Acórdão Nº 5003254-52.2022.8.24.0042 do Primeira Câmara Criminal, 13-10-2022

Número do processo5003254-52.2022.8.24.0042
Data13 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5003254-52.2022.8.24.0042/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

RECORRENTE: MARCIO COSTA (RECORRENTE) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de MARAVILHA em face de Márcio Costa, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos III e IV, c/c § 4º, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

No dia 10 de janeiro de 2013, por volta da 1h35min, no interior da residência [...], em Maravilha (SC), o denunciado MARCIO COSTA, com manifesta vontade de matar, desferiu vários socos no rosto da vítima Celeste Borges Vieira, idoso e portador de deficiência física (cadeirante), e, após tê-la sufocado por alguns instantes, desferiu um golpe com uma muleta contra a cabeça da vítima, o que fez com que o ofendido caísse ao chão.

Referidas agressões foram o fator que submeteram a vítima Celeste Borges Vieira a internação e procedimentos cirúrgicos em razão de múltiplas fraturas em sua face, que desencadearam todas as complicações que levaram o ofendido ao óbito, conforme consignado na certidão de óbito de fl. 12 e no documento lavrado pelo Instituto Geral de Perícias de fls. 95-96, consumando assim o intento homicida do denunciado.

Referido crime, diga-se, foi praticado por meio cruel, urna vez que o denunciado MARCIO COSTA, ceifou a vida da vítima, uma pessoa idosa e deficiente física (cadeirante), repita-se, desferindo vários socos em seu rosto, como se não bastasse, pegou uma muleta e golpeou a a vítima, acertando sua cabeça, impingindo sofrimento desproporcional ao ofendido em razão da prática delituosa.

Ademais, evidencia-se a extrema dificuldade de defesa da vítima, pessoa idosa e portadora de deficiência, que por não possuir os membros inferiores e se locomover por cadeira de rodas nada podia fazer em face das severas agressões do acusado que o levaram a morte. (evento 88/eproc1G, DENÚNCIA1, 2 e 3, em 18-11-2014)

Decisão interlocutória: na audiência de instrução realizada em 8-2-2018 foi decretada a revelia do recorrente, com base no art. 367, do CPP (evento 89, AUTOS155).

Decisão de pronúncia: o juiz de direito Solon Bittencourt Depaoli julgou julgou admissível a denúncia para pronunciar Márcio Costa pela prática dos crimes previstos no art. 121, § 2º, incisos III e IV, c/c § 4º, do Código Penal, submetendo-o ao julgamento pelo Tribunal do Júri, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (evento 106, eproc1G, em 14-6-2022).

Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para o Ministério Público.

Recurso de Márcio Costa: a defesa interpôs recurso em sentido estrito, no qual sustentou que:

a) a conduta deve ser desclassificada para lesão corporal de natureza grave (CP, art. 129, §1º, inciso I) ou lesão corporal seguida de morte (CP, art. 129, § 3º), tendo em vista que não houve animus necandi;

b) a vítima faleceu em decorrência de septicemia, diabetes e trauma de face, pois a causa da morte atestada pelo médico legista foi "Síndrome da resposta inflamatória sistêmica em decorrência da infecção pulmonar em decorrência de internação prolongada e cirurgia por traumatismo da face. Doença associada: diabete mellitus";

c) a diabetes da vítima é causa preexistente relativamente independente, responsável pelo óbito;

d) trata-se de crime preterdoloso, de modo que cabe, subsidiariamente, a desclassificação para lesão corporal seguida de morte, pois a intenção do recorrente era apenas lesionar a vítima, não lhe tirar a vida. Caso o acusado tivesse o dolo de matar o ofendido, ele teria consumado o ato, pois, no local dos fatos, eles estavam trancados e Celeste já estava caído no chão, sendo plenamente possível matá-lo;

e) o fato de a vítima ser cadeirante não pode ser utilizado para qualificar o crime, pois tal hipótese não se encontra prevista no inciso IV do §2º do art. 121 do Código Penal, que trata de modos de execução do delito.

Requereu o conhecimento e o provimento do recurso para reformar a sentença, de modo a desclassificar a conduta para lesão corporal grave (CP, art. 129, § 1º, I). De forma subsidiária, pugnou pela desclassificação para lesão corporal seguida de morte (CP, art. 129, § 3º). Por fim, postulou, sucessivamente, o afastamento da qualificadora do recurso que dificultou/impossibilitou a defesa da vítima (evento 115, eproc1G, em 13-9-2022).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que:

a) há prova suficiente da materialidade e autoria delitivas, que autorizam o julgamento perante o Tribunal do Júri. Eventual desclassificação para crime menos grave deve ser dirimida pelo Conselho de Sentença, pois não há prova segura de que o recorrente não tenha agido com ânimo de ceifar a vida da vítima;

b) ainda que seja reconhecida a existência de causa preexistente relativamente independente, em obediência à teoria da equivalência dos antecedentes ou conditio sine qua non, adotada pelo art. 13, caput, in fine, do CP, o agente responde pelo resultado naturalístico. No caso em análise, apesar de a vítima apresentar comorbidades que contribuíram para o evento morte, não foram autônomas, razão pela qual o acusado deve responder pelo resultado;

c) a qualificadora deve ser mantida, pois há indícios que a vítima teve sua defesa dificultada e limitada aos membros superiores, já que não possuía os inferiores.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da decisão de pronúncia (evento 120, eproc1G, em 22-8-2022).

Juízo de retratação: o juiz de direito Guilherme Augusto Portela de Gouvea manteve a decisão de pronúncia por seus próprios fundamentos (evento 122, eproc1G, em 28-8-2022).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Carlos Henrique Fernandes opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 8, eproc2G, em 22-9-2022).

Este é o relatório.

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido. E, em atenção ao princípio tantum devolutum quantum appellatum, a apreciação limitar-se-á à análise dos argumentos expostos em sede recursal.

Do mérito

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Márcio Costa contra a decisão que o pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos III e IV, c/c § 4º, do Código Penal, determinando o seu julgamento pelo Tribunal do Júri.

A defesa, nas razões recursais, mostrou-se irresignada quanto à pronúncia do recorrente, requerendo a desclassificação do delito de homicídio duplamente qualificado, para o de lesão corporal grave ou lesão corporal seguida de morte, além do decote da qualificadora do recurso que dificultou/impossibilitou a defesa da vítima.

Da desclassificação

É cediço que a decisão de pronúncia (artigo 413 do CPP) é um mero juízo de admissibilidade, cujo único objetivo é verificar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e dos indícios que apontam o recorrente como autor da conduta descrita, não se exigindo prova incontroversa, basta que haja uma probabilidade de o agente ter cometido o crime doloso contra a vida.

Noutra ponta, a desclassificação do delito, hipótese prevista no artigo 419 do CPP, somente é cabível quando houver prova inconteste de que o crime cometido é diverso daquele apontado na denúncia.

Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci ensina:

O juiz somente desclassifica a infração penal, cuja denúncia foi recebida como delito doloso contra a vida, em caso de cristalina certeza quanto à ocorrência de crime diverso daqueles previstos no art. 74, § 1º, do Código de Processo Penal. [...] Outra solução não pode haver, sob pena de se ferir dois princípios constitucionais: a soberania dos veredictos e a competência do júri para apreciar os delitos dolosos contra a vida.

A partir do momento em que o juiz togado invadir seara alheia, ingressando no mérito do elemento subjetivo do agente, para afirmar ter ele agido com animus necandi (vontade de matar) ou não, necessitará ter lastro suficiente para subtrair, indevidamente, do Tribunal Popular a competência constitucional que lhe foi assegurada. É soberano, nessa matéria, o povo para julgar seu semelhante, razão pela qual o juízo de desclassificação merece sucumbir a qualquer sinal de dolo, direto ou eventual, voltado à extirpação da vida humana (Tribunal do júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 88/89).

O pedido de desclassificação funda-se na ausência de demonstração do animus necandi e no fato de a vítima possuir comorbidades preexistentes...

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