Acórdão Nº 5003544-76.2022.8.24.0039 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 25-05-2023

Número do processo5003544-76.2022.8.24.0039
Data25 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5003544-76.2022.8.24.0039/SC



RELATOR: Desembargador ROCHA CARDOSO


APELANTE: ELIZABETE DAS GRACAS RIBEIRO (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)


RELATÓRIO


Tratam os autos de recurso de apelação interposto em face de sentença que julgou improcedentes os pedidos exordiais.
Em atenção aos princípios da celeridade e economia processuais, adota-se o relatório da sentença, transcrito na íntegra, por refletir com fidelidade o trâmite processual na origem:
Cuida-se de ação ordinária cumulada com pedido de danos morais ajuizada por ELIZABETE DAS GRACAS RIBEIRO em face BANCO BMG, partes devidamente qualificadas nos autos.
Aduz a autora que recebe benefício e que foi surpreendida com desconto referente a reserva de margem para cartão de crédito no seu benefício, que não contratou. Busca a tutela jurisdicional para ver declarara a inexistência da contratação, obrigar o réu a restituir os valores descontados e ser indenizado pelos danos morais advindos da conduta ilícita do banco. Requereu em tutela de urgência a suspensão imediata dos descontos. Com a inicial vieram documentos.
O réu foi citado, apresentou contestação com documentos (Evento 11, CONT1) e alegou as prejudiciais de mérito da prescrição e da decadência. No mérito, aduz que houve a contratação pela autora, a qual estava ciente da modalidade pactuada (cartão de crédito) e das das cláusulas, de modo que não estão presentes os requisitos ensejadores da responsabilidade civil. Pugnou pela improcedência dos pedidos e a condenação da autora por litigância de má-fé.
Intimada, a autora apresentou réplica (Evento 17, RÉPLICA1), alegando a falsidade das assinaturas.
Realizada perícia grafotécnica, o laudo foi juntado no Evento 48, LAUDO2. Intimadas, as partes apresentaram manifestação.
Novas manifestações.
É o relatório.
O dispositivo da decisão restou assim redigido:
Desse modo, a conduta da autora não enseja, por si só, a sua condenação às penas de litigância de má-fé. Rejeito.
Isto posto, julgo improcedentes os pedidos deduzidos na inicial e declaro a resolução do mérito da causa ex vi do art. 487, inc. I, do CPC/2015.

Irresignada, a parte autora interpôs recurso (evento 66, APELAÇÃO1) sustentando, em apertada síntese, a inexistência de relação jurídica entre as partes em ao contrato. Pleiteou a condenação das partes ao pagamento de indenização e a repetição do indébito em dobro.
As contrarrazões ao apelo foram oferecidas no evento 71, CONTRAZAP1.
Vieram conclusos.
Este é o relatório

VOTO


Preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, o presente recurso deve ser conhecido.
(I)RREGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO - NÃO UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO
Colhe-se dos autos que a parte autora sustenta que assinou contrato de RMC acreditando ter contratado simples empréstimo consignado com pagamento através de desconto em seu benefício previdenciário. A instituição financeira, por outro lado, aponta ter sido regular e livre de qualquer vício de consentimento a contratação de cartão de crédito RMC, além da inexistência de dano moral indenizável.
Destaco que a modalidade de contratação em discussão encontra respaldo nas normas legais, notadamente no art. 6º da Lei n. 10.820/2003:
Art. 6° Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.
[...]
§ 5° Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:
I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
A Resolução nº 1.305/2009, do Conselho Nacional de Previdência Social, inclusive, recomenda ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável - RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito:
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009,
Resolveu:
Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável - RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito.
Art. 2º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
O ponto nodal da controvérsia "cinge-se à falta de informação da operação bancária ao adquirente do crédito: se este detinha, ou não, conhecimento acerca da modalidade contratada e de suas consequências contratuais" (TJSC, Apelação Cível, 0308281-70.2017.8.24.0020, rel. Des. MONTEIRO ROCHA, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 21/02/2019).
A casa bancária defende a tese de que a parte autora detinha conhecimento da modalidade de serviço contratada. No entanto, as faturas acostadas ao feito demonstram que o cartão de crédito cedido jamais foi utilizado na sua função precípua, qual seja, aquisição de produtos e serviços de consumo, visto que os únicos lançamentos deduzidos se referem aos encargos de financiamento de crédito (evento 11, ANEXO7). Nesse sentido, com base no posicionamento desta Colenda Câmara, a intenção da consumidora era a de contratar um empréstimo consignado, e não o serviço de cartão de crédito com RMC.
É válido observar que o valor descontado do benefício previdenciário se reserva ao pagamento mínimo indicado nas faturas mensais do cartão, resultando, assim, na contratação de crédito rotativo quanto ao saldo remanescente, situação que gera uma dívida infindável, tendo em vista o adimplemento apenas do valor mínimo da fatura, em clara ofensa à boa-fé contratual.
Nesse seguimento, "[...] em que pese o banco tenha apresentado o contrato firmado entre as partes, bem como haja cláusula expressa autorizando a reserva de margem consignável, tal fato, por si só, não confere legitimidade à avença, tampouco permite inferir-se extreme de dúvidas que, efetivamente, a parte autora possuía conhecimento sobre as características da avença celebrada. Além disso, o valor descontado do benefício previdenciário, através do "empréstimo RMC", reserva-se ao pagamento mínimo indicado nas faturas mensais do cartão, resultando, assim, na contratação de crédito rotativo quanto ao saldo remanescente, com incidência de juros altíssimos, típicos de contratos de cartões de crédito." (TJSC, Apelação n. 5000273-10.2020.8.24.0175, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 08-12-2022).
Não seria demais lembrar que a parte consumidora é presumidamente vulnerável nos termos do art. 4º, I, do CDC, razão pela qual deve ser informada de maneira clara acerca de todas as particularidades que permeiam o negócio jurídico celebrado, ante o conhecimento técnico díspar em relação à instituição financeira.
Por oportuno, dispõe o Código de Defesa do Consumidor:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
[...];
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...];
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Frise-se que o reconhecimento da abusividade contratual não importa na remissão da dívida, eis que a consumidora dispôs da quantia recebida, sendo devida, portanto, a contraprestação.
CONVERSÃO DO RMC EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO
Em situações desse jaez, a Câmara tem determinado a conversão da modalidade contratual para empréstimo consignado, tendo por base os encargos definidos pelo Banco Central à época da contratação, com a devida compensação, na forma simples, e não em dobro, dos valores já descontados a título de RMC: Apelação Cível n. 0300580-65.2019.8.24.0092, rel. Des. Soraya Nunes Lins, j. 30-01-2020; Apelação Cível n. 0306852-74.2018.8.24.0039, rel. Des. Jânio Machado, j....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT