Acórdão Nº 5003922-72.2021.8.24.0037 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 18-08-2022

Número do processo5003922-72.2021.8.24.0037
Data18 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003922-72.2021.8.24.0037/SC

RELATORA: Desembargadora SORAYA NUNES LINS

APELANTE: ACACIO LHEVICHESKI SOBRINHO (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Acácio Lhevicheski Sobrinho ajuizou "ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual c/c restituição de valores, com pedido de tutela de urgência e indenização por dano moral" contra Banco BMG S.A, na qual sustenta que formalizou contrato de empréstimo consignado com o banco réu e, assim, concluiu que o pagamento seria realizado com os descontos mensais diretamente do seu benefício, conforme sistemática de pagamento de empréstimos consignados. No entanto, a instituição financeira realizou operação bancária diversa, com reserva de margem de cartão de crédito, em nítida falha na prestação do serviço.

Alegou que o contrato coloca o apelante em exagerada desvantagem em relação ao banco, pois os descontos realizados em seu benefício limitam-se ao pagamento mínimo do cartão, sendo a dívida refinanciada todos os meses e nunca amortizada.Aduziu, ainda, que não houve o desbloqueio, tampouco o regular uso do cartão, de modo que a instituição financeira não poderia cobrar ou descontar valores do autor a título de RMC.

Diante disso, pugnou pela declaração da inexistência da relação jurídica relativa ao empréstimo via cartão de crédito, bem como da reserva de margem consignável (RMC), com a condenação da ré à restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente e ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 8.000,00 (oito mil reais).

Requereu ainda, a concessão da assistência judiciária gratuita, a inversão do ônus da prova e, alternativamente, a readequação/conversão do empréstimo de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado (evento 1, INIC1 - autos de origem).

Recebida a petição inicial, deferiu-se a gratuidade da justiça, decretou-se a inversão do ônus da prova e indeferiu-se a tutela de urgência (evento 8, DESPADEC1).

Citada, a instituição financeira apresentou contestação (evento 16, CONT1) e juntou documentos.

Houve réplica (evento 20, PET1).

Sentenciando (evento 23, SENT1), o Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial, nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulado por ACACIO LHEVICHESKI SOBRINHO contra o BANCO BMG S.A.

Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, sobretudo em razão da baixa complexidade da demanda e do julgamento antecipado, ex vi o disposto no art. 85, § 2º, do CPC, suspensa a exigibilidade em razão do deferimento dos benefícios da gratuidade da justiça.

Inconformada com a prestação jurisdicional, a parte autora interpôs recurso de apelação (evento 27, APELAÇÃO1), no qual pugna pela reforma da sentença, e, consequentemente, o provimento do recurso para julgar procedentes os pedidos deduzidos na exordial.

Intimado, o apelado apresentou contrarrazões (evento 33, CONTRAZ1).

Após, vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por Acácio Lhevicheski Sobrinho contra a sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Joaçaba que, nos autos da "ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual c/c restituição de valores, com pedido de tutela de urgência e indenização por dano moral", julgou improcedentes os pedidos exordiais.

Presentes os requisitos de admissibilidade, passa-se à análise da quaestio.

1. Contrato de cartão de crédito consignado

No caso em análise, denota-se da narrativa inicial que o autor pretendia firmar contrato de empréstimo consignado com o banco réu mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Entretanto, foi-lhe concedido cartão de crédito consignado, por meio do qual foram promovidos descontos no seu benefício previdenciário, realizados a título de reserva de margem consignável (RMC), os quais são indevidos, pois não autorizados.

Pois bem. De início, cumpre ressaltar que se trata induvidosamente de relação de consumo, sujeita à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova para a facilitação dos direitos do autor, uma vez que configurada a hipossuficiência técnica e financeira em relação à instituição financeira (art. 6º VIII, CDC).

In casu, compulsando os autos, extrai-se da documentação acostada que o apelante firmou, em 15.08.2018, com o Banco o "Termo de Adesão Cartão Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento", sob o n. adesão 50717094 (evento 16, CONTR4), do qual se originou a reserva de margem para cartão de crédito n. 13503446, cuja data de inclusão ocorreu em 16.01.2018 (evento 1, OUT5).

As faturas acostadas ao feito demonstram que o cartão de crédito cedido ao recorrente jamais fora utilizado na sua função precípua, qual seja, aquisição de produtos e serviços de consumo, visto que os únicos lançamentos deduzidos se referem, justamente, aos saques disponibilizados via "TED"(evento 16, COMP5,evento 16, COMP6,evento 16, COMP7,evento 16, COMP8,evento 16, COMP9,evento 16, COMP10,evento 16, COMP11), bem como aos demais encargos de refinanciamento (evento 16, FATURA14,evento 16, FATURA15). Resta evidente, portanto, na verdade, tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável.

Assim, em que pese o banco tenha apresentado o contrato firmado entre as partes, bem como haja cláusula expressa autorizando a reserva de margem consignável, tal fato, por si só, não confere legitimidade à avença, tampouco permite inferir-se extreme de dúvidas que, efetivamente, a parte autora possuía conhecimento sobre as características da avença celebrada.

Além disso, o valor descontado do benefício previdenciário, através do "empréstimo RMC", reserva-se ao pagamento mínimo indicado nas faturas mensais do cartão, resultando, assim, na contratação de crédito rotativo quanto ao saldo remanescente, com incidência de juros altíssimos, típicos de contratos de cartões de crédito. Tais situações são práticas consideradas abusivas e vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

É o que se extrai dos arts. 39, III e IV, e 51, IV, da mencionada Lei:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...] III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

Cumpre destacar que os serviços bancários em especial se revestem de complexidades e são altamente passíveis de expor os clientes a riscos, o que impõe deveres e redobrados cuidados aos prestadores. Bem por isso, a Resolução nº 3694/2009, do Conselho Monetário Nacional, dispunha:

Art. 1º As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços, devem assegurar:[...]

III - a prestação das informações necessárias à livre escolha e à tomada de decisões por parte de clientes e usuários, explicitando, inclusive, direitos e deveres, responsabilidades, custos ou ônus, penalidades e eventuais riscos existentes na execução de operações e na prestação de serviços; [...];

V - a utilização de redação clara, objetiva e adequada à natureza e à complexidade da operação ou do serviço, em contratos, recibos, extratos, comprovantes e documentos destinados ao público, de forma a permitir o entendimento do conteúdo e a identificação de prazos, valores, encargos, multas, datas, locais e demais condições.

Compulsando os autos, não se identificam elementos indicativos de que na fase pré-contratual foram apresentadas ao autor informações claras e adequadas acerca da modalidade de crédito que estava sendo contratada...

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