Acórdão Nº 5003241-41.2020.8.24.0004 do Quinta Câmara Criminal, 01-12-2022

Número do processo5003241-41.2020.8.24.0004
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5003241-41.2020.8.24.0004/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: JOSIMAR GONÇALVES VASCONCELOS (RÉU) APELANTE: MIRIAN CIRILLO DA ROCHA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de Josimar Gonçalves Vasconcelos e Mirian Cirillo da Rocha, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 155, , incisos II e IV, do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento 1 da ação penal):

No dia 3 de agosto de 2018, por volta das 16h, o denunciado Josimar Gonçalves Vasconcelos, agindo em concurso com a denunciada Mirian Cirillo da Rocha, dirigiu-se, na companhia desta, até o estabelecimento comercial denominado "Móveis Usados Saldanha", localizado na Rua Governador Jorge Lacerda, Bairro Alto Feliz, em Araranguá, local em que ambos subtraíram, para eles, 1 (um) aparelho de telefonia celular da marca LG, de propriedade da vítima Jaqueline Hilário, funcionária do estabelecimento, que estava em cima do balcão, evadindo-se do local na posse da res furtiva.

O crime de furto foi praticado mediante fraude, uma vez que os denunciados passaram-se por clientes do estabelecimento, e, enquanto a denunciada conversava com a vítima, distraindo-a e simulando interesse na aquisição de bens que ali eram vendidos, o denunciado aproveitou-se do engodo para, diante da diminuição da vigilância da vítima, subtrair o bem, ocultando-o no interior de suas vestes.

A denúncia foi recebida (evento 3 da ação penal), os réus foram citados (eventos 28 e 29 da ação penal) e apresentou defesa (evento 36 da ação penal).

A defesa foi recebida e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento 39 da ação penal).

Na instrução foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação, bem como os réus foram interrogados (evento 76 da ação penal).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais (eventos 76 e 80 da ação penal), sobreveio a sentença (evento 82 da ação penal) com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na denúncia para:

a) condenar a ré Mirian Cirillo da Rocha, já qualificada nos autos, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída na forma da fundamentação, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente na época dos fatos, valor a ser devidamente atualizado, por infração ao artigo 155, §4º, incisos II e IV, do Código Penal.

b) condenar o réu Josimar Gonçalves Vasconcelos, já qualificado nos autos, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente na época dos fatos, valor a ser devidamente atualizado, por infração ao artigo 155, §4º, incisos II e IV, do Código Penal.

Inconformados os réus interpuseram recurso de apelação (eventos 93 e 94 da ação penal) e os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Nesta instância, os apelantes apresentaram suas razões de apelação (evento 14), onde, em sede preliminar, alegam nulidade do reconhecimento efetuado sem observância das formalidades contidas no art. 226 do Código de Processo Penal. No mérito, sustentam ausência de provas seguras que vinculem os apelantes aos fatos narrados na denúncia, razão pela qual pugnam por absolvição. De forma subsidiária, requerem afastamento das qualificadoras do concurso de pessoas e de ter sido praticado mediante fraude; afastamento das circunstâncias judiciais negativas e consideração do comportamento da vítima como circunstância favorável; estebelecimento de regime inicial mais brando e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Por fim, requerem fixação dos honorários advocatícios em favor do defensor nomeado, em razão de sua atuação na fase recursal.

Apresentadas as contrarrazões (evento 18).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes, manifestando-se pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, tão somente para fixar os honorários recursais (evento 23).

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Como sumariado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelos réus Mirian Cirillo da Rocha e Josimar Gonçalves Vasconcelos, os quais buscam a reforma da sentença proferida pela MM. Juíza de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Araranguá, que condenou a primeira ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente na época dos fatos, valor a ser devidamente atualizado; e condenou o segundo ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente na época dos fatos, valor a ser devidamente atualizado, ambos por infração ao art. 155, §4º, incisos II e IV, do Código Penal.

1 - Preliminar

Os apelantes alegam, em sede preliminar, nulidade do reconhecimento efetuado sem observância das formalidades contidas no art. 226 do Código de Processo Penal.

Sustenta que o procedimento foi efetivado através de grupo de "WhatsApp" da Polícia Militar, sendo a identificação dos acusados realizada por policial militar não identificado e não inquirido. Acentua que "Simplesmente há nos autos uma informação solta e isolada, sem comprovação, que os apelantes foram reconhecidos por alguém" (evento 14), sendo essa a única prova que lastreou a condenação.

Descreve que os apelantes foram reconhecidos pelas características e pelo modo de atuar, contudo, tais circunstâncias são insuficientes para a condenação, pois não analisado as características físicas/fisionomia/rosto etc. Ademais, a vítima não foi capaz de reconhecê-los, motivo por que suscita a necessária declaração de nulidade do procedimento, com o desentranhamento de todas as informações dele decorrentes.

Adianto, a alegada nulidade não prospera.

O indigitado art. 226 do Código de Processo Penal dispõe:

Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

Em que pese a descrição específica sobre os procedimentos a serem adotados na diligência de reconhecimento de pessoa a inobservância era reconhecida pelos Tribunais pátrios - inclusive as Cortes Superiores - como meras recomendações legais, porquanto, não ensejam reconhecimento de nulidade.

Não se desconhece que o Superior Tribunal de Justiça tem julgado no sentido de alterar seu entendimento para concluir que o reconhecimento pessoal, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal (HC 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020).

Essa nova posição foi acolhida pela Quinta Turma da Corte Superior, no julgamento do Habeas Corpus n. 652.284/SC, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, em sessão realizada na data de 27 de abril de 2021.

Contudo, referidas decisões não possuem efeito vinculante, ou seja, as instâncias ordinárias não estão obrigadas a replicar tal entendimento.

Além disso, em precedentes mais recentes daquela Corte Superior apontam pela impossibilidade de decretação da nulidade da prova ou absolvição do agente quando a comprovação de sua participação na empreitada criminosa não está amparada unicamente no reconhecimento fotográfico, ainda que este não tenha observado a integralidade dos preceitos do art. 226 do Código de Processo Penal e, assim, não possua valor probante pleno.

Vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. ROUBO MAJORADO. VIOLAÇÃO DO ART. 226 DO CPP. TESE DE NULIDADE. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO DE RECONHECIMENTO PESSOAL. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVA VÁLIDOS E INDEPENDENTES. MANUTENÇÃO DO RECORRIDO ACÓRDÃO QUE SE IMPÕE. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. O Tribunal de origem dispôs que atualmente é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é legítimo o reconhecimento pessoal ainda quando realizado de modo diverso do previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, servindo o paradigma legal como mera recomendação. Além disso, o reconhecimento fotográfico de acusados, quando ratificados em juízo, como no caso presente, em que houve o reconhecimento pessoal em Juízo, sob a garantia do contraditório e ampla defesa, pode servir como meio idôneo de prova para lastrear a condenação. 2. [...] a autoria delitiva não se amparou, exclusivamente, no reconhecimento pessoal realizado na fase do inquérito policial, destacando-se...

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