Acórdão Nº 5003298-58.2022.8.24.0014 do Quinta Câmara Criminal, 29-09-2022

Número do processo5003298-58.2022.8.24.0014
Data29 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5003298-58.2022.8.24.0014/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

RECORRENTE: GILSON RODRIGO FERREIRA (RECORRENTE) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Gilson Rodrigo Ferreira, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 121, § 2º, I, do Código Penal, conforme o seguinte fato narrado na inicial acusatória (autos da Ação Penal - AP, doc. 2):

No dia 20 de dezembro de 2021, por volta das 3h20 da madrugada, na residência situada na Rua Assis Camargo Costa, 34, Coab, em Campos Novos, o denunciado GILSON RODRIGO FERREIRA, com consciência e vontade, portanto, dolosamente, movido por inequívoco animus necandi, deu início ao crime de homicídio contra Valdir Jesus Rodrigues, ao lhe agredir com uma barra de ferro em sua cabeça, provocando as lesões descritas no laudo pericial (fl. 1 evento 1 do INQ3), somente não consumando o delito porque a vítima foi prontamente socorrida e levada ao hospital.

Segundo restou apurado, Valdir estava dormindo quando o denunciado Gilson invadiu a sua residência, arrombando a porta, e desferiu na vítima alguns golpes com barra de ferro em sua cabeça.

Registre-se que o crime foi praticado por motivo torpe, porquanto o móvel do delito foi o fato de a vítima estar namorando com a exesposa do denunciado, que já estava separada dele há mais de 2 (dois) anos.

Recebida a denúncia (autos da AP, doc. 3) e citado pessoalmente (autos da AP, doc. 5), o acusado apresentou resposta à acusação (autos da AP, doc. 8).

Na audiência do doc. 25 dos autos da AP, "O Ministério Público pediu a retificação da imputação típica constante da peça acusatória, incluindo-se a referência à tentativa", o que foi acolhido pelo Magistrado, que assim consignou "'1. Constatado o erro material, HOMOLOGO a retificação da imputação típica constante na peça acusatória, de forma a constar o art. 121, §2º, inc. I, c/c art. 14, inc. II, todos do CP'".

Processado o feito, sobreveio decisão que admitiu a acusação e pronunciou "o réu GILSON RODRIGO FERREIRA, qualificado nos autos, qualificado nos autos, a fim de que seja submetido ao julgamento perante o E. Tribunal do Júri desta Comarca, como incursos nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I, na forma do artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal" (autos da AP, doc. 39).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o acusado interpôs recurso de apelação (autos da AP, doc. 50).

Em suas razões (autos da AP, doc. 54), pretendeu a impronúncia, porquanto as provas produzidas são precárias, vez que contraditórias e imprestáveis, para que seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri (fl. 4).

De modo subsidiário, almejou a absolvição sumária, vez que jamais teve a intenção dolosa de ceifar a vida do ofendido, tendo agido em legítima defesa, pois "foi recepcionado pela vítima a golpes de faca e somente não veio perder a vida por que conseguiu naquele momento pegar um pedaço de ferro de construção que se encontrava no local" (fls. 2-3).

Sucessivamente, pugnou pelo reconhecimento da desistência voluntária e, de maneira suplementar, pela desclassificação da conduta para o crime de lesão corporal tentada (fls. 4-5).

Por fim, requereu o afastamento da qualificadora (fl. 4).

Foram apresentadas contrarrazões pelo órgão ministerial (autos da AP, doc. 57).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Vera Lúcia Coró Bedinoto, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (doc. 3).

Este é o relatório.

VOTO

Ab initio, destaco que, como bem ponderado pela douta Procuradora de Justiça, o presente recurso de apelação deve ser recebido como recurso em sentido estrito.

Isso porque, denoto que no mandado de intimação do acusado constou a opção de manifestação de recurso de apelação, tendo o acusado manifestado desejo de recorrer, senão vejamos (autos da Ação Penal - AP, doc. 50):



Em ato contínuo, o defensor do acusado apresentou razões de apelação, com fulcro no art. 593, III, "b", "c", "d", do Código de Processo Penal (autos da AP, doc. 54).

Contudo, malgrado a interposição equivocada, é certo que, diante de tais particularidades, e como bem ponderado pela procuradora de justiça, não vislumbro a existência de má-fé e tampouco de erro grosseiro, de forma que o reclamo interposto, diante da aplicação do princípio da fungibilidade, merece ser recebido como recurso em sentido estrito.

Não bastasse, vejo que o recurso é tempestivo e "encontra-se devidamente motivado, atacando a decisão prolatada" (doc. 3, fl. 3), razão pela qual, porque preenchidos os requisitos de admissibilidade, deve ser conhecido.

Dito isso, passo ao exame das teses recursais.

In casu, o pronunciado almejou, em suma, primeiramente, a impronúncia e, de maneira subsidiária e sucessiva, absolvição sumária, desclassificação para o crime de lesão corporal tentada e, por último, afastamento da qualificadora.

Pois bem.

Anoto que a decisão de pronúncia, segundo Guilherme de Souza Nucci:

É decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação da culpa, inaugurando-se a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento de mérito. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 13. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 870).

Justamente por não se tratar de decisão que julga procedente ou improcedente a imputação da denúncia - tarefa constitucionalmente delegada ao Conselho de Sentença nos casos de crimes dolosos contra a vida, nos termos do art. 5º, XXXVIII, "d", da Constituição Federal - o julgador não deve expressar juízos definitivos sobre o mérito do delito, mas apenas avaliar se há elementos de prova aptos a confortar a versão apresentada na inicial incoativa.

Tanto é verdade que Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto ensinam que:

Também em virtude desse caráter restrito da pronúncia, é que se diz que o juiz deve se valer de linguagem sóbria e comedida, sem excessivo aprofundamento na análise da prova, de resto desnecessária porquanto na pronúncia - repita-se - apenas se remete o réu à Júri, cabendo ao Tribunal Popular, este sim, a análise detida do mérito. O excesso de linguagem poderá, mais adiante, exercer indesejável influencia na convicção os jurados que, leigos, decerto podem se deixar impressionar com a terminologia utilizada pelo juiz togado (CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados, 2. Ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 1160).

Em resumo, havendo substrato mínimo de prova, é dever constitucional do juiz remeter a questão à análise dos jurados, responsáveis por decidir, de forma soberana (art. 5º, XXXVIII, "c", da Constituição Federal), sobre a materialidade do fato; sobre a autoria ou participação; sobre absolvição do acusado; sobre a existência de causa de diminuição de pena alegada pela defesa; e sobre a existência de circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação (art. 483 do Código de Processo Penal).

Inviável, na hipótese, falar em impronúncia.

A materialidade do delito de tentativa de homicídio está comprovada por meio do boletim de ocorrência (autos do Inquérito Policial - IP, doc. 4, fls. 13-15), laudos periciais (autos do IP, doc. 4, fls. 1-2, e doc. 19, fls. 1-3), relatório final (autos do IP, doc. 5) e do laudo pericial exame em local de ação violenta (autos do IP, doc. 20).

Os indícios de autoria, da mesma forma, estão satisfatoriamente demonstrados.

Em seu interrogatório na seara administrativa, o réu Gilson Rodrigo Ferreira narrou (autos do IP, doc. 3, fl. 3, grifei):

[...] Que, quando da separação acordaram que as visitas ficariam livres sem dia e hora pré-determinados: Que, na noite de ontem, por volta das 23h 00min, o depoente foi visitar os filhos, sendo que quando chegou na casa estavam somente os filhos de 14 e 15 anos de idade, assistindo TV: Que ficou com eles até por volta das 03h 00min e quando estava saindo o vizinho chamado Valdir, que atualmente está namorando com Alessandra provocou o depoente chamando-o de "vagabundo"; Que, Valdir estava na porta da casa dele quando mexeu com o depoente; Que, então, iniciaram uma discussão e Valdir "partiu pra cima" do depoente com uma faca, lesionando-o no rosto e nos braços; Que, para se defender, o depoente juntou uma barra de ferro e com ela golpeou Valdir, atingindo-o na cabeça; Que, na casa com Valdir estava somente sua ex-mulher Alessandra; Que, acha que seus filhos não presenciaram a briga porque já tinham ido dormir; Que, indagado se quebrou o vidro da porta e invadiu a casa de Valdir, disse que não; Que, indagado se agrediu Valdir por ciúme de estar namorando Alessandra, sua ex-mulher, disse que não, que aceitou bem a separação e não quer saber dos seus relacionamentos; Que, as agressões ocorreram no interior da casa de Valdir [...]

Na primeira etapa do rito do júri, o acusado contou (depoimento transcrito na sentença de pronúncia, doc. 39 dos autos da AP, confirmado pela mídia do doc. 30, 00:33:06 a 00:42:21, dos autos da AP, acrescido das partes entre colchetes e grifado):

Fui chamar ela porque as crianças estavam sozinhas; [fui na casa dela e o Valdir estava lá na casa dela] e quando entrei lá o cara já me deu uma facada no rosto; e depois [olhei para trás assim e tinha uma barra e ele] me deu mais [duas facadas na parte de baixo do coração e depois ele me deu mais duas, que pegaram no nariz e na cabeça e para me defender peguei a] [...] barra de ferro [e taquei na cabeça dele, caso contrário ele iria me matar]; eu fui na porta da casa, e quando [ele abriu a porta ele] [...] já me deu uma facada [já estava com a faca na mão; Valdir quase furou meu olho e quase atingiu meu coração; a intenção de Valdir era me matar; estou...

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