Acórdão Nº 5004035-57.2020.8.24.0135 do Primeira Câmara Criminal, 08-09-2022

Número do processo5004035-57.2020.8.24.0135
Data08 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5004035-57.2020.8.24.0135/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: MARCELO DOS SANTOS JUNIOR (ACUSADO) ADVOGADO: MICHEL MANHAES (OAB SC031583) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público da comarca de NAVEGANTES ofereceu denúncia em face de Marcelo dos Santos Junior, dando-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, em razão dos seguintes fatos:

FATO 1:

No dia 23 de junho de 2020, por volta das 11h20min, na Rua Antônio Saturnino Cardoso, s/n, bairro São Domingos, na Cidade de Navegantes/SC, o denunciado trazia consigo e guardava em sua residência, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 395g (trezentas e noventa e cinco gramas) de substância vulgarmente conhecida como maconha, 78g (setenta e oito gramas) de cocaína e 35 gramas de substância denominada como crack, para fins de comercialização.

Infere-se dos autos que policiais militares efetuavam rondas pela região, oportunidade em que flagraram Marcelo em via pública pilotando uma moto com registro de furto. Abordado e realizada a revista pessoal, os agentes apreenderam 10 porções de cocaína embaladas em seu bolso direito.

Após, em buscas realizadas na residência do denunciado, houve a apreensão de um torrão maior e 76 pedras fracionadas de crack, maconha e cocaína embaladas para comercialização e mais R$ 225,00 (duzentos e vinte e cinco reais) em notas de pequeno valor.

FATO 2:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, o denunciado foi flagrado conduzindo, em proveito próprio, a motocicleta 2810-Honda/CG 150 JOB, placa MEV 4202, ano 2004/2005, que sabia ser produto de crime.

Depreende-se dos autos que o denunciado adquiriu a moto de uma oficina mecânica pelo valor de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), e não do proprietário registrado, desacompanhada de documentação idônea. Além disso, a motocicleta possuía registro de furto ao tempo da sua aquisição (evento 1/PG, 24-6-2020).

Sentença: a juíza de direito Helena Vonsovicz Zeglin julgou procedente a denúncia para condenar Marcelo dos Santos Junior:

a) pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos de reclusão e ao pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos;

b) pela prática do crime previsto no art. 180 do Código Penal, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos;

c) em concurso material dos crimes apontados nos itens anteriores, totalizou 6 (seis) anos de reclusão, a ser resgatado no regime semiaberto, e pagamento de 510 (quinhentos e dez) dias-multa, negando-lhe o direito de recorrer em liberdade (evento 114/PG - 24-4-2021).

Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para o Ministério Público.

Recurso de apelação de Marcelo dos Santos Junior: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que:

a) o apelante faz jus ao benefício estampado no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006;

b) inexiste prova da materialidade do ilícito previsto no caput do art. 180 do CP, uma vez que não resultou demonstrado que os bens apreendidos em poder do apelante eram produto do crime.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, de modo a minorar a pena prevista no crime de tráfico de drogas e absolvê-lo do crime de receptação e, consequentemente, substituir a reprimenda por restritivas de direitos. Por fim, requereu a fixação de honorários em favor do defensor dativo (evento 137/PG - 1-10-2021).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que:

a) não pairam dúvidas da dedicação ao crime, uma vez que o "réu foi preso no dia 23 de junho de 2020 e, uma vez solto, voltou a ser flagrado traficando drogas no dia 09 de setembro de 2020 (cerca de dois meses após a primeira prisão, autos 50058785720208240135)";

b) evidenciado nos autos que a moto apreendida era produto do crime, não pairam dúvidas acerca da conduta delitiva descrita no caput do art. 180 do CP.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 143/PG - 8-10-2021).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Rui Arno Richter opinou pelo conhecimento e provimento parcial do recurso, tão somente para fixar honorários em favor do defensor dativo (evento 8/SG - 8-8-2022).

Este é o relatório que passo ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Revisor.

Documento eletrônico assinado por CARLOS ALBERTO CIVINSKI, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2574848v8 e do código CRC 3cfd35c7.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CARLOS ALBERTO CIVINSKIData e Hora: 13/9/2022, às 20:0:4





Apelação Criminal Nº 5004035-57.2020.8.24.0135/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: MARCELO DOS SANTOS JUNIOR (ACUSADO) ADVOGADO: MICHEL MANHAES (OAB SC031583) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche parcialmente os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser parcialmente conhecido.

Isso porque, como se verá adiante, resultou prejudicado o pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, condicionado ao acolhimento dos demais pedidos.

Do mérito

No mérito, a insurgência recursal, como vertido no relatório acima, busca tão somente o reconhecimento do benefício previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, no tocante ao crime de tráfico de drogas e, em relação ao crime de receptação, almeja a absolvição, sob a alegação de ausência de materialidade, apoiado na assertiva de que não resultou evidenciada a origem ilícita do veículo encontrado em seu poder.

Como se vê, o âmbito de discussão apresentado, uma vez respeitado o princípio tantum devolutum quantum appellatum, limita o exame dos elementos que compõem o édito condenatório alcançado em primeiro grau.

Da materialidade do crime de receptação.

A tese defensiva, voltada contra a condenação do apelante pelo crime previsto no caput do art. 180 do Código Penal, encontra-se apoiada na alegação de que o bem apreendido em seu poder, uma motocicleta, ao contrário da conclusão lançada na sentença, não foi objeto de furto.

Para tanto, destaca:

O comunicante da ocorrência, supostamente genro do proprietário do veículo, afirmou que, após um acidente, foi buscar o veículo junto à Polícia Militar e ao pátio onde deveria estar e foi informado que o veículo não constava no sistema, sendo afirmado que o bem poderia ter sido enviado para o desmanche.

Diante da não localização do bem, o declarante "não foi mais atrás", posto que não lhe interessava mais o bem.

Afirmou ainda que o referido comunicante tão somente registrou a ocorrência de furto ao receber uma multa após os fatos. E, assim, com base na narrativa acima, concluiu que "a atitude do declarante não foi a de registrar a existência de furto do bem e sim de inconformismo pela existência de multa em relação a um bem abandonado".

Todavia, em que pese a tentativa da defesa em construir um melhor cenário em favor do apelante, é certo que a premissa aventada para afastar a materialidade do ilícito em exame não prospera.

Isso porque, muito embora o contexto em que a motocicleta foi retirada da posse da vítima traga dificuldade em identificar qual conduta delituosa foi praticada para retirá-la da sua esfera de proteção ou do Estado, não restam dúvidas de que, uma vez formalizado o registro policial, narrando a prática do crime de furto, tem-se possível o reconhecimento do crime de receptação em desfavor daquele que passa a exercer nova posse sobre o bem.

Afinal, a narrativa fornecida pela vítima, desapossada da motocicleta, permite tão somente concluir que esta foi retirada do local sem a sua anuência, privando-a do seu uso. Sem maiores detalhes sobre o contexto da colisão, bem como se a motocicleta chegou ou não a ser retirada do local por agentes públicos, é fato que, além do furto, outros crimes podem ter sido empreendidos com o fim de se obter indevida posse.

Em se tratando de bem cuja identificação e restrição de circulação é alvo de ampla regulamentação e controle, ainda que a motocicleta resultasse esquecida no local da colisão - hipótese pouco improvável, diga-se de passagem - ou no pátio do órgão de trânsito ou policial, após apreensão, a retirada por terceiro para uso próprio ou revenda, invariavelmente, resulta na prática de um crime patrimonial.

Logo, a assertiva de que não resultou configurada a materialidade delitiva passa ao largo da certeza de que o veículo possuía origem ilícita.

Ademais, a insurgência recursal nem sequer se volta quanto aos fundamentos apresentados na sentença, uma vez que a Togada sentenciante não identificou qualquer credibilidade na versão apresentada pelo réu/apelante de aquisição lícita do bem, pois desacompanhada de qualquer suporte probatório.

Assim, a fim de dirimir eventuais dúvidas, transcreve-se as conclusões contidas na decisão de primeiro grau:

Com efeito, o acusado, quando interrogado em juízo negou a prática do crime de receptação. Alegou que comprou a moto de Marcos Vinícius, proprietário de uma oficina mecânica, pela qual pagou uma entrada de R$ 1.000,00 (mil reais), de um total de R$ 3.000,00 (três mil reais) que pagaria parcelado pela motocicleta. Questionado acerca da documentação do veículo, esclareceu que o vendedor somente iria viabilizar os documentos de transferência, caso pagasse mais R$ 500,00...

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