Acórdão Nº 5003974-28.2021.8.24.0018 do Quarta Câmara de Direito Civil, 25-05-2023

Número do processo5003974-28.2021.8.24.0018
Data25 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5003974-28.2021.8.24.0018/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5003974-28.2021.8.24.0018/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO


APELANTE: LURDES DE FATIMA LUIZ DA SILVA (AUTOR) APELANTE: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Lurdes de Fatima Luiz da Silva (autora) e Banco Itaú Consignado S.A. (réu) interpuseram recursos de apelação contra sentença (Evento 88, SENT1, dos autos de origem) que, na ação declaratória de inexistência de débito (relação jurídica) com pedido de restituição de descontos indevidos e compensação por abalo moral, aforada pelo primeiro em desfavor do segundo, julgou procedentes os pedidos exordiais.
Em atenção aos princípios relacionados à economia e à celeridade processual, adota-se para o relatório e esclarecimento dos fatos o mesmo redigido pelo Magistrado de Origem na sentença (Evento 88), porquanto retrata suficientemente a questão em litígio e a tramitação da demanda a ser julgada. Vide:
1. LURDES DE FATIMA LUIZ DA SILVA ajuizou ação declaratória de inexistência de débito cumulada com compensação por danos morais e materiais contra BANCO ITAU CONSIGNADO S.A.
2. Relatou que foi surpreendida com o depósito da importância de R$ 1.385,67 (um mil trezentos e oitenta e cinco reais e sessenta e sete centavos) em sua conta bancária.
3. Aduziu que ao verificar extrato de seu benefício previdenciário, constatou a averbação de empréstimo consignado com o demandado, o qual alega não ter contratado. Em reclamação junto ao PROCON, não teve resposta.
4. Pugnou tutela de urgência para suspensão dos descontos. Ao final, requereu a declaração de inexistência de débito, a restituição dos valores desembolsados, bem como a condenação do requerido ao pagamento de compensação por dano moral.
5. Tutela de urgência foi indeferida (EV9)
6. Citado, o réu Banco Itaú Consignado contestou o feito (EV 16). Disse que o contrato foi firmado pela parte autora livre de vícios e a assinatura constante no instrumento firmado é idêntica àquela constante de seus documentos pessoais. Defendeu que o saque por terceiro evidencia culpa exclusiva da vítima e alegou que inexiste dever de indenizar. Objurgou os pedidos de repetição e dobro e compensação por dano moral. Arrematou com pedido de improcedência.
7. Houve réplica (EV 20).
8. O feito foi saneado, oportunidade em que determinada a realização de prova pericial (EV 23).
9. Sobreveio laudo (EV 72).
Sentenciando, o Togado de primeiro grau julgou a lide nos seguintes termos:
29. Ante o exposto, com fulcro no art. 487, inc. I do Código de processo Civil, RESOLVO O MÉRITO e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos constantes na exordial, pondo fim à fase cognitiva do procedimento de conhecimento, na forma do artigo 203, §1º e, em consequência:
(a) reconhecer a inexistência do negócio jurídico consistente no empréstimo consignado discutido nestes autos (EV 16, contrato 2) e determinar a imediata cessação dos descontos;
(b) condenar o réu à restituição em dobro dos valores cobrados, sendo que a quantia deverá ser atualizada monetariamente pelo INPC a contar do desembolso, bem assim acrescida de juros de mora na base de 1% ao mês a contar da citação; permitida a compensação com os valores depositados na conta da autora.
30. Diante da sucumbência recíproca (CPC, art. 86), CONDENO autora e réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, na proporção de 30% (trinta por cento) para a autora e 70% (setenta por cento) para a parte ré. Arbitro a verba em 10 % (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
31. No que se refere à parte autora, exigibilidade suspensa em razão do deferimento da gratuidade da justiça.
Inconformadas com a prestação jurisdicional, as partes apelaram e apresentaram suas razões recursais.
A autora (Evento 96, APELAÇÃO1, p. 1-6) insurge-se tão somente para pleitear a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais ditos suportados pelo episódio e afastados na sentença, sob o argumento em suma de que houve "um dano do qual prescinde de comprovação, justamente por se tratar de danos in re ipsa, na medida em que decorrem do próprio fato ilícito" (p. 3) e "não há como fecharmos os olhos, para o fato de que uma pessoa idosa, que recebe um singelo benefício previdenciário, cuja vida já é comprometida com gastos ordinários (remédios, energia elétrica, água, alimentação), não tenha sofrido danos, morais, quando descobriu que foi vítima de uma fraude contratual, e que por meses, viu a sua aposentadoria sendo extirpada pela instituição financeira ora recorrida" (p. 5-6).
O banco demandado, por sua vez (Evento 101, APELAÇÃO1, p. 1-8), aduz, em síntese, ter sido lícita a contratação, porquanto foram apresentados para a confecção do negócio jurídico todos documentos necessário, e firmado com similitude à identidade do postulante, que, ademais recebeu o valor contratado mediante transferência bancária.
Afirma, ainda na tentativa de justificar a regularidade do negócio jurídico que "a perícia realizada não pode ser considerada como prova absoluta, porquanto falível. Nessa senda, o laudo pericial não pode prevalecer em detrimento do extenso arcabouço probatório produzido pelo Banco Apelante, principalmente com relação à extrema semelhança presente entre a firma aposta na cédula contratual e no documento pessoal apresentado pela Apelada no momento da celebração do negócio jurídico sub judice" (p. 2).
Também argumenta que "acaso tratar-se de contratação realizada mediante fraude, o que não se admite, apenas argumenta-se, estar-se-ia diante da hipótese de exclusão da responsabilidade do fornecedor do serviço por culpa exclusiva de terceiro, nos moldes do art. 14, § 3°, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. Dizse isso porque, é evidente, na hipótese de ter sido a parte autora vítima de falsários, o que não se admite, ambas as partes foram vitimadas por peritos fraudadores, lesando principalmente o Banco, que, reitere-se, disponibilizou o valor do empréstimo à recorrida sem ter a devida contraprestação pelo serviço contratado" (p. 6).
Aduz não haver se falar em restituição de valores e que "é incabível eventual repetição de indébito na forma dobrada, com base no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que somente a cobrança de má-fé, que exponha o devedor à situação vexatória e ofensiva, autoriza a devolução em dobro do que pagou, hipótese não configurada no caso" (p. 7).
Refuta, por fim, a possibilidade de condenação de seu dever de compensação por suposto abalo moral, uma vez que "não se trata de hipótese de dano moral in re ipsa, sendo que, tampouco, há nos autos prova de que a ação realizada tenha causado dor, sofrimento, humilhação ou mesmo desequilíbrio em sua vida financeira, a caracterizar eventual dano a sua honra. Ainda, não se vislumbra ofensa a qualquer atributo da personalidade capaz de gerar o dever de compensação por dano moral. Em verdade, a situação experimentada representa mero transtorno" (p. 6), não sendo reconhecido, pede alternativamente a minoração do valor fixado em primeiro grau.
Intimadas, as partes apresentaram contrarrazões ( Evento 106, CONTRAZ1 e Evento 108, CONTRAZ1) requerendo o desprovimento do apelo da parte adversa.
Distribuídos os autos, então, vieram conclusos.
Este é o relatório

VOTO


Trata-se de recursos de apelação combatendo sentença proferida em ação declaratória de inexistência de relação jurídica cumulada com obrigação de fazer e pedido de compensação por abalo moral, demanda na qual se discute a inexistência de negócio jurídico firmado entre as partes para empréstimo consignado com descontos em benefício previdenciário, bem como as consequências jurídicas da requerida invalidação e danos anímicos decorrente dos fatos.
De início, prudente destacar que a sentença foi proferida na vigência do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise dos recursos, por incidência do princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
Os reclamos são cabíveis, tempestivos, sendo que a parte autora está dispensada do recolhimento do preparo, porquanto litiga amparada pela Justiça Gratuita deferida em seu favor (Evento 9, DESPADEC1) e o banco recolhe o preparo (Evento 101, GUIADEP2), razão pela qual se admite a análise e o processamento das insurgências.
Adianta-se, todavia, que o recurso do autor não comportará acolhimento e o reclamo do réu deverá ser parcialmente provido, conforme abaixo se discorrerá.
I - Da apreciação segundo normas protetivas estabelecida no CDC:
Consigna-se que a relação estabelecida entre as partes é de consumo, porquanto presentes as figuras do art. e do Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual incidem na hipótese as normas protetivas do referido Códex, o que inclusive foi reconhecido nos autos de origem antes mesmo da sentença e sem oposição do réu (Evento 23, DESPADEC1).
Desse modo, a legislação consumerista, por sua natureza protetiva, preconiza a responsabilidade civil objetiva relativa aos danos causados, fundamentada pela teoria do risco (artigo 927, parágrafo único, do Código Civil e artigos 12, 14 e 17 do CDC), ao passo que a demonstração da culpa do fornecedor de serviços, salvo exceção legal, é prescindível.
Com efeito, conforme a orientação da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça, "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".
Sobre o tema, Sérgio Cavalieri Filho leciona que:
[...] todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este...

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