Acórdão Nº 5003953-71.2019.8.24.0002 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 07-04-2022

Número do processo5003953-71.2019.8.24.0002
Data07 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003953-71.2019.8.24.0002/SC

RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO

APELANTE: ANGELA LUCIA SIQUEIRA (AUTOR) APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por ANGELA LUCIA SIQUEIRA contra a sentença (evento 16, SENT1) proferida pelo Juízo da Unidade Regional de Direito Bancário do Extremo Oeste Catarinense da comarca de Anchieta que, nos autos da "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada" ajuizada em desfavor de BANCO CETELEM S.A., julgou improcedentes os pedidos iniciais.

O dispositivo da sentença foi redigido nos seguintes termos:

Do exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos deduzidos por Angela Lucia Siqueira em desfavor do Banco Cetelem S.A.

Por consequência, revogo a tutela de urgência deferida no evento 3.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios do procurador da parte ré, estes fixados no montante equivalente a 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º do Novo Código de Processo Civil, suspensa a exigibilidade, uma vez que a parte autora é beneficiária da justiça gratuita (evento 3).

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação cível (evento 21, APELAÇÃO1), no qual sustenta, em síntese: que nunca contratou ou pretendeu contratar os serviços de cartão de crédito consignado (RMC); que nunca solicitou, recebeu ou utilizou o cartão de crédito supostamente disponibilizado; que foi induzida em erro ao contratar produto bancário diverso do almejado, porquanto nunca desejou qualquer cartão de crédito, apenas um empréstimo consignado padrão; e, que a prática realizada pelo réu induz o consumidor a acreditar ter realizado um empréstimo consignado "normal", porém os descontos realizados diretamente do benefício previdenciário da apelante se limitam a pagar apenas os encargos do cartão supostamente utilizado, tornando, assim, a dívida impagável.

Aduz a apelante que o contrato é nulo, uma vez que a cláusula que permite o desconto do débito oriundo de cartão de crédito diretamente no benefício previdenciário coloca o consumidor em exagerada desvantagem perante a instituição financeira; que houve falha na prestação de serviço em razão da falta de informações claras acerca da contratação que estava sendo formalizada; que há dano moral "in re ipsa", uma vez que o banco réu debita mensalmente parcela de natureza salarial da autora por um serviço nunca contratado.

Requereu o provimento do apelo e a reforma da sentença, para que seja declarada a nulidade da contratação de empréstimo consignado na modalidade RMC, com a condenação do banco réu/apelado a restituir em dobro os valores descontados a título de RMC, bem como ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Pugnou, ainda, pelo redimensionamento e pela majoração dos honorários advocatícios, a fim de que sejam fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, bem como pela condenação da parte recorrida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Ao final, formulou pedido de prequestionamento.

Apresentadas contrarrazões (evento 30, CONTRAZ2), ascenderam os autos a esta Corte.

VOTO

Trata-se de apelação cível interposta por Angela Lucia Siqueira contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos por ela formulados na "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada" ajuizada em desfavor de Banco Cetelem S.A.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

1 Do contrato de cartão de crédito consignável

Cinge-se a controvérsia acerca da contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, por meio do qual é permitido ao banco credor a retenção de valores mediante reserva de margem consignável (RMC) em benefício previdenciário.

A parte autora/apelante afirma ser nula a contratação do empréstimo consignado via cartão de crédito, com reserva de margem consignável (RMC), ao argumento de que foi induzido em erro pelo banco réu, uma vez que sua intenção era apenas contratar um empréstimo consignado como tantos outros já celebrados entre as partes.

O banco réu/apelado, por sua vez, sustentou a regularidade e a legalidade da contratação.

Pois bem.

Inicialmente, necessário referir que o desconto denominado "reserva de margem consignável" (RMC) é o "limite reservado no valor da renda mensal do benefício para uso exclusivo do cartão de crédito" (art. 2º, XIII, da Instrução Normativa n. 28/INSS/PRES, de 16 de maio de 2008).

E tal desconto possui previsão legal, conforme disposto no art. 6º da Lei n. 10.820/2003, com a redação dada pela Lei n. 13.172/2015:

Art. 6º. Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.

[...]

§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (grifei).

No presente caso, o banco réu comprovou a existência de liame contratual entre as partes mediante a juntada da "Proposta de Adesão - Cartão de Crédito Consignado" (evento 10, OUT2 - fls. 1-3).

Além disso, o comprovante de TED (evento 8, ANEXO2 - fl. 1) comprova a efetivação do depósito do valor referente à "liberação de operações de crédito", no montante de R$ 1.121,12 (um mil cento e vinte e um reais e doze centavos) em conta-corrente de titularidade da autora. Assim, infere-se que houve a formalização de contrato entre as partes, bem como a liberação do valor referente ao saque do cartão de crédito na conta-corrente da autora.

Ressalta-se, no entanto, que a autora não nega ter celebrado contrato de empréstimo com o réu, o qual afirma ter pactuado (evento 1, INIC1 - fl. 2). A sua irresignação diz respeito à modalidade do empréstimo realizado, haja vista que sua intenção era contratar um empréstimo consignado "normal", e não um empréstimo via "saque" em cartão de crédito, com reserva de margem consignada (RMC) de 5% (cinco por cento) de seu benefício, a qual somente abate parcela mínima da fatura do cartão.

Com efeito, ao que se infere das faturas juntadas pelo réu/apelado (evento 8, ANEXO2 - fls. 2-42), com vencimentos de 5-12-2016 a 5-4-2020, o valor sacado (R$ 1.121,12) foi cobrado integralmente e de uma única vez na primeira fatura do cartão de crédito, acrescido de IOF e encargos de financiamento, elevando a dívida para R$ 1.159,53 (um mil cento e cinquenta e nove reais e cinquenta e três centavos).

Na fatura seguinte (5-1-2017), o valor cobrado foi de R$ 1.166,90 (um mil cento e sessenta e seis reais e noventa centavos), com pagamento mínimo de R$ 43,47 (quarenta e três reais e quarenta e sete centavos). Referido pagamento mínimo é pouco superior aos encargos contratuais incidentes em tal fatura (R$ 38,77).

Observa-se, portanto, que o pagamento mínimo da fatura - que é aquele descontado pela reserva de margem consignável - mal serve para abater os encargos moratórios e os valores referentes ao IOF, o que torna a dívida quase infindável, porquanto acrescida mensalmente de encargos moratórios invencíveis, que dificultam a sua quitação em um tempo razoável, ainda mais considerando o valor bruto do benefício previdenciário recebido pela autora (R$ 880,00 - evento 10, OUT2 - fl. 6).

Ademais, infere-se das faturas juntadas que não houve a utilização do cartão de crédito para nenhuma outra compra, o que corrobora a alegação da autora de que sua intenção era apenas contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o qual serviu exclusivamente para a finalidade de saque.

Nesse prisma, é evidente que a avença celebrada em modalidade diversa daquela pretendida pela autora - com prazo e valores fixos - mostra-se mais onerosa e prejudicial ao consumidor, o qual, se tivesse real conhecimento de todas as cláusulas contratuais incidentes, jamais buscaria tal meio de crédito, que lhe coloca nessa situação de tamanha desvantagem.

Por bem esclarecer as peculiaridades concernentes ao tema em questão, notadamente a diferença entre o empréstimo consignado e o empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), cabe colacionar excerto de julgado proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella nos autos da Apelação Cível n. 5000301-75.2020.8.24.0175:

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT