Acórdão Nº 5003784-15.2021.8.24.0067 do Primeira Câmara de Direito Público, 23-05-2023

Número do processo5003784-15.2021.8.24.0067
Data23 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM Apelação Nº 5003784-15.2021.8.24.0067/SC



RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA


EMBARGANTE: ROQUE LUIZ MENEGHINI (RÉU) EMBARGANTE: VANDECIR DORIGON (RÉU)


RELATÓRIO


Ministério Público do Estado de Santa Catarina propôs "ação civil pública por ato de improbidade administrativa" em face de Roque Luiz Meneghini e Vandecir Dorigon.
Alegou que: 1) no ano de 2012, Roque Luiz Meneghini passou a ocupar o cargo de Prefeito Municipal e Vandecir Dorigon, de Vice-Prefeito do Município de Guaraciaba; 2) de 2012 a 2020, os requeridos exigiram parcela dos valores percebidos por servidores comissionados, como condição para permanência no cargo, prática popularmente conhecida como "rachadinha" e 3) tais fatos configuram ato de improbidade administrativa, com base nos arts. 9º, I, e art. 11, caput e I, ambos da Lei de Improbidade Administrativa.
Postulou a condenação às penas do art. 12, I, da LIA.
Em contestação, Roque Luiz Meneghini argumentou que inexistem provas demonstrando a conduta ímproba, tampouco dolo e enriquecimento ilícito a fim de ensejar a responsabilização (autos originários, Evento 145).
Vandecir Dorigon, por sua vez, arguiu, preliminarmente, ilegitimidade passiva, pois não tinha poderes para exigir contribuições como condição para permanência em cargo público. No mérito, discorreu sobre a fragilidade das provas, notadamente porque calcadas em depoimentos de seus inimigos políticos e em planilhas de duvidosa autenticidade (autos originários, Evento 145).
Foi proferida sentença de improcedência (autos originários, Evento 288).
O autor, em apelação, reiterou a necessidade de condenação dos requeridos em razão da prática de ato de improbidade, mormente porque a materialidade dos fatos ficou comprovada por meio de prova testemunhal. Ainda, sustentou que: 1) a Lei n. 14.230/2021 não se aplica aos fatos cometidos antes da sua vigência; 2) mesmo com a alteração, a prática de ato visando fim proibido em lei continua sendo passível de caracterização como ímprobo, ensejando a aplicação das sanções da LIA; 3) a aplicação da nova lei traz retrocessos à proteção de direitos fundamentais e 4) em razão da independência das instâncias, não é possível a aplicação das regras de Direito Penal (autos originários, Evento 296).
Com as contrarrazões (autos originários, Evento 302), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo provimento do recurso, em parecer do Dr. César Augusto Grubba (Evento 7).
O recurso foi parcialmente provido para julgar parcialmente procedentes os pedidos e condenar os réus por ato de improbidade administrativa, previsto no art. 9º, I, da LIA, aplicando as seguintes penalidades: 1) Roque Luiz Meneghini: suspensão dos direitos políticos por 4 anos, pagamento de multa civil de 10 vezes a remuneração percebida e proibição de contratar com o poder público e 2) Vandecir Dorigon: suspensão dos direitos políticos por 5 anos; pagamento de multa civil de 10 vezes a remuneração percebida pelo réu e proibição de contratar com o poder público (Evento 19).
Os réus opuseram embargos de declaração reiterando a inexistência de dolo, tampouco provas da participação de Vandecir no esquema (Evento 27).
Sem contrarrazões

VOTO


1. Mérito
Dispõe o CPC:
Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;III - corrigir erro material.
Data venia, não há vício a ser sanado.
Colho do acórdão embargado:
O art. 9º, I, da Lei n. 8.429/1992, com redação dada pela Lei n. 14.230/2021, assim dispõe:
Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
Para a condenação por ato de improbidade administrativa com base no referido dispositivo, é necessário que o agente público, receba vantagem indevida para si ou para outrem, em razão do exercício do cargo, emprego, função ou mandato.
Ademais, é imprescindível a existência do elemento subjetivo, qual seja, a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado.
Nesse ponto, a Lei n. 14.230/2021 trouxe importante modificação quanto ao conceito de dolo, dispondo que não basta a voluntariedade do agente para alcançar o resultado ilícito (Lei n. 8.429/1992, art. 1º, § 2º).
Daí se depreende que se objetiva punir apenas o agente que atua com dolo específico, ou seja, quando evidenciado o propósito do autor do fato não somente de praticar o ato, mas de executar com os objetivos maléficos dispostos na norma.
In casu, o Ministério Público aduz que, em 2012, Roque Luiz Meneghini, na condição de Prefeito municipal de Guaraciaba, e Vandecir Dorigon, na qualidade de Vice-Prefeito, utilizaram das suas funções privilegiadas para criar um esquema de contribuições mensais e obrigatórias no importe de 5% ou 10%, a depender da remuneração, como condição para permanência nos cargos comissionados.
De acordo com o Parquet, os valores seriam recolhidos pelo Chefe de Gabinete e posteriormente repassados a Roque Luiz Meneghini. Os requeridos, por estarem em posição hierarquicamente superior, aproveitavam-se do fato de tais cargos serem de livre nomeação e exoneração para exigir quantias, garantindo a eficiência no pagamento do esquema, que teria ocorrido de forma contínua e ininterrupta durante os dois mandatos do prefeito e vice, entre os anos de 2013 a 2020.
Como bem pontuou a MM. Juíza Catherine Recouvreux, as provas demonstram que as contribuições de fato ocorreram, se não por todos os servidores comissionados, mas pela maioria.
A testemunha Irineu Antônio Arndt forneceu, durante o inquérito civil, planilha confeccionada com o objetivo de controle interno dos pagamentos efetuados pelos servidores do Município (autos originários, Evento 1, OUT4 e OUT14).
No documento, de 18 páginas, é possível visualizar a lista de "colaboradores", a quantia devida, o mês de referência, o valor efetivamente pago pelo funcionário e eventual débito inadimplido. A título exemplificativo, veja-se:

(autos originários, Evento 1, OUT4)
Conforme relatório de análise preliminar em fontes abertas confeccionado pelo Gaeco, em 2019 (autos originários, Evento 1, OUT9), dos 41 servidores comissionados informados no portal da transparência da Prefeitura de Guaraciaba, 36 deles apareceram nas planilhas como contribuintes da verba mensal (autos originários, Evento 1, OUT4).
Embora o documento não contenha a assinatura dos "contribuintes", é indício de prova robusto do esquema de cobranças que era efetuado dentro das dependências da Prefeitura.
Somado a isso, ainda na fase preliminar, a fim de corroborar as informações constantes nas planilhas confeccionadas pelo antigo Chefe de Gabinete, foram ouvidas 10 testemunhas, das quais 5 confirmaram o pagamento mensal da verba ao Prefeito.
Colho dos relatos transcritos na sentença:
[...] IRINEU ANTÔNIO ARNDT, que ocupou a função de Chefe de Gabinete durante período do mandato dos requeridos e intitulado como responsável pelo recolhimento das contribuições, relatou à Promotoria de Justiça que: [...] Que tem conhecimento acerca dos fatos; que há época existia uma contribuição com parte do salário dos servidores para um "caixinha"; Que a partir do mês de abril do início do primeiro mandato fui chefe de gabinete do Prefeito Roque Luiz Meneghini; Que o declarante quem recebia esses valores, repassando diretamente ao Prefeito; Que declarante não recorda quantas pessoas contribuíam com tais valores, porém eram todos os servidores comissionados do Poder Executivo Municipal; Que os valores destinados ao Prefeito eram de 5 % mensal do salário de cada servidor; Que no...

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