Acórdão Nº 5003892-25.2020.8.24.0020 do Sétima Câmara de Direito Civil, 27-10-2022

Número do processo5003892-25.2020.8.24.0020
Data27 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003892-25.2020.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR

APELANTE: ARIOSVALDO MANOEL (AUTOR) APELADO: BANCO SAFRA S A (RÉU)

RELATÓRIO

Trato de apelação cível interposta por Ariosvaldo Manoel contra sentença proferida nos autos da ação declaratória de inexistência de débito c/c ressarcimento de danos morais c/c tutela de urgência e repetição indébito movida em face do Banco Safra S.A.

Ao proferir a sentença, o juízo de origem julgou improcedentes os pedidos iniciais, ao reconhecer a regularidade do negócio jurídico (evento 36, SENT1), na seguinte forma:

Ante o exposto, com fulcro no artigo 373, inciso II do CPC, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos.

Condeno o autor no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85 §2º do CPC, incidindo na espécie o artigo 98 §3º do CPC.

Revogo a decisão de evento 11.

Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação (evento 42, APELAÇÃO1), arguindo que diante da inversão do ônus da prova e a negativa de assinatura do contrato, caberia ao requerido comprovar a veracidade da assinatura e a efetiva contratação.

Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, declarando a inexistência do débito, e condenar o requerido ao pagamento de indenização por danos morais.

As contrarrazões foram apresentadas (evento 48, CONTRAZAP1).

É o relatório

VOTO

1. ADMISSIBILIDADE E JUSTIÇA GRATUITA

O prazo para a interposição da apelação foi respeitado e a parte autora está dispensada do recolhimento do preparo recursal.

O apelado arguiu em contrarrazões que o autor não faz jus ao benefício da justiça gratuita, ao argumento de que o requerente constituiu advogado para propor a ação e, portanto, não atende aos critérios de hipossuficiência econômica adotados por este Tribunal de justiça.

A despeito disso, a irresignação não deve ser conhecida.

Isso porque o patrocínio de advogado particular não é suficiente para derruir a presunção de hipossuficiência alegada, quando corroborada por outros elementos, além do que o requerido não apresentou nenhuma comprovação da alteração da situação declarada, superveniente à concessão do benefício.

Neste sentido, colhe-se da Jurisprudência desta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DA JUSTIÇA. - IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DO IMPUGNANTE. JUSTIÇA GRATUITA. PRESSUPOSTOS PRESENTES. MANUTENÇÃO DO BENEPLÁCITO. ACERTO. - Os benefícios da gratuidade da Justiça devem ser mantidos se, apesar de pleiteada a revogação, a parte contrária não comprovar inexistirem ou terem desaparecido os requisitos ensejadores da benesse, persistindo hígida a relativa presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência econômico-financeira legalmente prevista em favor do pleiteante da graça. - O comparecimento aos autos com advogado particular constituído não é incompatível com o pleito de concessão dos benefícios da gratuidade da Justiça, porquanto assistência judiciária gratuita e Justiça gratuita, espécies do gênero assistência jurídica gratuita, não se confundem. - As variações das faixas de isenção do Imposto de Renda não podem servir, como critério único, à identificação da extensão da hipossuficiência econômico-financeira para fins de concessão dos benefícios da gratuidade da Justiça, porquanto escoradas em premissas distintas, sendo delineadas com base não apenas no caráter diminuto do importe, mas, também, nos custos estatais envolvidos com tal procedimento tributário, que poderão não compensar o valor a ser efetivamente arrecadado pelo Estado. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0001303-15.2015.8.24.0023, da Capital, rel. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 18-04-2017).

Dessa forma, não conheço da insurgência.

Ademais, os interesses recursais são manifestos e suas razões desafiam os fundamentos da sentença, encontrando-se satisfeitos, pois, os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

2. MÉRITO

2.1. (I)LICITUDE DA COBRANÇA

A controvérsia inicial cinge-se em verificar a (i)licitude dos descontos efetuados pelo banco réu no benefício previdenciário do autor, circunstância inconteste na lide.

A princípio, é importante ressaltar que se aplicam ao caso em tela as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, conforme acertadamente consignou o togado singular, uma vez que as partes envolvidas na demanda condizem com os conceitos de consumidor e fornecedor apontados, respectivamente, pelos arts. e do referido diploma legal.

Ao contrário do Código Civil, a Lei n. 8.078/90 optou pela responsabilidade objetiva, retirando a necessidade de comprovação do elemento subjetivo, em razão da manifesta vulnerabilidade do consumidor. Dessarte, basta que este comprove o dano e o nexo de causalidade com o serviço oferecido para que o fornecedor responda pelos prejuízos causados, ainda que não tenha incidido em uma das formas de culpa. A responsabilidade somente poderá ser afastada quando comprovada a inexistência de defeito no serviço ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

O apelante assevera que não firmou com o réu o contrato de empréstimo consignado, que gerou descontos mensais na quantia de R$ 13,66 (treze reais e sessenta e seis centavos).

Por outro lado, o réu aduz que o serviço foi devidamente contratado pela parte demandante, trazendo aos autos o contrato em questão.

Em réplica, o autor impugnou a autenticidade da assinatura, asseverando que a grafia aposta no contrato é consideravelmente divergente da sua.

Ao ser intimado acerca do interesse na produção de outras provas, o requerido pugnou pelo julgamento antecipado da lide, ao passo que o autor também não pleiteou a produção de provas.

Entretanto, conforme entendimento exarado pela Corte Superior de Justiça,"Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a sua autenticidade (CPC, arts. , 368 e 429, II).". (tema 1061).

Assim, havendo impugnação a respeito da assinatura aposta no contrato e não tendo a ré comprovado a regularidade da contratação, ônus que, a teor do art. 6º, VIII do CDC e do tema acima exposto, lhe imcumbia, é impositivo o reconhecimento da ilegalidade da cobrança.

Com efeito, caso ainda desejasse discutir a higidez da assinatura presente no instrumento contratual, deveria o apelado pleitear e custear a produção de prova grafotécnica a fim de comprovar suas alegações. Todavia, assim não o fez, alegando genericamente que os documentos anexados aos feito seriam suficientes para comprovar a regularidade da cobrança.

Sendo assim, considero necessária a reforma da sentença para declarar a ilicitude da cobrança, motivo pelo qual dou provimento ao apelo do autor neste ponto.

2.2. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE

Passo a análise do pleito de condenação da restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente.

Acerca do tema, o art. 42, parágrafo único, da legislação consumerista dispõe que "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".

Em análise dos substratos probatórios colacionados aos autos, vislumbro que os descontos das quantias de R$ 13,66 do benefício previdenciário do apelante efetivamente foram processados a partir de setembro de 2019, com previsão de término em setembro de 2025, restando plenamente configurada a falha na prestação do serviço e a manifesta ausência de cautela do apelado ao proceder com o desconto.

O banco réu, por outro lado, não logrou êxito em afastar o direito do recorrente de receber a devolução do valor indevidamente cobrado em dobro, uma vez que não trouxe aos autos elementos aptos a justificar o engano.

E no diploma consumerista é suficiente a caracterização da culpa a fim de ensejar a sanção e, esta, o demandado não logrou êxito em afastar.

Nesse sentido já decidiu esta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO. FRAUDE INCONTROVERSA. DEVER DE CUIDADO DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. FORTUITO INTERNO. SÚMULA 479 DO STJ. ATO ILÍCITO RECONHECIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO.RESTITUIÇÃO EM DOBRO. AUSÊNCIA DE ERRO JUSTIFICÁVEL. EXEGESE DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. PRECEDENTES DESTA CÂMARA. DANO MORAL. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NEGLIGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA CAPAZ DE GERAR FORTE SENTIMENTO DE INSEGURANÇA NO CONSUMIDOR. SITUAÇÃO PASSÍVEL DE GERAR O ABALO ANÍMICO INDENIZÁVEL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PLEITO DE REDUÇÃO. ACOLHIMENTO. DESCONTOS INCAPAZES DE AFETAR A SUBSISTÊNCIA DA AUTORA. COMPENSAÇÃO FIXADA EM R$ 5.000,00. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA REFORMADA NO TÓPICO.HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5001173-77.2020.8.24.0050, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 09-06-2022).

Nessa toada:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO BANCO REQUERIDO.ALEGADA AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. INSUBSISTÊNCIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DESCONTADO INDEVIDAMENTE NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO REQUERENTE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. NOVAÇÃO DA DÍVIDA NÃO COMPROVADA. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA MANTIDA.PRETENSO AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO IMPOSTA NA ORIGEM À RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE. INSUBSISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS A DEMONSTRAR A OCORRÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL DA PARTE...

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