Acórdão Nº 5003446-96.2022.8.24.0005 do Primeira Câmara Criminal, 19-07-2022

Número do processo5003446-96.2022.8.24.0005
Data19 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5003446-96.2022.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: THAIS ANTUNES BOEIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público da comarca de BALNEÁRIO CAMBORIÚ ofereceu denúncia em face de Thaís Antunes Boeira Virtuoso, dando-a como incursa nas sanções do art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, em razão dos seguintes fatos:

No dia 25 de fevereiro de 2022, por volta das 21h20min, policiais militares receberam informações de populares que Thaís, conhecida como "Taisona", estaria comercializando drogas na sua residência, situada na rua Maria Mansoto, nº 52, bairro São Judas Tadeu, nesta cidade (fls. 02/04 - Evento 1). Assim, os agentes públicos deslocaram-se até o aludido endereço e, ao verificarem que a porta estava aberta, flagraram a denunciada fracionando crack. Realizada busca domiciliar, foram encontrados 53g (cinquenta e três gramas) de crack e 294g (duzentos e noventa e quatro gramas) de maconha, embalados e prontos para venda; R$ 65,00 (sessenta e cinco reais) em notas miúdas; e 2 (dois) celulares (fls. 13/15 - Evento 1). Ante o exposto, a denunciada foi presa em flagrante delito. Ressalta-se que, em sede policial, Thaís permaneceu em silêncio (Vídeo 4 - Evento 1). A denunciada agiu livre e conscientemente, guardando e preparando, para fins de comércio ilícito, droga, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. (evento 1/PG, em 3-3-2022).

Sentença: o juiz de direito Roque Cerutti julgou procedente a denúncia para condenar Thais Antunes Boeira Virtuoso pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto e ao pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, negando-lhe o direito de recorrer em liberdade, mas mantendo a prisão domiciliar anteriormente concedida (evento 81/PG em 31-3-2022).

Trânsito em julgado: foi certificado o trânsito em julgado da sentença para o Ministério Público (evento 112).

Recurso de apelação de Thais Antunes Boeira Virtuoso: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que:

a) a prova decorrente da apreensão do material entorpecente é nula, diante da ilegalidade ocasionada pela violação do domicílio, sem autorização do proprietário e ou por mandado judicial;

b) não há evidências de que a apelante tenha praticado o crime de tráfico de drogas;

c) as drogas apreendidas na residência da recorrente eram destinadas para o consumo próprio, de modo que a conduta deve ser desclassificada para o delito previsto no art. 28, caput, da Lei 11.343/2006;

d) a apelante preenche os requisitos para a concessão do tráfico privilegiado.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença para que, preliminarmente, reconher a nulidade das provas em decorrência de suposta invasão de domicílio. No mérito, para absolvê-la da conduta narrada na denúncia e subsidiariamente, pela desclassificar a conduta para o crime do art. 28, caput, da Lei 11.343/2006. Por fim, pugnou pela revogação da prisão preventiva (evento 9/SG, em 31-5-2022).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que:

a) a Constituição Federal autoriza o ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito, sendo este o caso dos autos. Ainda mais quando a situação flagrancial resultou configurada pelas circunstâncias do caso concreto e não pela convicção dos policiais;

b) a autoria da apelante é inconteste;

c) a quantidade de entorpecentes apreendido, somada às circunstâncias do caso, não são compatíveis com a posse para uso próprio, mas ao comércio espúrio;

d) não é possível a concessão do tráfico privilegiado, eis que resultou claro que a apelante se dedica ao comércio de drogas, não podendo, assim, ser considerada traficante de "primeira viagem";

e) quanto ao direito de recorrer em liberdade, agiu com acerto o Juiz sentenciante ao manter a prisão preventiva, eis que a apelante ficou presa durante todo o processo, e agora, mais ainda, se justifica sua segregação.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 12/SG, em 15-6-2022).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Protásio Campos Neto opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 15/SG, em 20-6-2022).

Este é o relatório que passo ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Revisor.

Documento eletrônico assinado por CARLOS ALBERTO CIVINSKI, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2353786v12 e do código CRC 5ecc3a26.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CARLOS ALBERTO CIVINSKIData e Hora: 20/7/2022, às 18:6:48





Apelação Criminal Nº 5003446-96.2022.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: THAIS ANTUNES BOEIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Da questão preliminar

A defesa requer o reconhecimento da ilicitude das provas obtidas a partir do ingresso dos policiais na residência da apelante, ao argumento de que a busca e apreensão ocorreu de forma ilegal, sem a prévia expedição de mandado judicial ou mesmo verificação de efetiva justa causa para a diligência.

Todavia, contrariamente ao que foi aduzido pela defesa, não há falar em ilegalidade da atuação policial, muito menos do ingresso na residência da apelante que culminou na apreensão das drogas encontradas em seu poder.

De plano, cumpre destacar que o delito de tráfico de drogas, nas modalidades "trazer consigo", "guardar" e "manter em depósito" constitui crime permanente, cuja consumação prolonga-se no tempo.

Consequentemente, nos termos do art. 303 do Código de Processo Penal, observa-se que "nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência".

Portanto, o agente estará em situação de flagrante delito, hipótese autorizadora da entrada em domicílio alheio, ainda que desprovido de comando judicial ou da anuência do proprietário, por exceção constitucionalmente prevista (artigo 5º, inciso XI, da CF).

A propósito, é entendimento do Superior Tribunal de Justiça que "o crime de tráfico ilícito de entorpecentes é de natureza permanente, ficando o agente em estado de flagrância enquanto não cessada a permanência, o que autoriza a entrada dos policiais militares no imóvel, que se deu após informações anônimas de que o denunciado guardava/tinha em depósito, para posterior comercialização, substâncias entorpecentes em sua residência" (HC 338.978, de Minas Gerais, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 17/11/2015).

Em recente decisão, a Corte Cidadã, ao analisar caso semelhante, entendeu ser legítimo o ingresso forçado dos policiais na residência, nos casos em que há fundadas razões do cometimento de crime, como se infere no julgado abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ALEGADA NULIDADE POR INVASÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO DOS POLICIAIS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.1. Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito.2. Na hipótese, as instâncias ordinárias, de forma fundamentada, afastaram a alegada nulidade por violação de domicílio, diante das fundadas razões para os policiais ingressarem na residência do corréu, o qual foi monitorado e abordado por policiais, enquanto dirigia seu veículo, momento em que foi encontrado, em seu poder, uma pequena porção de maconha (30g) e dinheiro em espécie (R$ 1.709, 00), enquanto na sua residência, logo após, foi encontrado dentro de uma mala, aproximadamente 6kg de maconha separados em vários tabletes, uma balança de precisão, mais a quantia de R$ 2.287,00.3. Agravo regimental improvido.(AgRg no HC n. 738.904/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/5/2022, DJe de 30/5/2022.)

A este respeito do tema, cita-se precedente do Supremo Tribunal Federal:

A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados. (RE 817338 RG, Relator Min. Dias Toffoli, j. em 27/08/2015) (grifou-se).

Cita-se, ainda, relevante precedente da lavra do ministro Rogério Schietti Cruz que traduz as limitações legais impostas ao procedimento conduzido pela força policial:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. RECURSO PROVIDO.

1. O art. 5º, XI, da Constituição consagrou o direito fundamental à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

2. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o...

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