Acórdão Nº 5003689-40.2021.8.24.0081 do Primeira Câmara de Direito Público, 11-10-2022

Número do processo5003689-40.2021.8.24.0081
Data11 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003689-40.2021.8.24.0081/SC

RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU

APELANTE: JOSIANI TRUCOLO AIRES (AUTOR) ADVOGADO: FRANCINARA MAGRINI FERREIRA APELADO: MUNICÍPIO DE CORDILHEIRA ALTA/SC (RÉU) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação cível interposta por Josiani Trucolo Aires em objeção à sentença que, nos autos da "ação de redução de jornada sem redução da remuneração com tutela de urgência" que move em face do Município de Cordilheira Alta, julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais "para o fim de RECONHECER o direito da autora à redução da jornada de trabalho no cargo de auxiliar de serviços gerais municipal de 40 (quarenta) para 20 (vinte) horas semanais" com redução proporcional de vencimentos.

Em sua insurgência, a apelante relata ser servidora pública municipal, ocupante do cargo de auxiliar de serviços gerais da Secretaria Municipal de Educação do Município de Cordilheira Alta. Disse que seu filho Vincenzo Aires foi diagnosticado com Transtornos Globais de Desenvolvimento - CID 10 F 84, Transtorno não especificado do desenvolvimento da fala e linguagem, CID 10 F 80.8, Transtornos Específicos Misto de Desenvolvimento CID 10 F83, Autismo Infantil CID 10 F84.0, além de dificuldades comportamentais, motora e sensorial. Destaca que Vicenzo possui atendimentos médicos de rotina, acompanhamento com Fonoaudióloga, Estimulação Essencial e Ecoterapia, possuindo atividades quase todos os dias em meio período, de modo que a genitora precisa deslocar-se aos atendimentos, acompanhando seu filho. Salienta que depende do salário para propiciar ao seu filho todos os atendimentos, sendo ele totalmente dependente para as atividades da vida diária, necessitando de estímulos, acompanhamento em atividades para melhorar sua qualidade de vida e amenizar as consequências das deficiências e limitações. Afirma que o pedido de redução da carga horária não está previsto na Lei Municipal, porém é necessária a interpretação sistemática e analógica das normas federais e constitucionais cogentes de proteção à pessoa com deficiência. Ressalta que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência prescreve em seu art. 7°, 2 que "em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial". Defende a concessão de tutela de urgência, eis que a criança mantém uma rotina de consultas, exames e atendimentos, os quais demandam gastos, sendo que aufere renda mensal de R$ 1.721,84. Ao final, pugna pelo provimento do recurso para julgar procedente o pedido de redução da jornada de trabalho, sem redução da sua remuneração mensal.

Em sede de contrarrazões, o apelado pugnou pela manutenção do decisum.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça não identificou na causa interesse público a justificar a sua intervenção.

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de apelação cível interposta em face de sentença que julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais, concedendo redução da jornada de trabalho, com decréscimo salarial proporcional, em razão da servidora, ora apelante, ser mãe de criança com deficiência.

Pois bem.

Antes de adentrar ao mérito, impende afastar a competência do Juizado Especial da Fazenda Pública definida na sentença.

De acordo com o Enunciado XII do Grupo de Câmaras de Direito Público:

A competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública é absoluta e deve ser aferida em face do valor da causa (até 60 salários mínimos, nos termos do art. 2º, caput, da Lei n. 12.153, de 22 de dezembro de 2009, tendo como base o valor vigente à época do ajuizamento da ação).

No caso, como a ação possui o valor da causa de R$ 109.512,00, a competência para processamento e julgamento do feito não é do Juizado Especial da Fazenda Pública, devendo a sentença ser reformada de ofício no ponto.

Quanto ao mérito, sem delongas, deve-se dar provimento ao recurso.

A apelante é servidora pública municipal e é mãe de uma criança com o diagnóstico de Transtornos Globais de Desenvolvimento - CID 10 F 84, Transtorno não especificado do desenvolvimento da fala e linguagem, CID 10 F 80.8, Transtornos Específicos Misto de Desenvolvimento CID 10 F83 e Autismo Infantil CID 10 F84.0, condição esta que lhe confere status de deficiente.

Em suma, defende a parte autora que o delicado quadro clínico de seu filho demanda acompanhamento constante e cuidados especiais de sua parte e que, nos termos da Lei Federal n. 8.112/90 e da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, teria direito à jornada de trabalho reduzida, sem redução de vencimentos.

Dos documentos anexados aos autos, é verdade, há prova robusta acerca da enfermidade do menor de idade e que essa particularidade exige uma atenção diferenciada. Verifica-se, outrossim, que a servidora exerce a função de auxiliar de serviços gerais.

Paralelamente, verifica-se que, embora o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Navegantes não preveja a redução de jornada de trabalho sem o respectivo abatimento proporcional dos vencimentos para a hipótese em comento, a Lei Federal n. 8.112/90, aplicável por analogia, e a Convenção Internacional dos Direitos de Pessoas com Deficiência, introduzida ao ordenamento jurídico com status de Emenda Constitucional, asseguram tal direito.

Frise-se, o deferimento do pedido autoral não ofende a autonomia municipal para legislar a respeito dos seus respectivos servidores. Ao contrário, é reflexo da interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais e, especialmente, da referida convenção, tendo como objetivo resguardar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, proteção à família e o melhor interesse da criança.

Confira-se, por oportuno, os comandos do art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.112/90 e do art. 7º, "1" e "2"; art...

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