Acórdão Nº 5003401-87.2021.8.24.0018 do Sexta Câmara de Direito Civil, 08-03-2022

Número do processo5003401-87.2021.8.24.0018
Data08 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003401-87.2021.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ CARVALHO

APELANTE: MARIA MARGARIDA D AMBROS (AUTOR) APELANTE: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Adoto, por economia processual e em homenagem à sua completude, o relatório de sentença:

Trata-se de ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c restituição de valores e indenização por danos morais, em que são partes as acima indicadas, ambas devidamente qualificadas, na qual a parte autora afirma, em suma, que a ré está debitando indevidamente de seu benefício previdenciário empréstimo consignado jamais entabulado.Devidamente citada, a ré ofertou contestação (evento 10), em que defendeu, na essência, a regularidade da operação, sendo válidos os serviços prestados.Houve réplica, na qual a demandante reafirmou desconhecer as assinaturas estampadas nos respectivos instrumentos.Após, o feito foi saneado (evento 23), ocasião em que restou deferida a produção de prova pericial, da qual, depois de produzida, puderam os litigantes se manifestar (evento 66). É, com a concisão necessária, o relatório.

A parte dispositiva é do seguinte teor:

Assim sendo e com fundamento no inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil, acolho em parte os pedidos formulados para o fim de: a) declarar insubsistentes os débitos descritos na petição inicial perpetrados pela ré no benefício previdenciário da autora, representados pelos documentos dos eventos 1 e 10, determinando ainda que a aludida instituição financeira se abstenha de promover quaisquer outros descontos para pagamento das parcelas do contrato objeto da ação, sob pena de multa única de R$ 1.000,00 (mil reais) para cada desconto mensal indevido; e, b) condenar a parte requerida, após a compensação autorizada nos termos da fundamentação acima, na devolução, à parte autora, de forma simples, dos respectivos valores indevidamente descontados, a serem corrigidos monetariamente pelo INPC/IBGE a partir da data de cada respectivo desconto e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação;Expeça-se, ainda, alvará em favor do perito do juízo.Defiro a tutela de urgência, ainda, nos moldes do tópico retro.Via de consequência e na forma do tópico retro, condeno a ré no pagamento integral das despesas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, os quais arbitro equitativamente em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), na forma do § 8º do artigo 85 do diploma processual, a fim de não aviltar o trabalho desempenhado pelo respectivo causídico.

Inconformado, o Banco réu opôs Embargos de Declaração sustentando, em breve síntese, omissão do juízo a quo em relação à tese de prescrição (evento 80 da instância a quo).

Deliberando acerca do petitório, o juízo a quo reconheceu a omissão no decisum objurgado; todavia, afastou a prejudicial de mérito (evento 88 da instância a quo).

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a autora interpôs o presente recurso de Apelação Cível aduzindo, brevemente, que, ao revés do juízo de cognição assentado à instância a quo, o ato ilícito em contenda dá ensejo aos danos morais presumidos. Isso porque "(...) retirar mensalmente da renda de um assalariado a quantia de setenta e poucos reais, causa danos e de toda ordem, material e moral, especialmente se estes forem indevidos" (evento 82 da instância a quo).

Frente a este contexto, requereu a reforma do decisum objurgado para, acolhendo-se as teses recursais:

(...) após análise do todo apresentado nos autos requer-se o recebimento destas razões recursais para reformar a Decisão de Primeiro Grau, CONDENANDO o Apelado em DANOS MORAIS pelos descontos indevidos, na quantia almejada na inicial e consequentemente majorados os HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS em patamares condizentes com a profissão, por ser medida de justiça.

Irresignado com a prestação jurisdicional entregue, o réu também interpôs o presente recurso de Apelação Cível argumentando que: (i) preliminarmente, tem-se que o julgamento antecipado do mérito encerra flagrante cerceamento de defesa, vez que a casa bancária requereu à instância a quo a produção de provas documentais, as quais estavam de posse da autora e/ou instituição responsável pelo recebimento dos valores sub judice; (ii) na mesma seara, sustenta que ocorreu a prescrição do direito da autora a pleitear a inexistência dos débitos e o direito à reparação pelo ato. É que, ao caso em análise, o prazo prescricional é de 3 (três) anos, à luz do art. 206, § 3.º, inc. IV e V, do CC, tendo como termo inicial a data da celebração do acordo, a saber 13-10-2015, sendo a presente demanda ajuizada em 12-2-2021, muito além do prazo estabelecido retro; (iii) no mérito, discorreu sobre (a) higidez da contratação, sendo a perícia judicial imprópria à hipótese, porquanto as assinaturas se assemelham; (b) em reforço, aduz que a prova pericial não pode - e não deve - subsistir como irrefutável e de único embasamento à cognição do magistrado, devendo atentar-se aos demais elementos trazidos; (c) em arremate, sustenta que não há se falar em fraude quanto à contratação, porquanto respeitou-se todos os requisitos de segurança e autenticidade; (d) atinente à repetição do indébito, aduz que por se tratar de contrato válido, não há se falar em devolução dos valores descontados junto à conta corrente da autora; (e) e, ao fim, discorreu sobre a necessidade de readequação dos honorários sucumbenciais.

Requereu a reforma do decisum objurgado para: (i) acolher as preliminares suscitadas ou (ii) se for o caso, julgar improcedentes os pedidos exordiais, com inversão da sucumbência e arbitramento de novos honorários advocatícios.

Contrarrazões nos eventos 102 pela autora e 105 pelo réu, com pedido de reconhecimento da coisa julgada parcial quanto à repetição do indébito, de forma dobrada.

Após, por sorteio, os autos vieram-me conclusos.

É, na essência, o relatório necessário. Passo a decidir.

VOTO

Ab initio, uma vez que a ação foi proposta já na vigência do Código de Processo Civil de 2015, desnecessárias digressões acerca da legislação processual aplicável.

Isto posto, satisfeitos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, os recursos merecem ser conhecidos.



A - Cerceamento de defesa

À minuta do reclamo, a casa bancária insurge-se contrária ao entendimento assentado à instância a quo no vértice do julgamento antecipado do mérito sem antes propiciar à parte produzir as provas que, em seu entender, são necessárias ao corrente deslinde do feito. É que, ao caso sob análise, a casa bancária requereu ao juízo a quo a expedição de ofício à instituição financeira responsável pela conta corrente onde foram depositados todos os valores sub judice, bem como a intimação da autora para apresentação do extrato bancário, a fim de confirmar a efetiva compensação do montante.

Acerca da temática em escopo, é cediço que o ordenamento confere ao julgador a qualidade de destinatário da prova, cumprindo ao magistrado o indeferimento das diligências desnecessárias à composição da controvérsia, em observância ao princípio do livre convencimento motivado, previsto no artigo 131, da codificação processual antecedente: "O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento" - cujo conteúdo corresponde, em parte, aos artigos 369, 370 e 371 do Código de Processo Civil de 2015.

Nesse diapasão, transcreve-se o magistério preciso de Daniel Amorim Assumpção Neves:

Atualmente o sistema de valoração adotado pelo sistema processual brasileiro é o da persuasão racional, também conhecido pelo princípio do livre convencimento motivado, no qual o juiz é livre para formar seu convencimento, dando às provas produzidas o peso que entender cabível em cada processo, não havendo uma hierarquia entre os meios de prova. Isso, claramente, não significa que o juiz possa decidir fora dos fatos alegados no processo, mas sim que dará aos fatos alegados a devida consideração diante das provas produzidas. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito de Processual Civil. 8ª Edição. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 667).

Como destinatário da prova e condutor da instrução processual, é facultado ao togado a quo determinar o julgamento antecipado do mérito, conquanto restem preenchidos os seguintes requisitos: (i) que a questão seja exclusivamente de direito ou, não o sendo, que dispense a produção de prova em audiência; (ii) ou ainda, na hipótese sujeição do réu aos efeitos da revelia (art. 355 do CPC).

Na dicção de Alexandre Freitas Câmara, Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o julgamento imediato do mérito tem assento "quando o juiz verificar que não há necessidade de produção de outras provas além daquelas já postas à disposição do processo", seja "porque a prova documental já produzida era suficiente, ou porque houve uma produção antecipada de provas, ou por qualquer outra razão capaz de tornar dispensável o desenvolvimento de qualquer atividade posterior de produção de prova" (CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 1ª Edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 212).

Por evidente, a ponderação acerca da desnecessidade de instrução para fins de julgamento antecipado pertence ao magistrado, cuja análise é eminentemente casuística, nos termos do que leciona Cassio Scarpinella Bueno:

Este equilíbrio entre desnecessidade de outras provas e realização do julgamento antecipado do mérito e necessidade de outras provas e sua vedação é uma constante a ser observada pelo magistrado em cada caso concreto. É na desnecessidade de uma fase instrutória, porque suficientes as provas já produzidas na fase postulatória, viabilizando que o processo ingresse, de imediato, na fase decisória que reside a razão de ser do instituto. (BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2016...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT