Acórdão Nº 5003568-72.2019.8.24.0019 do Quinta Câmara Criminal, 22-10-2020

Número do processo5003568-72.2019.8.24.0019
Data22 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 5003568-72.2019.8.24.0019/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: ARTUR SAMUEL GOELZER ESCHER (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


O representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da Vara Criminal da comarca de Concórdia ofereceu denúncia em face de Artur Samoel Goelzer Escher, dando-o como incurso nas sanções dos arts. 151, § 1º, II, 180, caput, e 311, caput, todos do Código Penal, art. 33, caput, combinado com art. 40, V, ambos da Lei 11.343/2006, e art. 2º, caput, e §§ 2º, 3º e 4º, I e V, da Lei 12.850/2013, pela prática dos fatos delituosos assim narrados:
1° fato - receptação Em circunstâncias de tempo e local a serem precisadas durante a instrução processual, porém entre os meses de setembro e novembro de 2019. o denunciado Artur Samoel Goelzer Escher recebeu e transportou, em proveito próprio, o veículo VWVOYAGE, com placa original AWV-9281, de propriedade de Adriani Rocha, que havia sido objeto de furto/roubo no Estado do Paraná, tendo prévio conhecimento da origem ilícita do bem.2° fato - adulteração de sinal identificador de veiculo automotor Em data posterior, a ser melhor esclarecida na instrução processual, o denunciado Artur Samoel Goelzer Escher adulterou sinais identificadores do veículo automotor receptado, na medida que rompeu o lacre do emplacamento do referido carro, substituindo as placas originais (AVVV-9281) por aquelas de sequência alfanumérica AYE-2350.3° fato - tráfico de drogas Na data de 10 de novembro de 2019, por volta das 10 horas e 30 minutos, na rodovia BR-282, perto da ponte do Rio Irani, interior do Município de lrani/SC, nesta Comarca, o denunciado Artur Samoel Goelzer Escher trouxe consigo e transportou aproximadamente 32 quilos da droga conhecida por maconha, o que estava dividido em 34 tabletes, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. A droga foi apreendida em poder do denunciado no interior do veículo por ele conduzido, na ocasião em que a transportava, tendo como origem o Município de Foz do Iguaçu/PR.Na mesma ocasião ainda foi apreendido o aparelho de telefone celular marca Samsung, modelo J1, número de série RQ1H903DYRW, IMEI 357098077948019 e R$ 95,00 em espécie.As circunstâncias em que a ação se desenvolveu e a quantidade de droga apreendida evidenciam que, uma vez chegando ao seu destino, a droga transportada seria entregue a outros traficantes que, por sua vez, comercializariam tais substâncias, de forma a se reconhecer que sua destinação era o comércio espúrio.A substância entorpecente transportada pelo denunciado está prevista como causadora de dependência física ou psíquica pela Portaria SVS/MS n. 344/98.4º fato - violação de comunicação radioelétricaNas mesmas condições de tempo e local, o denunciado Artur Samoel Goelzer Escher violou comunicação radioelétrica, uma vez que se valendo de um rádio de comunicação tipo PX, marca Yaesu, modelo FTM 3100, utilizou indevida e abusivamente as informações da frequência usada exclusivamente pelas forças policiais, com o fim de assegurar a impunidade pelos crimes de receptação, adulteração de sinal identificador de veículo automotor e tráfico de drogas que estava praticando.5º fato - organização criminosaPelo menos desde outubro de 2019 o denunciado Artur Samoel Goelzer Escher integra pessoalmente, de modo estável e permanente, a organização criminosa Primeiro Comando da Capital, conhecida popularmente como "PCC", com o fim específico de praticar crimes, notadamente no núcleo estabelecido na denominada "Região 45", que abrange os integrantes de uma área que contém cerca de 41 cidades do Estado do Paraná, entre as quais se destaca Cafelândia, Cascavel, Foz do Iguaçu, Matelândia, Medianeira, Santa Helena e Toledo.Motivados pelo desejo de vingar os detentos mortos na Casa de Detenção de São Paulo durante uma rebelião ocorrida em outubro de 1992, internos de outros estabelecimentos prisionais, e para "combater a opressão" que alegavam haver no sistema prisional paulista, criaram a organização criminosa em agosto de 1993.A facção comanda rebeliões, atentados, roubos, sequestros, homicídios e explora o narcotráfico, o que enseja ainda a prática de lavagem de dinheiro.Para tanto, criou-se uma estrutura organizada, com estabelecimento de cargos e escalonamento de autoridade e poder.Nas regras contidas em seu estatuto estão previstos direitos e deveres de seus integrantes, normas de conduta, condições de ingresso e consequências pelo desrespeito dos ditames impostos.Visando o fortalecimento e estruturação da facção, cada membro deve fazer uma contribuição mensal - dízimo -, cujo valor é utilizado para aquisição de drogas, armas, financiamento de atividades ilícitas, pagamento de honorários advocatícios, transportes de pessoas que agem no interesse da facção e em visitas a membros reclusos, etc.A facção aos poucos se fortaleceu e, em maio de 2006, após o governo do Estado de São Paulo anunciar a transgerência de líderes e integrantes, comandou uma série de rebeliões em presídios e ataques a ônibus, caminhões, quartéis, delegacias, bases policiais em diversos Estados, o que impulsionou a expansão nacional, consolidando-se nos últimos anos como a principal organização criminosa em atividade no país e assumindo contornos transnacionais com a ampliação de suas atividades para outros países.Atualmente, estima-se que o PCC tenha cerca de 30 mil integrantes, domina o tráfico e o sistema prisional de cerca de 8 estados e monopoliza tais áreas em São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul (região de fronteira cujo controle facilita o ingresso e deslocamento de maconha do Paraguai e cocaína da Bolívia) e disputa o controle de pelo menos outros 13, incluindo Santa Catarina, onde já se constata há pelo menos 3 anos a existência de homicídios decorrentes da rivalidade e disputa existente entre o PCC e o PGC (Primeiro Grupo Catarinense), que é a principal organização deste Estado.Assim, é certo que o Primeiro Comando da Capital é constituído pela associação de mais de quatro pessoas, com estrutura ordenada e divisão de tarefas, com o objetivo de obter vantagem pecuniária em prol de seus integrantes e do fortalecimento da própria facção com a prática de delitos de tráfico de drogas, furto, roubo, e até mesmo homicídio, cujas penas máximas são superiores a quatro anos.O grupo possui estrutura hierárquica definida, com previsão de níveis e "cargos" com atribuição específica, tais como o Comando, Conselho, Sintonia Final, Sintonia, Disciplina, entre outros com poder decisório, o que demonstra o rigor da organização com suas atividades e a obediência de seus integrantes ao estatuto.É de se registrar, por fim, que é inclusive de conhecimento público que a atuação dos integrantes de tal facção se dá com emprego de armas de fogo, bem como com o aliciamento de crianças e adolescentes, os quais contribuem para a concretização dos atos ilícitos.Sob tais preceitos, o denunciado Artur Samoel Goelzer Escher, voluntária e conscientemente, aderiu aos objetivos do Primeiro Comando da Capital, pois conhecia previamente seus objetivos, a estrutura organizada e a forma de atuação, passando a participar da organização não só como mero integrante, mas também como "Sintonia" da "Região 45", evidenciando que exerce função considerada de comando.Assim é que, embora não haja, por óbvio, documentação demonstrando o momento de ingresso formal do denunciado na facção, que é chamado de batismo pelos faccionados, é assente sua participação não só nas empreitadas delitivas como as descritas nos itens anteriores, especialmente o tráfico de drogas (inclusive interestadual), mas também naquelas internas da organização, o que evidencia que Artur Samoel Goelzer Escher contribui significavamente com os objetivos do PCC (sic, fls. 1-6 do evento 1.1).
Encerrada a instrução, o Magistrado a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial acusatória para condená-lo às penas de treze anos e dez meses de reclusão e um ano e cinco meses de detenção, a serem resgatadas em regime inicialmente fechado e semiaberto, respectivamente, e pagamento de setecentos e dezoito dias-multa, individualmente arbitrados à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao preceito dos arts. 151, § 1º, II, e 180, caput, ambos do Código Penal, art. 33, caput, da Lei 11.343/2006 e art. 2º, caput, e §§ 2º, 3º e 4º, I e V, da Lei 12.850/2013, na forma do art. 69, caput, do Estatuto Repressivo, absolvendo-o da imputação remanescente com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
Inconformadas, interpuseram as partes recursos de apelação.
Em suas razões, o Promotor de Justiça oficiante objetiva a adequação da dosimetria das penas, afastando-se o reconhecimento da circunstância atenuante da confissão espontânea no que tange aos crimes de organização criminosa e violação de comunicação radioelétrica e procedendo-se ao aumento da reprimenda referente ao tráfico ilícito de substâncias entorpecentes em decorrência da majorante descrita no art. 40, V, da Lei de Drogas. Demais disso, postula que a agravante prevista no art. 2º, § 3º, da Lei 12.850/2013 seja aplicada na segunda etapa do cômputo relacionado ao delito por primeiro mencionado e não na derradeira, uma vez que não se trata de causa de especial aumento de pena.
O réu, por sua vez, almeja a absolvição em relação aos ilícitos de violação de comunicação radioelétrica e organização criminosa, ao argumento de que inexistem nos autos substratos de convicção suficientes para embasar o decreto condenatório. Além disso, requer a supressão da majorante descrita no art. 40, VI, da Lei de Drogas em relação ao último ilícito.
As contrarrazões foram apresentadas nos eventos 127.1 e 130.1.
A...

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