Acórdão Nº 5003361-14.2021.8.24.0113 do Segunda Câmara Criminal, 08-03-2022

Número do processo5003361-14.2021.8.24.0113
Data08 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5003361-14.2021.8.24.0113/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: NATALY DA SILVA (ACUSADO) ADVOGADO: JULIANO VIANA MAIA (OAB SC026033) APELANTE: DANIEL ROMERO SARTORIO SENNA (ACUSADO) ADVOGADO: JULIANO VIANA MAIA (OAB SC026033) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Camboriú, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Daniel Romero Santorio Senna e Nataly da Silva, imputando-lhes as práticas dos crimes previstos nos arts. 33, caput, e 35, caput, da Lei 11.343/06, nos seguintes termos:

Fato 1

Em data não determinada nos autos, sabendo-se que em dias anteriores a 13/05/2021, nesta cidade e Comarca de Camboriú/SC, os denunciados, com vontade e consciência, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, de forma estável e permanente, associaram-se entre si, para o fim de praticarem crimes de tráfico de drogas.

Fato 2

A guarnição da polícia militar vinha recebendo denúncias de populares e informantes acerca da mercancia espúria pelos denunciados Daniel Romero Santorio Senna e Nataly da Silva.

Assim, em 13/5/2021, após receberem informações que ambos teriam recebido um grande carregamento de drogas, dirigiram-se para averiguar a residência, localizada na Rua Olímpio Soares, n. 11, Lídia Duarte, Camboriú/SC.

No local, os policiais militares encontraram um masculino no portão que, ao avistar a viatura, adentrou no pátio. Com ele, foi encontrada uma bucha de cocaína.

Enquanto realizavam a abordagem, os agentes estatais visualizaram os denunciados, através da porta de vidro da quitinete do casal, fazendo a pesagem das drogas, que estavam em cima da mesa.

No momento que Daniel viu a situação do lado de fora do imóvel, tentou esconder os entorpecentes no quarto da casa, não logrando êxito.

Pelas fundadas razões do crime de tráfico de drogas, os policiais militares entraram na residência, onde realizaram a abordagem do casal. Em busca na casa, foram encontrados R$ 300,00 (trezentos reais), 1 (uma) balança de precisão, 1 (um) rolo de plástico filme - objeto comumente utilizado para embalagem de drogas -, 4 (quatro) smartphones, bem como 45g (quarenta a cinco) gramas de substância análoga à crack e 185g (cento e oitenta e cinco gramas) de substância análoga à cocaína, que adquiriram/guardavam/mantinham em depósito, para posterior venda, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Evento 1).

Concluída a instrução, a Doutora Juíza de Direito Naiara Brancher julgou procedente a exordial acusatória e condenou Daniel Romero Santorio Senna e Nataly da Silva à pena de 8 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e 1.262 dias-multa, pelo cometimento dos delitos previstos nos arts. 33, caput, e 35, caput, da Lei 11.343/06 (Evento 123).

Insatisfeitos, Daniel Romero Santorio Senna e Nataly da Silva deflagraram recurso de apelação.

Nas razões do inconformismo, almejam, preliminarmente, a reforma da sentença resistida, a fim de serem absolvidos diante da ilicitude da prova que lastreia suas condenações, porquanto não poderiam os Agentes Estatais, desprovidos de mandado judicial, ter ingressado no domicílio.

No mérito, requerem, em síntese, a proclamação das suas absolvições com relação aos delitos descritos nos arts. 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei 11.343/06, por ausência de prova quanto à autoria delitiva.

De forma sucessiva, almejam a exclusão do acréscimo referente à quantidade de droga apreendida e a concessão do tráfico privilegiado (Evento 8).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 12).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Leonardo Felipe Cavalcanti Lucchese, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 15).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

1. A alegação, de que a incursão na residência dos Apelantes Nataly da Silva e Daniel Romero Sartorio Senna constitui ofensa à garantia de inviolabilidade de domicílio, não convence.

O crime de tráfico de drogas é permanente, de modo que sua consumação se prolonga no tempo e, encontrando-se o agente no estado de flagrância disposto no art. 303 do Código de Processo Penal, é prescindível ordem judicial para ingresso em seu domicílio.

Sendo assim, era desnecessário que os Policiais estivessem munidos de mandado de busca e apreensão ou fossem autorizados pelos Recorrentes para ingressar no imóvel, pois o próprio comando de garantia constitucional ressalva que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

Guilherme de Souza Nucci acentua:

Desnecessidade de mandado em caso de flagrante: é indiscutível que a ocorrência de um delito no interior do domicílio autoriza a sua invasão, a qualquer hora do dia ou da noite, mesmo sem o mandado, o que, aliás, não teria mesmo sentido exigir fosse expedido. Assim, a polícia pode ingressar em casa alheia para intervir num flagrante delito, prendendo o agente e buscando salvar, quando for o caso, a vítima. Em caso de crimes permanentes (aqueles cuja consumação se prolonga no tempo), como é o caso de tráfico de entorpecentes, na modalidade "ter em depósito" ou "trazer consigo", pode o policial penetrar no domicílio efetuando a prisão cabível (Código de Processo Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 530-531).

Atente-se que, embora a inviolabilidade domiciliar constitua uma das mais antigas e importantes garantias individuais de uma sociedade civilizada por englobar a tutela da intimidade, da vida privada, da honra, bem como a proteção individual e familiar do sossego e da tranquilidade, não pode constituir "verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas" (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 35).

As Cortes Superiores, contudo, mesmo em casos de crimes permanentes, exigem que sejam demonstrados, ainda que posteriormente, os motivos pelos quais os Agentes Públicos suspeitaram de que na residência ocorria um flagrante delito.

O Tribunal Pleno da Corte Constitucional, no julgamento do Recurso Extraordinário 603.616, decidiu que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 5.11.15).

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu recentemente decisão paradigmática acerca do tema:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INGRESSO NO DOMICÍLIO. EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA). CONSENTIMENTO DO MORADOR. REQUISITOS DE VALIDADE. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 1.1. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige. 1.2. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais. Célebre, a propósito, a exortação de Conde Chatham, ao dizer que: "O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!" ("The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of the Crown. It may be frail, its roof may shake, the wind may blow through it, the storm may enter, the rain may enter, but the King of England cannot enter!" William Pitt, Earl of Chatham. Speech, March 1763, in Lord Brougham Historical Sketches of Statesmen in the Time of George III First Series (1845) v. 1). 2. O ingresso regular em domicílio alheio, na linha de inúmeros precedentes dos Tribunais Superiores, depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência - cuja urgência em sua cessação demande ação imediata - é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. 2.1. Somente o flagrante delito que traduza verdadeira urgência legitima o ingresso em domicílio alheio, como se infere da própria Lei de Drogas (L. 11.343/2006, art. 53, II) e da Lei 12.850/2013 (art. 8º), que autorizam o retardamento da atuação policial na investigação dos crimes de tráfico de entorpecentes, a denotar que nem sempre o caráter permanente do crime impõe sua interrupção...

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