Acórdão Nº 5003650-61.2020.8.24.0054 do Sexta Câmara de Direito Civil, 28-06-2022

Número do processo5003650-61.2020.8.24.0054
Data28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003650-61.2020.8.24.0054/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOL

APELANTE: HENRIQUE FIDES SCHULZE (AUTOR) ADVOGADO: CALUTO JUAREZ ZANDONAI (OAB SC016907) APELADO: CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Em atenção aos princípios da celeridade e economia processuais, adota-se o relatório da sentença, transcrito na íntegra, por refletir com fidelidade o trâmite processual na origem:

A parte autora demandou a Celesc Distribuição S/A sustentando ser produtora de fumo e que, nos períodos indicados na inicial, teria havido interrupção do serviço de fornecimento de energia elétrica, cujo resultado foi a perda/redução da qualidade do produto armazenado na estufa. Imputou responsabilidade objetiva à ré, uma vez que teria apresentado falha na prestação do serviço e finalizou requerendo sua condenação ao pagamento de indenização por danos materiais.

Citada, a ré apresentou contestação refutando as alegações articuladas na petição inicial; defendeu a ocorrência de caso fortuito e força maior, bem como a veracidade das informações contidas nos documentos por ela expedidos; asseverou ser dever do consumidor mitigar os riscos do prejuízo e impugnou o pedido de indenização por ausência de prova.

Houve réplica.

Na sequência deferiu-se a realização de diligências sobre as quais as partes apresentaram manifestação.

A sentença (ev38, origem), julgou a demanda nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, extinguindo o processo na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Arca a parte autora com as custas e despesas processuais. Arbitro em favor da ré honorários advocatícios de 15% sobre o valor da causa, observados os critérios do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Ressalvo que a exigibilidade dos encargos de sucumbência fica suspensa em relação à parte autora, porquanto beneficiária da gratuidade.

Irresignada, a parte autora apelou (ev44, origem). Em suas razões, sustentou que: a) vigente a responsabilidade objetiva, basta à parte recorrente a comprovação do nexo causal e do dano; b) a casuístisca é submetida também às regras do CDC, inclusive a inversão do ônus da prova; c) ficou demonstrada a perda de parte da safra de fumo, em virtude das interrupções do serviço de energia elétrica; d) não se pode imputar a responsabilidade pelos prejuízos ao fumicultor, por não ter adquirido um equipamento alternativo de gerador de energia; e) destoa da realidade fática a afirmação de que os prejuízos na qualidade do tabaco somente ocorrem quando há interrupção no fornecimento de energia por mais de 24 horas; f) incumbe a demandada a regularidade da prestação dos serviços; g) não há que se falar em caso fortuito ou força maior; h) a concessionária requerida não apresentou contraprova apta a desconstituir o laudo pericial acostado ao feito.

Concluiu postulando a reforma da decisão objurgada, a fim de "condenar a apelada ao pagamento de R$ 28.205,04 (...), a título de reparação de danos causados (...), bem como, a quantia de R$ 900,00 (...) referente ao gasto que o apelante teve para a confecção do laudo pericial" (ev44 - fl. 17, origem), acrescidos dos devidos consectários legais. Além disso, pleiteou o ressarcimento do prejuízo advindo com o conserto de gerador de energia, no valor de R$ 530,00, devidamente corrigido. Ainda, requereu a inversão dos ônus sucumbenciais.

A parte apelada apresentou contrarrazões (ev51, origem).

Vieram os autos conclusos.

VOTO

1. O conhecimento de um recurso demanda a conjugação dos diversos requisitos de admissibilidade (intrínsecos: cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer; e extrínsecos: regularidade formal, tempestividade) previstos na lei, de forma implícita ou explícita.

Nessa seara, é necessário que sejam respeitados os limites de cognição do recurso, decorrentes da amplitude de sua devolutividade. A respeito, os artigos 515 a 517 do CPC/73 assim dispunham:

Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§ 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

§ 4º Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação.

Art. 516. Ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas.

Art. 517. As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.

Sobre o tema, a lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, já à luz do CPC atual, embora aplicável, em larga abrangência, também à codificação antiga:

1. Efeito devolutivo. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria efetivamente impugnada pela parte (tantum devolutum quantum appellatum - art. 1.013, caput, CPC). Ao que é devolvido ao conhecimento do tribunal pelo efeito devolutivo há proibição de reformatio in pejus. A apelação tem por objeto aquilo que foi decidido pela sentença. O recurso pode atacá-la no todo ou em parte (art. 1.002, CPC). Não se admite, no juízo de apelação, a invocação de causa de pedir estranha ao processo - não decidida, portanto, pela sentença. Há proibição de inovação no juízo de apelo, ressalvo o disposto no art. 1.014, CPC. A apelação devolve ao conhecimento do tribunal aquilo que foi decidido pela sentença, sendo-lhe vedado, em regra, conhecer de matéria diversa da decidida em primeiro grau de jurisdição - seja na sentença, seja nas decisões interlocutórias não passíveis de recurso imediato. É possível ao tribunal conhecer de matéria diversa da decidida pela sentença nos casos dos arts. 1.009, §§ 1º e 2º, e 1.013, §§ 3º e 4º, CPC, que amplia em extensão a cognição do órgão recursal (in: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1071-1072).

Nesse ponto, indispensável relembrar que os limites da lide, tanto subjetiva, quanto objetivamente, são estabelecidos pelas peças postulatórias das partes. Apresentadas, a inicial e a contestação delineiam as questões a serem tratadas no curso do processo, estabilizando-se a demanda e tornando exceção a possibilidade de alteração do pedido ou da causa de pedir, o que somente passa a ser possível, ao autor, com o consentimento do réu e desde que a intenção seja manifestada antes do saneamento do feito. É o que estabelecia o artigo 264 da Lei Processual Civil revogada:

Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.

Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo.

Neste sentido, o seguinte julgado desta Corte:

RESPONSABILIDADE CIVIL - ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR - PRINCÍPIO DA ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA - INVIABILIDADE

"O princípio da estabilização da demanda, na perspectiva objetiva, define que, depois do saneamento do processo, opera-se, em definitivo, a estabilização objetiva da demanda, vedada a modificação (emendatio libelli) ou a alteração (mutatio libelli) da causa de pedir e do pedido, mesmo que com o consentimento do réu. Inteligência dos arts. 264, parágrafo único, e 331, §§ 2º e 3º, do CPC/1973; e 329, inc. II, e 357 do CPC/2015". (AC n. 0062059-97.2009, Des. Henry Petry Júnior) (...) (TJSC, Apelação Cível n. 0302194-98.2014.8.24.0054, de Rio do Sul, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 11-04-2017).

In casu, verifica-se que a parte autora nas razões recursais, pleiteia que seja a parte recorrida condenada ao pagamento da "[...] quantia de R$ 530,00 (...) com o conserto do gerador de energia" (ev44 - fl. 17, origem).

Nada obstante, averigua-se que na emenda da petição inicial (ev3, origem), a parte demandante requereu expressamente que fosse eliminado o referido pedido da exordial. Veja-se:

De forma equivocada fez-se constar entre os pedidos da presente demanda que a parte requerida realize o ressarcimento de valores gastos com conserto de gerador de energia. Portanto, EMENDA-SE A INICIAL a fim de eliminar tal pedido, e assim, a letra "b" do ítem V - DO PEDIDO, passa a contar com a seguinte redação:

"b) a condenação da Requerida no pagamento de R$ 28.205,04 (vinte e oito mil duzentos e cinco reais e quatro centavos) a título de reparação de danos causados com o fumo, bem como, a quantia de R$ 900,00 (novecentos reais) a título de ressarcimento pelas despesas havidas com a contratação do profissional para realização da Perícia Técnica."

Registre-se ainda que permanecem inalterados os demais pedidos constantes da exordial, bem como, o valor da causa.

O juízo a quo recebeu a emenda da peça vestibular no evento 4 da origem.

Desta feita, não se mostra cabível pleitear em sede recursal requerimento que expressamente se postulou a exclusão em emenda da peça exordial.

Constata-se, portanto, que referida pretensão (ressarcimento do prejuízo advindo com o conserto de gerador de energia, no valor de R$ 530,00) se trata de inovação recursal, sendo defeso, consequentemente, o conhecimento, sob pena de supressão de instância.

Nessa linha, colhe-se da doutrina: "Há proibição de inovação no juízo de apelo, ressalvado o disposto no art. 1.014 do CPC." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz...

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