Acórdão Nº 5003736-71.2020.8.24.0041 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 19-08-2021

Número do processo5003736-71.2020.8.24.0041
Data19 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003736-71.2020.8.24.0041/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. ADVOGADO: DENIO MOREIRA DE CARVALHO JUNIOR (OAB MG041796) APELANTE: FRANCISCO DE ASSIS PIRES (AUTOR) ADVOGADO: JEFFERSON LAURO OLSEN (OAB SC012831) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Banco Santander S/A e Francisco de Assis Pires interpuseram recursos de apelação cível em face da sentença que, proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da comarca de Mafra, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor na "ação declaratória de nulidade de ato jurídico, devolução de valores cobrados indevidamente em dobro e danos morais".

Cuida-se, na origem, de "ação declaratória de nulidade de ato jurídico, devolução de valores cobrados indevidamente em dobro e danos morais" aforada por Francisco de Assis Pires contra Banco Olé Bonsucesso Consignado S/A, na qual pede o reconhecimento da inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito, bem como a condenação da instituição financeira ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, de maneira dobrada, e a condenação ao pagamento de danos morais, em razão da inexistência de contratação de reserva de margem consignada em seu benefício previdenciário, para contratação de cartão de crédito não solicitado (evento 1/1G).

Ao receber a inicial (evento 3/1G), o juiz da causa concedeu a gratuidade da justiça ao autor, inverteu o ônus da prova e determinou a citação do réu.

Citado, o réu apresentou contestação (evento 10/1G, contestação 1), pugnando preliminarmente pela retificação do polo passivo, para constar Banco Santander S/A, pois incorporou o Banco Olé Bonsucesso, além disso, arguiu a prescrição. No mérito, argumentou, em síntese: (a) a regularidade da contratação realizada entre as partes, na medida em que o autor tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, que se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato; (b) o autor efetuou seis saques complementares, o que demonstra sua ciência acerca da modalidade de contratação; (c) a operação de saque via cartão de crédito com margem consignável e o empréstimo pessoal consignado tratam-se de operações distintas, sendo incabível a conversão da operação em crédito pessoal consignado; (d) ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável; (e) a parte autora deve devolver ao banco os valores a ela disponibilizados. Ao final, juntou o contrato firmado com o autor, comprovante de disponibilização do valor sacado do cartão de crédito, bem como as faturas emitidas em relação ao referido cartão.

Réplica (evento 13/1G).

Sobreveio sentença de mérito prolatada em 26-5-2021 pelo magistrado Fernando Orestes Rigoni, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor, o que se deu nos seguintes termos (evento 15/1G):

Por tais razões, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, nos termos do art. 487, I do CPC, para:

a) converter o contrato originário firmado entre as partes (Evento 10, CONTR2), relativo ao "TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO BONSUCESSO" em empréstimo consignado, cujos descontos decorrentes do financiamento bancário devem ser adequados a esta modalidade, com observância às diretrizes preconizadas pelo Bacen, referente a empréstimos concedidos aos aposentados/pensionistas à época da contratação, devendo os valores deduzidos do benefício da parte autora serem descontados do saldo devedor até a quitação integral do empréstimo, observada a margem legalmente consignável, autorizada a repetição do indébito em favor da parte demandante, em dobro, no caso de se constatar valores pagos a maior, cujo montante deverá ser atualizado monetariamente pelo INPC, desde a data de cada pagamento indevido, acrescido de juros moratórios no patamar de 1% ao mês a contar da citação, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença por arbitramento (art. 509, inciso I do CPC), ressalvada a opção da parte autora pelo imediato cumprimento, na hipótese de entender se tratar de meros cálculos;

b) condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais em favor da parte autora no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigido monetariamente pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir do dia 21/10/2015, nos termos da fundamentação acima lançada.

Em razão da sucumbência recíproca, deverão a parte autora e a parte requerida suportar as custas processuais em iguais proporções. Fixo honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, que deverão ser pagos na mesma proporção que as custas processuais aos procuradores adversos, considerando a simplicidade do feito, a prática de poucos atos processuais, o local da prestação do serviço e o tempo de duração do processo, vedada a compensação (Ap. Cív. n. 2008.055809-3, rel. Des. Fernando Carioni).

Advirto que, quanto à parte demandante, a exigibilidade de tais verbas segue suspensa, haja vista a gratuidade da justiça concedida.

Retifique-se o polo passivo da demanda, devendo constar exclusivamente o BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A (CNPJ n. 90.400.888/0001-42).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, arquive-se.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação (evento 20/1G), alegando, em suma, que: (a) em razão do ato ilícito praticado pela instituição bancária, deve haver a majoração da indenização por danos morais; (b) os valores indevidamente descontados devem ser restituídos em dobro ao apelante.

Por sua vez, a instituição financeira interpôs recurso de apelação no evento 27/1G, sustentando, em síntese, que: (a) a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade; (b) o autor realizou saque e saques complementares, cujos valores foram depositados em conta corrente por ele indicada; (c) é impossível a conversão do contrato para empréstimo consignado, pois se tratam de modalidades distintas de crédito; (d) diante da regularidade da contratação, indevida a sua condenação ao pagamento de danos morais em favor da parte adversa; (e) alternativamente, deve haver compensação entre os valores. Pugna pelo provimento do recurso para reforma a sentença e julgar totalmente improcedente a demanda de origem.

Contrarrazões (eventos 29 e 34/1G).

Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça e foram distribuídos por sorteio a este relator.

Este é o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise dos presentes recursos, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Dito isto, tem-se que os recursos devem ser conhecidos porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.

2. Da regularidade da operação contratada entre as partes

Sustenta a instituição financeira recorrente que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de maneira clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade.

Analisados os autos, verifica-se que razão possui mesmo o banco recorrente.

A princípio, necessário destacar que o próprio autor, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei n. 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):

Art. 1º. Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1º. O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 2º. O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1º deste artigo.

[...]

Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº...

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