Acórdão Nº 5003315-87.2021.8.24.0060 do Segunda Câmara Criminal, 07-06-2022

Número do processo5003315-87.2021.8.24.0060
Data07 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5003315-87.2021.8.24.0060/SC

RELATORA: Desembargadora SALETE SILVA SOMMARIVA

RECORRENTE: SEBASTIAO DANIEL NERIS (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O promotor de justiça, oficiante junto à Vara Única da Comarca de São Domingos, apresentou denúncia em face de Sebastião Daniel Neris, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, IV e VIII, do Código Penal, e arts. 12 e 16, § 1º, IV, ambos da Lei 10.826/2003, todos em concurso material de crimes (art. 69, do CP), nos seguintes termos:

Ato 1 - Do crime de homicídio qualificado:

No dia 11 de outubro de 2021, por volta das 15h, na Aldeia Cerro Doce, Reserva Indígena, na cidade de Ipuaçu/SC, o denunciado SEBASTIÃO DANIEL NERIS, com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, com manifesta intenção de matar, ceifou a vida de Leomar da Silva Pereira, no instante em que, munido de duas armas de fogo, uma espingarda e um revólver1 , efetuou um disparo na região do pescoço da vítima com a primeira arma e, em seguida, efetuou outros disparos com o revólver, ocasionando "hemorragia aguda" produzida por "ação perfuro contundente", causa eficiente da sua morte, consoante exame de necroscopia - Laudo Pericial n. 2021.28.01920.21.001-382 .

Segundo consta nos autos, o denunciado SEBASTIÃO DANIEL NERIS, ao tomar conhecimento de que a vítima Leomar da Silva Pereira estaria se dirigindo à residência de Cleomara Neris3 , ex-companheira da vítima e irmã do réu, aguardoua no local munido de duas armas de fogo. Na ocasião, ao perceber que a vítima Leomar da Silva Pereira chegara de motocicleta à residência de Cleomara, o réu efetuou os disparos acima mencionados incontinente a vítima estacionar seu veículo.

Ressalta-se que o delito foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, haja vista que o denunciado agiu de inopino, sem que fosse possível a vítima esboçar reação.

Registra-se, ainda, que o delito foi praticado com o emprego de arma de fogo de uso restrito, haja vista que o revólver da marca Taurus, calibre nominal .32, possui seu número de série adulterado de forma fraudulenta através do rebaixamento da superfície suporte provocado por abrasão mecânica, com a utilização de ferramenta eletromecânica, consoante Laudo Pericial n. 2021.28.01920.21.003-72.

Ato 2 - Do crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido:

Em momento anterior e autônomo às condições de local e tempo do delito descrito no Ato 1, a ser apurado na instrução processual, no interior da residência localizada na Aldeia Cerro Doce, Reserva Indígena, na cidade de Ipuaçu/SC, o denunciado SEBASTIÃO DANIEL NERIS, com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, mantinha sob sua guarda, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, 1 (uma) espingarda calibre .32, marca Rossi, 6 (seis) estojos, componentes de cartuchos de arma de fogo, calibre nominal .32 S&WL, 6 (seis) cartuchos, calibre nominal .32, e 1 (um) estojo, componente de cartucho de arma de fogo, calibre nominal .32, sendo que o armamento foi periciado4 e apresentando-se eficiente para o fim que se destina.

Ato 3 - Do crime de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito:

Em momento anterior e autônomo às condições de local e tempo do delito descrito no Ato 1, no interior da residência localizada na Aldeia Cerro Doce, Reserva Indígena, na cidade de Ipuaçu/SC, o denunciado SEBASTIÃO DANIEL NERIS, com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, mantinha sob sua guarda, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, 1 (um) revólver calibre .32, marca Taurus, com numeração suprimida, o qual foi devidamente periciado5 e apresentou-se eficiente para o fim que se destina.

Após o regular processamento do feito, o magistrado Pedro Cruz Gabriel julgou admissível a denúncia para submeter o acusado ao crivo do Tribunal do Júri, como incurso nas sanções dos arts. 121, §2º, IV e VIII do Código Penal e 12 e 16, §1º, IV, da Lei Federal n. 10.826/2003.

O réu interpôs recurso em sentido estrito (evento 92). Em suas razões (evento 108), arguiu, preliminarmente, a nulidade da decisão ante o cerceamento de defesa, porquanto indeferida a reprodução simulada dos fatos. No mérito, pugnou pela absolvição sumária ou impronúncia, alegando ter agido em legítima defesa. Pleiteou, ainda, o reconhecimento da consunção entre os delitos de posse irregular de arma de fogo de uso permitido e restrito e o crime de homicídio qualificado. Requereu, também, o afastamento da qualificadora do recurso que impossibilitou a defesa da vítima e o reconhecimento da atipicidade da conduta em relação ao delito previsto no art. 16, §1º, IV, da Lei n. 10.826/03.

Contrarrazões (evento 113).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Dr. Genivaldo da Silva (evento 10, nesta instância), manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

Documento eletrônico assinado por SALETE SILVA SOMMARIVA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2291715v3 e do código CRC de28d116.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SALETE SILVA SOMMARIVAData e Hora: 7/6/2022, às 14:48:12





Recurso em Sentido Estrito Nº 5003315-87.2021.8.24.0060/SC

RELATORA: Desembargadora SALETE SILVA SOMMARIVA

RECORRENTE: SEBASTIAO DANIEL NERIS (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Inicialmente, o recorrente arguiu a nulidade do feito ante o cerceamento de defesa, porquanto indeferida a reprodução simulada dos fatos pelo magistrado singular.

Na hipótese, em que pese a argumentação lançada na prefacial do recurso, conforme será discorrido a seguir, o mérito será resolvido em benefício do réu, razão pela qual deixa-se de enfrentar a arguição, nos termos do art. 282, § 2º, do Código de Processo Civil, aplicado analogicamente.

Fixada referida premissa, o pleito de absolvição sumária merece provimento.

Cumpre, de antemão, trazer à baila os ensinamentos da doutrina acerca da hipótese de absolvição sumária em processos afetos ao Tribunal do Júri.

E Guilherme de Souza Nucci, no ponto, dispõe:

Absolvição sumária: é a decisão de mérito, que coloca fim ao processo, julgando improcedente a pretensão punitiva do Estado. A Lei 11.689/2008 introduziu outras causas determinantes dessa decisão. Pode-se absolver o réu nas seguintes hipóteses: a) não está provada a existência do fato; b) não está provado ser o acusado o autor ou partícipe do fato; c) prova-se que o fato não constitui infração penal. Além disso, permanecem as causas anteriores à reforma, ou seja, quando o magistrado reconhece excludente de ilicitude ou de culpabilidade (arts. 20, 21, 22, 23, 26, caput, e 28, § 1.º, do Código Penal). É preciso ressaltar que somente comporta absolvição sumária a situação envolta por qualquer das situações suprarreferidas quando nitidamente demonstradas pela prova colhida. Havendo dúvida razoável, torna-se mais indicada a pronúncia, pois o júri é o juízo competente para deliberar sobre o tema. (Código de processo penal comentado - 20. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 900).

Precisos, também, os ensinamentos de Edilson Mougenot Bomfin:

Tem a absolvição sumária a natureza de sentença. Apreciando o mérito, o juiz julga improcedente a pretensão punitiva estatal. É válido ressaltar que somente se pode arguir a absolvição sumária quando estiver provada a inexistência do fato, demonstrado não ser o acusado autor ou partícipe do crime, não constituir o fato infração penal ou a situação envolvida pelas excludentes for nitidamente demonstrada, pois impera nessa fase o princípio in dubio pro societate. Somente nessas hipótese, quando estiverem cumpridamente provadas, poderá o juiz afastar a competência do Tribunal do Júri (Código de processo penal anotado - 6. ed. - São Paulo : Saraiva, 2017, p. 1368).

É cediço que, para que o réu venha a ser pronunciado e tenha seu julgamento submetido ao Tribunal do Júri, é necessário apenas a existência de elementos que comprovem a materialidade do delito e indícios suficientes de autoria, prescindindo, nesta fase, de absoluta certeza quanto ao responsável pela prática ilícita e as peculiaridades que o crime possa envolver.

Entretanto, conforme doutrina acima, caso alguma excludente de ilicitude reste nitidamente demonstrada nos autos, há de ser operada a absolvição sumária em favor do réu.

E foi o que ocorreu no caso em tela, onde restou inequívoco que o acusado agiu sob o manto da excludente de ilicitude da legítima defesa, à luz da prova oral coligida aos autos, senão vejamos.

O policial civil Ivan Carlos Fumagalli, que atendeu a ocorrência de homicídio retratada nos autos, em delegacia, afirmou:

Que fui acionado pelo cacique da Reserva Indígena Xapecó, noticiando um homicídio ocorrido na Aldeia Cerro Doce; Que em contato com o delegado Vanderlei, este me orientou a acionar o IGP e IML e me deslocar ao local dos fatos; Que de imediato acionei o CML E IGP; Que ao chegar no local indicado, foi possível constatar a pessoa conhecida como "bugrinho", depois identificado como sendo Leomar da Silva Pereira, caído sobre uma motocicleta, já sem vida; Que Leomar estava na frente da casa de sua ex-sogra; Que a casa estava fechada e não tinha ninguém no local; Que então localizei a proprietária da casa, senhora Cleonice; Que Cleonice me relatou que estava em casa, na área, juntamente com sua filha Cleomara, ex esposa de Brugrinho, quando Bugrinho chegou de moto e encostou bem na frente da área, dizendo: "De um jeito ou de outro eu levo a Cleomara de novo"; Que neste momento Cleomara correu para dentro da casa e a comunicante foi até a cozinha para guardar o prato que estava usando, neste momento escutou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT