Acórdão Nº 5003468-41.2021.8.24.0054 do Quinta Câmara de Direito Público, 17-08-2021
Número do processo | 5003468-41.2021.8.24.0054 |
Data | 17 Agosto 2021 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Quinta Câmara de Direito Público |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 5003468-41.2021.8.24.0054/SC
RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
APELANTE: POSTO CENTRO LTDA (IMPETRANTE) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO) INTERESSADO: GERENTE DA 4ª GERÊNCIA REGIONAL DA FAZENDA ESTADUAL - ESTADO DE SANTA CATARINA - RIO DO SUL (IMPETRADO)
RELATÓRIO
Posto Centro Ltda. apela de sentença havida na Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio do Sul, pela qual se denegou a segurança em writ impetrado em relação a ato do Gerente Regional da 4ª Gerência Regional da Fazenda Estadual (Rio do Sul/SC).
Quer, em síntese, a reforma da sentença para que seja aplicada a alíquota de 17% de ICMS nas suas operações com energia elétrica. Defende a inconstitucionalidade do art. 19, inc. II, 'a', da Lei Estadual 10.297/1996, pois a majoração da alíquota do ICMS sobre a energia elétrica viola os arts. 150, inc. II e 155, § 2º, inc. III, da Constituição Federal.
Sustenta que o legislador estadual não observou "o princípio da seletividade em razão da essencialidade do bem" e agiu de forma "desproporcional e irrazóavel submetendo a tributação da energia elétrica a percentuais superiores ou iguais à de mercadorias como cosméticos, armas, bebidas alcoólicas e até mesmo o fumo".
Menciona, ainda, julgado do STF (AgRgRE 634.457) e mais especificamente o RE 714.139 (Tema 745) de repercussão geral.
Nas contrarrazões, defendeu-se o acerto da sentença.
A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.
VOTO
1. Ressalvo que, apesar da admissão, pelo STF, de repercussão geral sobre o "alcance do art. 155, § 2º, III, da Constituição Federal, que prevê a aplicação do princípios da seletividades ao ICMS" (Tema 745), não houve nenhuma ordem de suspensão dos feitos relacionados à matéria que vincule as instâncias inferiores, pelo que a ação pode prosseguir, nesta instância, quanto ao tema.
2. Há norma estadual que estabelece determinada alíquota (25%) a título de ICMS sobre operações com energia elétrica e prestações de serviços de comunicações. O postulante, porém, na linha do disposto no art. 155, § 2º, inc. III, da Constituição Federal, defende que, sendo seletivo o tributo, não pode ser exigida alíquota para produto essencial de forma idêntica (ou mais gravosa) àqueles considerados supérfluos. Dito de outro modo, seria o caso de ser cobrada pelo percentual de 17, não nos atuais 25%.
Tenho, porém, independentemente de maiores debates quanto ao conteúdo da norma controvertida, que deva preponderar a segurança jurídica. Isso porque, inexistindo hierarquia entre os princípios constitucionais relacionados à questão (seletividade, isonomia e legalidade, dentre outros correlatos), tenho por prevalecente o último, com base em critério de ponderação.
É que além de existir Lei em vigor que expressamente fixa tais patamares - e o princípio da legalidade tem força ainda mais eloquente em seara tributária -, de constitucionalidade presumida, pode-se paralelamente compreender que o escalonamento previsto atende a capacidade contributiva (e identicamente a isonomia), preservando-se, outrossim, o interesse público quanto a eventuais contingências relacionadas à escassez do produto, com o desestímulo ao consumo abusivo e ao desperdício.
Não se pode, aliás, descartar certa margem de extrafiscalidade da exação, tal como ponderou o Juiz Marco Aurélio Ghisi Machado em outro feito que também fui relator (autos 0300901-16.2019.8.24.0023):
No tocante ao ICMS, contudo, a própria Constituição Federal é clara ao estabelecer a facultatividade da adoção da referida técnica, dispondo que o imposto "poderá" ser seletivo.
E mesmo que assim não fosse, haveria ainda que se considerar que a imposição de uma maior ou menor alíquota tributária a um determinado fato imponível, não se restringiria, necessariamente, à adoção dessa técnica.
Isso porque, cada vez mais, a tributação se afasta da sua ordinária finalidade arrecadatória, voltando-se à consecução de desígnios outros, atinentes à ordenação da economia e das relações sociais, em verdadeira função extrafiscal.
Nos dizeres de Geraldo Ataliba, "consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados" (ATALIBA, Geraldo. IPTU - Progressividade. Revista de Direito Público (RDP) 93/233).
Assim é que, mesmo com relação a serviços potencialmente reputados 'essenciais' à sociedade, como seria o caso da energia elétrica, e até mesmo das comunicações, será possível a imputação de alíquotas tributárias mais gravosas, como forma de regulação das relações sociais no tocante a esses serviços.
(...)
Em suma, portanto, não há óbice à eventual mitigação da seletividade, ou mesmo da capacidade contributiva, pela extrafiscalidade.
Valendo-se da discricionariedade que lhe é atribuída pelo constituinte, em verdadeiro juízo de conveniência e...
RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
APELANTE: POSTO CENTRO LTDA (IMPETRANTE) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO) INTERESSADO: GERENTE DA 4ª GERÊNCIA REGIONAL DA FAZENDA ESTADUAL - ESTADO DE SANTA CATARINA - RIO DO SUL (IMPETRADO)
RELATÓRIO
Posto Centro Ltda. apela de sentença havida na Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio do Sul, pela qual se denegou a segurança em writ impetrado em relação a ato do Gerente Regional da 4ª Gerência Regional da Fazenda Estadual (Rio do Sul/SC).
Quer, em síntese, a reforma da sentença para que seja aplicada a alíquota de 17% de ICMS nas suas operações com energia elétrica. Defende a inconstitucionalidade do art. 19, inc. II, 'a', da Lei Estadual 10.297/1996, pois a majoração da alíquota do ICMS sobre a energia elétrica viola os arts. 150, inc. II e 155, § 2º, inc. III, da Constituição Federal.
Sustenta que o legislador estadual não observou "o princípio da seletividade em razão da essencialidade do bem" e agiu de forma "desproporcional e irrazóavel submetendo a tributação da energia elétrica a percentuais superiores ou iguais à de mercadorias como cosméticos, armas, bebidas alcoólicas e até mesmo o fumo".
Menciona, ainda, julgado do STF (AgRgRE 634.457) e mais especificamente o RE 714.139 (Tema 745) de repercussão geral.
Nas contrarrazões, defendeu-se o acerto da sentença.
A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.
VOTO
1. Ressalvo que, apesar da admissão, pelo STF, de repercussão geral sobre o "alcance do art. 155, § 2º, III, da Constituição Federal, que prevê a aplicação do princípios da seletividades ao ICMS" (Tema 745), não houve nenhuma ordem de suspensão dos feitos relacionados à matéria que vincule as instâncias inferiores, pelo que a ação pode prosseguir, nesta instância, quanto ao tema.
2. Há norma estadual que estabelece determinada alíquota (25%) a título de ICMS sobre operações com energia elétrica e prestações de serviços de comunicações. O postulante, porém, na linha do disposto no art. 155, § 2º, inc. III, da Constituição Federal, defende que, sendo seletivo o tributo, não pode ser exigida alíquota para produto essencial de forma idêntica (ou mais gravosa) àqueles considerados supérfluos. Dito de outro modo, seria o caso de ser cobrada pelo percentual de 17, não nos atuais 25%.
Tenho, porém, independentemente de maiores debates quanto ao conteúdo da norma controvertida, que deva preponderar a segurança jurídica. Isso porque, inexistindo hierarquia entre os princípios constitucionais relacionados à questão (seletividade, isonomia e legalidade, dentre outros correlatos), tenho por prevalecente o último, com base em critério de ponderação.
É que além de existir Lei em vigor que expressamente fixa tais patamares - e o princípio da legalidade tem força ainda mais eloquente em seara tributária -, de constitucionalidade presumida, pode-se paralelamente compreender que o escalonamento previsto atende a capacidade contributiva (e identicamente a isonomia), preservando-se, outrossim, o interesse público quanto a eventuais contingências relacionadas à escassez do produto, com o desestímulo ao consumo abusivo e ao desperdício.
Não se pode, aliás, descartar certa margem de extrafiscalidade da exação, tal como ponderou o Juiz Marco Aurélio Ghisi Machado em outro feito que também fui relator (autos 0300901-16.2019.8.24.0023):
No tocante ao ICMS, contudo, a própria Constituição Federal é clara ao estabelecer a facultatividade da adoção da referida técnica, dispondo que o imposto "poderá" ser seletivo.
E mesmo que assim não fosse, haveria ainda que se considerar que a imposição de uma maior ou menor alíquota tributária a um determinado fato imponível, não se restringiria, necessariamente, à adoção dessa técnica.
Isso porque, cada vez mais, a tributação se afasta da sua ordinária finalidade arrecadatória, voltando-se à consecução de desígnios outros, atinentes à ordenação da economia e das relações sociais, em verdadeira função extrafiscal.
Nos dizeres de Geraldo Ataliba, "consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados" (ATALIBA, Geraldo. IPTU - Progressividade. Revista de Direito Público (RDP) 93/233).
Assim é que, mesmo com relação a serviços potencialmente reputados 'essenciais' à sociedade, como seria o caso da energia elétrica, e até mesmo das comunicações, será possível a imputação de alíquotas tributárias mais gravosas, como forma de regulação das relações sociais no tocante a esses serviços.
(...)
Em suma, portanto, não há óbice à eventual mitigação da seletividade, ou mesmo da capacidade contributiva, pela extrafiscalidade.
Valendo-se da discricionariedade que lhe é atribuída pelo constituinte, em verdadeiro juízo de conveniência e...
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