, para livre utilização, mediante transferência eletrônica para conta bancária de sua titularidade", sendo que "o recebimento da quantia é fato incontroverso nos autos, porquanto ratificado pelo próprio Demandante, conforme se extrai da narrativa exposta na exordial".

Salientou que "quando formalizado o contrato fora apresentada a documentação pertinente e prestadas todas as informações necessárias, estas de cunho pessoal e posse/acesso exclusivo pela parte autora, não havendo notícia nos autos de que a consumidora tenha extraviado documentos, tampouco cedido a terceiros, não existindo outra forma de acesso pelo Banco senão mediante fornecimento pela própria contratante".

Ao final, alegou a inocorrência de abalo moral e pugnou pela improcedência da demanda.

Houve réplica (evento 26), em que o autor impugnou a assinatura da documentação juntada em contestação.

Intimadas as partes para especificarem as provas que desejassem produzir, a ré requereu a "realização de audiência de instrução para colheita do depoimento do autor" (evento 33) e o autor pugnou pelo julgamento antecipado da lide (evento 34).

Processado o feito, sobreveio sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, para declarar a inexistência de débito e, consequentemente, condenar a ré à devolução simples dos valores indevidamente descontados. A sentença inacolheu o pedido de indenização por danos morais, reconhecendo a ocorrência de sucumbência recíproca na proporção de 80% a cargo da ré e 20% a cargo do autor.

Irresignados com a resposta judicial, autor e financeira ré interpuseram recurso.

A financeira ré interpôs apelação (evento 61), alegando o seguinte: a) que deve ser afastada sua condenação à devolução dos valores descontados, por configurar decisão extra petita; b) que ocorreu cerceamento de defesa por julgamento antecipado da lide, porquanto "a prova requerida pela Apelante, qual seja a designação de audiência a fim de colher o depoimento pessoal da parte autora, não foi deferida, prova necessária ao deslinde do feito"; c) que a contratação é regular, "em face da similaridade de assinatura e da apresentação de documentação pessoal da parte autora", além do que "comprovou a disponibilização do valor do empréstimo à parte autora, fato incontroverso nos autos, o que também afasta a possibilidade de fraude"; d) que "requer-se a redistribuição da sucumbência na proporção de 50%, eis que as partes sucumbiram em igual proporção, bem como adequação do percentual fixado para recair sobre o valor da condenação".

O autor também interpôs apelação (evento 64), postulando a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais ou, sucessivamente, a anulação da sentença por cerceamento de defesa para realização de perícia grafotécnica.

Houve contrarrazões apresentadas pela ré (evento 71).

É o relatório.

VOTO

Conheço dos recursos, porquanto preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Versam os autos sobre desconto, em benefício previdenciário, de alegado empréstimo consignado de R$600,26 com 84 parcelas mensais de R$14,01 em favor de instituição financeira.

As súplicas recursais das partes (autor e instituição financeira ré) são dirigidas contra sentença que julgou procedentes em parte os pedidos, para declarar a inexistência de débito em relação ao contrato litigioso e, consequentemente, condenar a ré à devolução simples dos valores indevidamente descontados. A sentença inacolheu o pleito indenizatório por danos morais, reconhecendo a ocorrência de sucumbência recíproca na proporção de 80% a cargo da ré e 20% a cargo do autor.

1. Julgamento extra ou ultra petita - alegada falta de pleito de devolução de valores descontados (Apelação da financeira ré)

A instituição financeira ré alega ocorrência de julgamento extra ou ultra petita, pois inexistiu pleito do autor para determinar a devolução dos valores descontados de seu benefício previdenciário.

Sem razão a recorrente.

Inocorre julgamento extra ou ultra petita, pois o desfazimento do contrato (rescisão, anulação, declaração de nulidade) ou até mesmo o reconhecimento de sua inexistência tem, como consequência lógica, o retorno das partes ao statu quo ante, acarretando a exigibilidade da devolução de valores recebidos em razão do pacto, até mesmo para evitar o enriquecimento sem causa.

Aliás, preceitua o art. 182 do Código Civil que "Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente".

Nesse norte, mutatis mutandis:

- "[...] a condenação da autora à devolução dos valores recebidos [...] não representa julgamento extra petita, pois trata-se de uma decorrência lógica do pedido de rescisão contratual" (TJSC, Apelação Cível n. 2010.083351-0, de Criciúma, excerto do voto do rel. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 15-03-2011).

- "Anulado o negócio jurídico, impõe-se a devolução das parcelas pagas, pena de enriquecimento ilícito de uma das partes em detrimento da outra" (TJSC, Apelação Cível n. 1998.008249-8, da Capital, rel. Wilson Augusto do Nascimento, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 27-08-2002).

Acerca da necessidade de devolução de valores pela parte em razão do desfazimento do contrato, decidiu esta Segunda Câmara de Direito Civil, mutatis mutandis:

- "A determinação de devolução ou compensação de valores recebidos pelo autor é mera consequência lógica do desfazimento do contrato, acolhendo-se o pleito da ré que não configura julgamento extra ou ultra petita" (TJSC, Apelação n. 5004275-51.2020.8.24.0004, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, deste relator, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 05-05-2022).

- "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA QUE ALEGA TER SIDO A CONTRATAÇÃO REALIZADA DE FORMA REGULAR. IMPUGNAÇÃO DAS ASSINATURAS CONSTANTES NOS INSTRUMENTOS. REQUERIDA QUE SE MANTEVE INERTE COM RELAÇÃO A REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL, NÃO SE DESINCUMBINDO, PORTANTO, DO ÔNUS QUE LHE CABIA (ART. 373, II DO CPC). RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO JURÍDICA. SENTENÇA MANTIDA. AUTORA QUE ALEGA TER SOFRIDO ABALO MORAL. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO QUE, ISOLADAMENTE, NÃO ENCERRAM DANO ANÍMICO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE GRAVE IMPACTO AO SEU ORÇAMENTO. INEXISTÊNCIA DE CONSEQUÊNCIAS LESIVAS À DIGNIDADE OU AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DA RECORRENTE. ABALO ANÍMICO NÃO EVIDENCIADO. PLEITO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. VIABILIDADE. EXEGESE DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DESCONTOS QUE DECORREM DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO NÃO ENTABULADO PELA PARTE. AUSÊNCIA DE DILIGÊNCIA NO MOMENTO DA CONTRATAÇÃO. ERRO INJUSTIFICÁVEL. NECESSIDADE, CONTUDO, DE COMPENSAÇÃO DOS VALORES A SEREM RESTITUÍDOS COM O IMPORTE DEPOSITADO NA CONTA BANCÁRIA DA CONSUMIDORA. [...] RECURSO DE APELAÇÃO DA REQUERIDA CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO DA AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO" (TJSC, Apelação n. 5001081-79.2019.8.24.0068, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rosane Portella Wolff, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 03-03-2022).

- "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO E PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT