Acórdão Nº 5003557-60.2019.8.24.0175 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 31-05-2022

Número do processo5003557-60.2019.8.24.0175
Data31 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003557-60.2019.8.24.0175/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: NADIR TOMAZIA FRANCISCO (AUTOR) ADVOGADO: GUSTAVO PALMA SILVA (OAB SC019770) APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Nadir Tomazia Francisco ajuizou "ação declaratória de nulidade de contrato c/c indenização por danos materiais e morais e antecipação de tutela de urgência" em desfavor de Banco Cetelem S/A, ao argumento de que está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contratação de cartão de crédito que aduz ter sido realizada mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, a demandante requereu o acolhimento dos argumentos declinados na exordial e, consequentemente, o provimento integral de seus pleitos.

O Togado singular concedeu o beneplácito da justiça gratuita à parte autora e indeferiu o pedido antecipatório (evento 3).

Contestação da casa bancária (evento 11).

Réplica (evento 16).

Ato contínuo, sobreveio sentença da qual se extrai a seguinte parte dispositiva (evento 23):

JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por NADIR TOMAZIA FRANCISCO em desfavor de BANCO CETELEM S.A., para, acolhendo o pedido subsidiário e com amparo no artigo 6º, incisos III e V do Código de Defesa do Consumidor, determinar que a instituição financeira requerida proceda, no prazo de 30 (trinta) dias, a readequação dos termos do contrato de "Cartão de Crédito Consignado" conforme parâmetros acima elencados.

Ainda, JULGO EXTINTO o processo com resolução de mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.

Frente a sucumbência recíproca, CONDENO as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), a serem partilhados no percentual de 50% (cinquenta por cento) para cada uma, à luz do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil - sobretudo por se tratar de demanda de pouca complexidade, com reduzido número atos processuais e sem instrução do processo -, corrigidos monetariamente a partir da publicação desta sentença e acrescidos de juros de mora após o trânsito em julgado.

Por ser beneficiária da gratuidade da justiça (evento 3), fica suspensa exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação à parte requerente.

Irresignada com o decisum de primeiro grau, a parte autora apresentou recurso de apelação (evento 28) pela reforma da sentença vergastada para: a) reconhecer a nulidade do contrato de empréstimo consignado por meio de cartão de crédito e, por consectário, dos descontos realizados em seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável (RMC); b) deferir a condenação da casa bancária por dano moral.

Contrarrazões (evento 36).

Por conseguinte, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

É o relato do necessário.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que, no âmbito da presente ação declaratória c/c pleitos condenatórios, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário.

Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Proposta de Adesão - Cartão de Crédito Consignado" (evento 11 - contrato 3).

Entretanto, apesar de o referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da requerente, ora apelante, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção da demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo consignado, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Oportunamente, cumpre destacar que os próprios extratos bancários juntados pela casa bancárias no evento 11 - Fatura 5, demonstram que não houve a utilização do cartão de crédito pela parte demandante para compras ou serviços.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço do recorrido, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da autora era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC).

A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que o requerente iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese a requerente ter lançado sua assinatura nos documentos, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade deste (apelado), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida, ora insurgente, não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Diante destas constatações, tem-se que a conduta perpetrada pela casa bancária apelada afetou a boa-fé objetiva, razão pela qual fica evidente a nulidade da avença firmada entre as partes.

A respeito da quaestio, tem-se o seguinte julgado deste Areópago:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. BANCO RÉU QUE, VIOLANDO O DIREITO DE INFORMAÇÃO, INTERFERIU DIRETAMENTE NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA CONSUMIDORA, ENSEJANDO NA ACEITAÇÃO DE CONTRATO INEVITAVELMENTE MAIS ONEROSO DENTRE OS DISPONÍVEIS. CONTRATO NULO. DANO MORAL EVIDENTE. ATENTADO CONTRA VERBA DE SUBSISTÊNCIA. JUROS DE MORA DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA...

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