Acórdão Nº 5004019-84.2020.8.24.0012 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 01-11-2022

Número do processo5004019-84.2020.8.24.0012
Data01 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5004019-84.2020.8.24.0012/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5004019-84.2020.8.24.0012/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: PRUDENTE GONCALVES DOS SANTOS (AUTOR) ADVOGADO: JEFFERSON LAURO OLSEN (OAB SC012831) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por PRUDENTE GONCALVES DOS SANTOS e BANCO BMG S.A contra sentença de parcial procedência, oriunda da 2ª Vara Cível da Comarca de Caçador (evento 18), prolatada na denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, nos seguintes termos:

Ante o exposto, ACOLHO PARCIALMENTE o pedido formulado por Prudente Goncalves dos Santos contra Banco BMG S/A., para o fim de: a-) DECLARAR NULO o contrato de empréstimo com garantia de reserva de margem consignável em cartão de crédito (RMC), com o retorno das partes ao statuos quo ante; b-) CONDENAR a parte a requerida a proceder à devolução dos valores descontados em dobro, corrigidos monetariamente pelo INPC, a partir de cada desconto indevido, com juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, mediante a compensação com o valor disponibilizado ao consumidor, o qual deverá ser acrescido de correção monetária pelo INPC desde o recebimento. JULGO EXTINTO O PROCESSO, com resolução de seu mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.

Diante da sucumbência recíproca, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC, as custas processuais deverão ser suportadas na proporção de 70% pela parte ré e 30% pela parte autora, arbitrando-se os honorários em 10% do valor atualizado da causa, cabendo 70% desse valor ao procurador da autora e 30% ao procurador da instituição financeira. Ante o deferimento dos benefícios da justiça gratuita à parte autora, suspendo, somente em relação a ela, a exigibilidade das despesas decorrentes de sua sucumbência, pelo prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 98, §§ 1º a 3º, do CPC.

Em suas razões recursais (evento 28), a casa bancária ventila o transcurso do prazo prescricional trienal. Sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito, na forma simples.

Por sua vez, a autora (evento 23) requer a devolução em dobro e majoração dos danos morais, com a incidência de correção monetária desde a data do indevido desconto e juros de mora a partir da citação, bem como dos honorários advocatícios.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 34 e 35).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Prescrição (preliminar ventilada pela instituição financeira)

Alega a demandada que, no caso em análise, aplica-se a prescrição trienal, conforme regra disposta no art. 206, § 3º, inciso IV do Código Civil, por se atrelar ao ressarcimento de enriquecimento sem causa.

Enuncia referido dispositivo: "Art. 206. Prescreve: [...] § 3º. Em três anos: [...] IV a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; a pretensão de reparação civil; [...]".

Todavia, conforme tem se manifestado este Órgão Fracionário, "a pretensão da demandante tem natureza dúplice, qual seja, declaratória, que visa a nulidade do contrato em razão de abusividades e condenatória, que almeja o ressarcimento pelos descontos indevidos, bem como a indenização por danos morais. Contudo, sob qualquer ótica, seja quanto a pretensão declaratória ou, ainda, a condenatória, não há falar em prescrição" (Apelação Cível n. 0302134-35.2019.8.24.0092, rel. Des. Rejane Andersen, j. em 24/9/2019), porquanto em se tratando de relação de trato sucessivo, no qual, a cada desconto indevido, surge uma nova lesão, o prazo prescricional começa a fluir a partir da data do última dedução realizada no benefício previdenciário da autora.

Nesse sentido:

É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido (STJ,AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019) (sem grifos no original)

E:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o entendimento desta Corte, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. No tocante ao termo inicial do prazo prescricional, o Tribunal de origem entendeu sendo a data do último desconto realizado no benefício previdenciário da agravante, o que está em harmonia com o posicionamento do STJ sobre o tema: nas hipóteses de ação de repetição de indébito, "o termo inicial para o cômputo do prazo prescricional corresponde à data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento" (AgInt no AREsp n. 1056534/MS, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 20/4/2017, DJe 3/5/2017). Incidência, no ponto, da Súmula 83/STJ. 3. Ademais, para alterar a conclusão do acórdão hostilizado acerca da ocorrência da prescrição seria imprescindível o reexame do acervo fático-probatório, vedado nesta instância, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 1372834/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 29/3/2019) (sem grifos no original)

Dessarte, ainda que aplicada a contagem do prazo prescricional de três anos insculpido no art. 206, § 3º, do Código Civil, evidencia-se que sequer teve seu curso iniciado, porquanto o dano discutido cessou somente após o ajuizamento da presente demanda.

Portanto, rejeita-se a rebeldia, no ponto.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa...

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