Acórdão Nº 5003969-10.2019.8.24.0007 do Terceira Câmara de Direito Público, 16-08-2022

Número do processo5003969-10.2019.8.24.0007
Data16 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003969-10.2019.8.24.0007/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: MUNICÍPIO DE GOVERNADOR CELSO RAMOS (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Biguaçu, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou ação civil pública contra o Município de Governador Celso Ramos alegando que instaurou Inquérito Civil n. 06.2015.00006187-8, com a finalidade de apurar a questão referente à impossibilidade da prestação regular de entrega domiciliar de correspondências em todos os bairros do Município de Governador Celso Ramos; que a Municipalidade restou omissa quanto à atualização do georreferenciamento municipal e mapeamento de todos os logradouros das áreas rurais e urbanas, assim como à devida identificação dos logradouros com placas e numeração das residências; que o demandado não está tendo regular distribuição das correspondências nos bairros: Jordão, Canto dos Ganchos, Areias do Meio, Areias de Baixo, Costeira da Armação, Caeira e Areias de Cima; que nos bairros acima elencados, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) informou que os serviços postais são atendidos por meio da caixa postal comunitária instalada em cada uma das comunidades; que o Município prestou informações no ano de 2018 aduzindo "não estar medindo esforços para solucionar a situação". Postulou, em caráter liminar, que o Município, no prazo de 12 meses, atualize o georreferenciamento municipal e o mapeamento de todos os logradouros das áreas rurais e urbanas e, a partir disso, promova a colocação de placas indicativas com o nome de ruas, a numeração ordenada das residências e a colocação de caixas recepctoras nos imóveis, com a finalidade de tornar efetivo o serviço postal de entrega domiciliar em todo o território municipal, em especial, nos bairros: Jordão, Canto dos Ganchos, Areias do Meio, Areias de Baixo, Costeira da Armação, Caeira e Areias de Cima e Camboa e, ao final, a confirmação da medida liminar com a procedência do pedido inicial.

O pedido liminar foi indeferido.

Citado, o Município contestou a lide alegando que a presente ação fere o princípio constitucional da autonomia municipal, além de representar indevida intervenção do Poder Judiciário em relação ao Executivo; que não possui responsabilidade quanto à colocação de caixas receptoras de correios nos imóveis de particulares; que há pretensão de estruturação do serviço de entrega domiciliar de correspondências em todos os bairros do Município; que não pode o demandado ser compelido a promover a identificação ordenada das residências; que publicou Edital de Pregão Presencial n. 110/2019, para contratação de empresa especializada para modernização da gestão tributária e territorial, mapeamento aerofotogramétrico, sistema de informação geográfica (SIG), atualização cadastral e da planta genérica de valores, geoprocessamento corporativo, capacitação e treinamento para o município; que o processo licitatório está em análise de recurso; que o Município providenciou os procedimentos legais necessários à modernização da gestão territorial com mapeamento aerofotogramétrico para facilitar a pretensão regular de entrega domiciliar de correspondências no Município; que o pedido inicial deve ser julgado improcedente.

Impugnados os argumentos da contestação, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos foi intimada para se manifestar nos autos.

Prestadas informações pela ECT - Correios, as partes se manifestaram sobre o documento por ela apresentado.

Posteriormente, foi proferida sentença nos seguintes termos:

"Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para CONDENAR o requerido ao cumprimento das obrigações de fazer consistentes em, no prazo de 12 (doze) meses, atualizar o georreferenciamento municipal e o mapeamento de todos os logradouros das áreas rural e urbana e, a partir disso, promover a colocação de placas indicativas com o nome das ruas, a numeração ordenada das residências e a colocação de caixas receptoras nos imóveis, a fim de tornar efetivo o serviço postal de entrega domiciliar em todo o território municipal.

"DEFIRO a tutela provisória de urgência postulada para determinar que o requerido cumpra as determinações constantes do dispositivo supra.

"Fixo multa mensal de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o caso de descumprimento desta decisão, a ser revertida para o Fundo de Reconstituição de Bens Lesados".

Inconformado, o Município interpôs recurso de apelação repisando, em síntese, os termos expendidos na contestação, inclusive no sentido de que não pode o Poder Judiciário impor, por meio decisão judicial, ao Poder Executivo que realize determinados procedimentos administrativos; que não deve ser compelido a colocar numeração ordenada das residências e de caixas receptoras nos imóveis; que o valor da multa mensal fixada pelo juízo é desproporcional e desarrazoado.

Concomitantemente, formulou neste Tribunal o pedido de efeito suspensivo à apelação n. 506010-17.2021.8.24.0000, no qual o pleito de urgência foi indeferido.

Com as contrarrazões, em seguida, os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça que, no parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Jacson Côrrea, opinou pelo desprovimento do recurso.

Trasladadas cópias do incidente de pedido de efeito suspensivo para estes autos, o Município interpôs agravo interno e, após nova manifestação ministerial, os autos vieram conclusos.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de Governador Celso Ramos contra a sentença proferida na ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual que julgou procedente o pedido formulado na vestibular.

Alega o apelante, em suas razões recursais:

i) Determinar que o Município faça em apenas 12 meses o georreferenciamento de todo seu território é uma manifesta afronta à Separação dos Poderes (Evento 42, Apelação 1, p. 04);

ii) Com efeito, não pode um dos Poderes adentrar a esfera de competências de outro, determinando como este deve agir, tomando decisões que lhe competem. Não cabe ao Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo que realize atos concretos de administração que dependem de juízos de conveniência e oportunidade que somente a este cabe (Evento 42, Apelação 1, p. 06)

iii) Qualquer decisão judicial que obrigue o Município de Governador Celso Ramos a agir de determinada maneira com relação ao objeto pretendido na demanda ferirá os princípios administrativos (legalidade, moralidade, dentre outros), bem como a independência dos Poderes, razão pela qual a revogação da sentença é medida que se impõe (Evento 42, Apelação 1, p. 07);

iv) Requer-se, então, a revogação da sentença no que se refere à condenação municipal de colocação de números nas residências e caixas receptoras de correspondências nos respectivos imóveis, face a absoluta ausência de lei e a afronta aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (Evento 42, Apelação 1, p. 09);

v) Realizar todas as determinações deferidas na sentença em apenas 12 (doze) meses é impraticável. O tempo é exíguo para tanto. Qualquer atraso de 6 (seis) meses na finalização das determinações, pode levar o Município a ser executado em mais de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), onerando ainda mais o erário. Portanto, tem-se que o valor arbitrado a título de multa mensal é desproporcional face ao contexto fático-processual apresentado nestes autos, requerendo-se, por conseguinte, a redução para R$ 1.000,00 (um mil reais) mensal, limitado a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) (Evento 42, Apelação 1, p. 10).

Requereu, assim, a improcedência do pedido inicial e, subsidiariamente, a redução da valor fixado a título de multa mensal, bem como "seja REVOGADA a sentença no que se refere à condenação municipal de colocação de números nas residências e caixas receptoras de correspondências nos respectivos imóveis, face a absoluta ausência de lei e a afronta aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade" (Evento 42, Apelação 1, p. 11).

Pois bem!

A discussão travada nos autos corresponde à questão vinculada ao dever da Municipalidade de adequar os logradouros das áreas rural e urbana, com a finalidade primordial de permitir que o serviço de entrega de correspondências ocorra de forma adequada e eficiente a todos os munícipes.

Embora a Municipalidade alegue, de forma exaustiva, que não pode o Judiciário interferir nas funções inerentes ao Poder Executivo, da análise dos autos se pode observar que o pedido autoral merece guarida e a questão tratada nos autos foi examinada com muita percuciência pelo MM. Juiz, Dr. César Augusto Vivan, razão pela qual os motivos expendidos na sentença, que a seguir serão transcritos, passam a integrar os fundamentos desta decisão:

"A questão vertida nestes autos comporta o julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, pois não se vislumbra a necessidade da produção de outras provas além das documentais já acostadas aos autos, que autorizam pronunciamento jurisdicional seguro.

"Sabe-se que compete à União manter o serviço postal (art. 21, inciso X, da CF/88), entretanto não é este o objeto do presente feito, que se fundamenta, em síntese, na alegada omissão do Município de Governador Celso Ramos em adequar os logradouros das áreas rural e urbana do município, de modo a permitir a adequada prestação do serviço de entrega de correspondências pelos Correios a todos os bairros, situação que sem sombra de dúvidas está inserida dentre as atribuições constitucionais dos municípios.

"Isso porque, dentre as competências atribuídas aos municípios pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu art. 30, destaca-se a de "VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano". Além disso, a Constituição também estabelece em seu art. 182 que 'A política...

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