Acórdão Nº 5003672-47.2020.8.24.0175 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 15-09-2022

Número do processo5003672-47.2020.8.24.0175
Data15 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003672-47.2020.8.24.0175/SC

RELATOR: Desembargador RODOLFO TRIDAPALLI

APELANTE: ANTONIO DA SILVA (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Da ação

Adoto o relatório da sentença recorrida (Evento 22), em atenção aos princípios da celeridade e economia processual, por retratar com fidedignidade o trâmite processual no primeiro grau, in verbis:

Antonio da Silva ajuizou ação declaratória de nulidade de contrato c/c repetição de indébito e dano moral em face de Banco BMG S.A.

Relatou a parte autora, em síntese, que achando ter contratado um empréstimo consignado, foi surpreendida com um cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), implicando em descontos mensais diretamente em seu benefício previdenciário.

Defendeu a abusividade de tal prática, afirmando que, em razão da fraude perpetrada, a instituição financeira não poderia reter o percentual de seus proventos a título de margem consignável para pagamento do cartão. Fundamentou, então, a nulidade da contratação, bem como a responsabilidade civil da parte ré.

Ao final, postulou: a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável; a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente; e a compensação pelo dano moral sofrido. De forma subsidiária, postulou a conversão do empréstimo via cartão de crédito consignado para empréstimo consignado. Requereu, outrossim, a antecipação da tutela e a concessão da justiça gratuita. Anexou procuração e documentos (evento 1).

Pleito de urgência indeferido; gratuidade processual concedida (evento 3).

Citada, a instituição financeira ré ofereceu contestação. No mérito, sustentou, em resumo: (i) legalidade da contratação; (ii) inexistência de danos materiais e morais; (iii) impossibilidade de inversão do ônus da prova; (iv) em caso de procedência da ação, que a parte autora devolva o valor depositado pelo banco em seu favor com o contrato firmado. Pugnou, ainda, pela condenação da parte autora em litigância de má-fé. Colacionou procuração e documentos (evento 9).

Houve réplica (evento 14).

Da sentença

O Juiz de Direito, Dr. LEANDRO KATSCHAROWSKI AGUIAR, da Unidade Regional de Direito Bancário da Comarca de Florianópolis, julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos (Evento 22):

JULGO PROCEDENTE o pedido de indenização por danos morais formulado por Antonio da Silva em face de Banco BMG S.A e, por conseguinte, CONDENO a parte ré a pagar à parte autora a importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigida monetariamente pelo INPC, a partir do arbitramento, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, desde o primeiro desconto no benefício previdenciário.

Em virtude de sua sucumbência, condeno a parte ré, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados, consoante o grau de zelo do profissional, a baixa complexidade da causa e a inexistência de outros atos processuais, em 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação, ex vi do prescrito no art. 85, § 2º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Da Apelação da Instituição Financeira

Inconformado com a prestação jurisdicional, o BANCO BMG S.A interpôs recurso de Apelação (Evento 30).

Alega, em suma, a legalidade do contrato celebrado. Aduz que o contrato de cartão de crédito consignado com possibilidade de saque é suficientemente claro e preciso ao identificar a modalidade que está se contratando, os mecanismos de pagamento e a cobrança dos débitos correspondentes.

Acrescenta que os documentos anexados aos autos demonstram que o contrato não dá margem a interpretação equivocada, pois existe autorização expressa do Autor, para o desconto em folha de pagamento.

Assevera que inexistente a prática de ato ilícito, sendo indevida a condenação por dano moral. Ainda, sustenta que a situação fática descrita não caracteriza abalo moral indenizável, uma vez que o dano alegado sequer foi comprovado.

Argumenta que a restituição dos valores descontados somente é possível quando há cobrança de quantia indevida, o que não é o caso dos autos.

Busca a aplicação do entendimento firmado pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis acerca da validade do contrato de cartão de crédito. Neste tópico, destaca que o entendimento já está pacificado nas Turmas de Uniformização, sendo já exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconhece a validade do pacto, bem como é adotado em primeira instância no TJSC.

Ao final, requer o provimento do Apelo, para reconhecer a validade da contratação, e a inexistência dos danos morais e materiais. Subsidiariamente, pugna pela minoração da indenização por abalo moral.

Da Apelação do Autor

Também inconformado, o Autor ANTONIO DA SILVA, interpôs recurso de Apelação (Evento 33), aduzindo, em síntese, que ao ser ludibriado com a forma de contração proposta pelo Banco, faz jus a majoração do quantum da indenização do dano moral.

Das contrarrazões

Devidamente intimadas, as partes apresentaram contrarrazões (Eventos 38 e 40). O BANCO BMG S.A aventa a necessidade de intimação da parte Autora para que informe se tem conhecimento do ajuizamento da ação, sob a alegação de prática de conduta temerária ante o reiterado ajuizamento de ações praticamente idênticas pelo seu procurador. Subsidiariamente, requerer a expedição de ofícios à Ordem de Advogados do Brasil, ao Ministério Público e à Autoridade Policial para que sejam apurados os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica, além de postular a condenação do causídico em litigância de má-fé.

Os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça.

Com a distribuição, vieram-me conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

I - Da admissibilidade

Os recursos preenchem os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual merecem ser conhecidos.

II - Das contrarrazões

O BANCO BMG S.A requer a intimação da parte Autora para que informe se tem conhecimento do ajuizamento da ação, sob a alegação de prática de conduta temerária ante o reiterado ajuizamento de ações praticamente idênticas pelo seu procurador. Subsidiariamente, pleiteou a expedição de ofícios à Ordem de Advogados do Brasil, ao Ministério Público e à Autoridade Policial para que sejam apurados os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica, além de postular a condenação do causídico em litigância de má-fé.

Sem razão.

No que se refere ao pleito de intimação da parte Autora para que esta informe o seu conhecimento acerca da propositura da lide, infere-se que tal medida não se revela plausível, notadamente pelo conteúdo genérico da narrativa, que não encontra abrigo em qualquer início de prova.

Conforme já decidiu este Tribunal, eventual desvirtuamento do interesse da parte Autora na propositura da demanda não pode ser reconhecido a partir de meras conjecturas, não cabendo ao juízo, sobretudo em segundo grau de jurisdição, investigar o ânimo da parte (Nesse sentido: Apelação n. 5030238-56.2020.8.24.0038, rel. Mariano do Nascimento, j. 04-02-2021 e Apelação n. 5007736-58.2020.8.24.0092, rel. Guilherme Nunes Born, j. 08-07-2021).

Salienta-se que o instrumento de procuração subscrito pela parte, cuja autenticidade não foi derruída, tem o condão de evidenciar a prévia ciência sobre o pleito vertido em juízo, bem como seu interesse na tutela jurisdicional vindicada.

Igualmente, não merece amparo o pleito de condenação do procurador da parte demandante nas penas de litigância de má-fé, especialmente em virtude de que a aplicação das indigitadas penalidades é dirigida às partes da relação processual instaurada, e não aos seus causídicos.

A propósito, entende-se que "o fato do procurador da parte autora ter ajuizado, supostamente, centenas de ações versando sobre os mesmos pedidos e causas de pedir, não o transforma, por si só, em causídico agressor. Isso porque se trata de seu ofício e, pelo visto, da matéria que, por ora, mais lhe condiz" (TJSC, Apelação n. 0301613-52.2019.8.24.0040, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 30-07-2020).

Em arremate, caso a instituição financeira entenda haver indícios de infrações disciplinares e condutas típicas, poderá buscar diretamente as Autoridades administrativas ou o respectivo órgão de classe competente, se assim julgar necessário (Apelação n. 5001121-83.2021.8.24.0038, rel. Tulio Pinheiro, j. 01-07-2021).

III - Do julgamento conjunto dos recursos

Tratam-se de Apelações Cíveis interpostas por BANCO BMG S.A e pelo Autor ANTONIO DA SILVA, ambos contra a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na "Ação de Restituição de Valores c/c Indenização por Dano Moral, com pedido de Tutela Provisória de Urgência Antecipada".

a) Da preliminar - do julgamento paradigma - Turma de Uniformização.

Requer o Banco que este Tribunal de Justiça utilize o entendimento adotado pela Turma de Uniformização dos Juizados Especiais, que reconheceu a legalidade do contrato de cartão de crédito consignado, hipótese vertida nestes autos.

Contudo, razão não lhe assiste. Isto porque, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial, em julgamento realizado em 12/06/2019, não admitiu o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0000507-54.2019.8.24.0000, da lavra do Exmo. Des. MONTEIRO ROCHA, que envolvia a matéria inerente à (in)validade da contratação de empréstimo na modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

Em corolário, entendo que o posicionamento assentado no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis de...

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