Acórdão Nº 5004072-89.2019.8.24.0080 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 08-04-2021

Número do processo5004072-89.2019.8.24.0080
Data08 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5004072-89.2019.8.24.0080/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: GENTIL PEREIRA DA CRUZ (AUTOR) ADVOGADO: CINTHIA NAISSARA MAGRINI (OAB SC051965) ADVOGADO: CINTHIA NAISSARA MAGRINI APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610A)


RELATÓRIO


Gentil Pereira da Cruz interpôs recurso de apelação cível em face da sentença que, proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Xanxerê, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor na "ação de inexistência de relação jurídica relativa a cartão de crédito c/c indenização por dano moral".
Cuida-se, na origem, de "ação de inexistência de relação jurídica relativa a cartão de crédito c/c indenização por dano moral" aforada por Gentil Pereira da Cruz contra Banco BGN S/A (cetelem S/A), na qual pede o reconhecimento da inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito - ou, alternativamente, a conversão do crédito contratado em operação de empréstimo pessoal consignado -, bem como a condenação da instituição financeira ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, e a condenação ao pagamento de danos morais (evento 1/1G).
Ao receber a inicial (evento 3/1G), o juiz da causa concedeu a gratuidade da justiça ao autor.
Citado, o réu apresentou contestação (evento 9/1G, petição 1), argumentando, em síntese: (a) a ausência de pretensão resistida decorrente da regularidade da contratação realizada entre as partes, na medida em que a autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, que se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato; (b) a parte autora não tinha a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, sendo esta modalidade de crédito, que não constitui venda casada, a única operação viável para a concessão do valor perseguido; (c) a operação de saque via cartão de crédito com margem consignável e o empréstimo pessoal consignado tratam-se de operaçãos distintas, sendo incabível a conversão da operação em crédito pessoal consignado; (d) ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável. Ao final, juntou o contrato firmado com o autor, comprovante de disponibilização do valor sacado do cartão de crédito, bem como as faturas emitidas em relação ao referido cartão.
Réplica (evento 12/1G).
Sobreveio sentença de mérito prolatada em 21-5-2020 pela magistrada Mariana Helena Cassol, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor, o que se deu nos seguintes termos (evento 16/1G):
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por GENTIL PEREIRA DA CRUZ, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para:
a) DETERMINAR a conversão do contrato firmado pelas partes em contrato de empréstimo consignado, observando-se que:
(i) o montante liberado na conta da parte autora (R$ 1.391,78) deverá ser descontado do benefício previdenciário como empréstimo consignado desde quando celebrado;
(ii) deve haver o recálculo do montante, computados juros remuneratórios dentro dos balizamentos de empréstimos consignados com a taxa autorizada para desconto em benefícios previdenciários, observado como máximo o teto para operações iguais;
(iii) verificar-se-á a compensação de tudo aquilo que a parte requerente adimpliu a título de juros remuneratórios de cartão de crédito e demais consectários vinculados a esta modalidade contratual;
(iv) ainda no que se refere à compensação, os valores pagos a maior - cartão de crédito consignado - deverão ser aditados monetariamente pelo INPC desde a data de cada desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação; e
(v) caso haja saldo positivo em favor da parte autora, depois de efetuado o recálculo global, faz jus o mesmo à repetição simples do indébito.
Considerando a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, §2º, do CPC), ambos na proporção de 50% para cada uma das partes.
P. R. I.
Com o trânsito em julgado, arquive-se.
Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação (evento 19/1G), argumentando, em síntese, que: (a) o contrato não é válido, pois representa nítida venda casada, devendo o banco ser condenado a restituir em dobro os valores descontados; (b) em razão do ato ilícito praticado em face do recorrente, necessária fixação de indenização por dano moral no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Contrarrazões apresentadas nos eventos 22 e 23/1G
Os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça e foram distribuídos por sorteio a este relator.
Por meio de despacho vinculado ao evento 7/2G, foi determinada a expedição de ofício para a(o) Sr(a). Superintendente Regional do INSS, requisitando o envio de cópias de extratos de pagamento e de consignações referentes ao benefício da autora, os quais aportaram aos autos e foram juntados no evento 11.
Vieram-me os autos conclusos.
Este é o relatório

VOTO


1. Exame de admissibilidade
Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
Dito isto, tem-se que o recurso devem ser conhecido, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.
2. Fundamentação
Por oportuno, anota-se que, não obstante o apelante tecer argumentos quanto à nulidade do contrato, tão somente formulou pedidos relacionados à indenização por dano moral e à devolução em dobro dos valores descontados, materias que delimitam a apreciação deste recurso.
2.1 Do dano moral
A respeito do pedido de indenização por dano moral, em suas razões recursais, o apelante, entre outros, argumenta que "A instituição financeira, ao promover tal contrato de reserva de margem consignável, utilizou-se da vulnerabilidade da apelante, haja vista que esta buscava tão somente um empréstimo consignado, firmando um contrato que manipulou e comprometeu os valores que este percebe de forma a manutenção de sua subsistência, ou seja, entende-se configurado ato ilícito por parte da apelada" (evento 19/1G, apelação 1, fl. 9).
No entretanto, infere-se que os fundamentos expostos nas razões recursais não se mostram suficientes a demonstrar equívoco na sentença recorrida, uma vez que não estão presentes todos os requisitos legais para a configuração da responsabilidade civil e o dever de indenizar para dar respaldo à pretensão indenizatória por danos morais deduzida pela apelante.
Independentemente de ser relação de consumo ou não o vínculo jurídico entre as partes, fato é que se exige, para a condenação do apelante, a presença de três pressupostos fundamentais: ato ilícito, nexo de causalidade e dano.
Dispõe o art. 186 do Código Civil: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Maria Helena Diniz, em comentários ao mencionado artigo, ensina que:
Para que se configure o ato ilícito, será imprescindível que haja: a) fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência [...]; b) ocorrência de um dano patrimonial e/ou moral [...], sendo que pela Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça serão cumuláveis as indenizações por dano material e moral decorrentes do mesmo fato [...]. Pelo art. 944 do Código Civil a indenização se mede pela extensão do dano. Todavia, já se decidiu que: "A indenização não surge somente nos casos de prejuízo, mas também pela violação de um direito" (RSTJ, 23:157); e c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente [...]. (in Código Civil Anotado, 14ª ed., São Paulo : Saraiva, 2009, p. 207)
A responsabilidade civil e o dever de indenizar em decorrência de ato omissivo resulta da inatividade do agente, quando dela era exigida uma ação que visasse impedir a produção ou o prolongamento de danos a outrem. Guarda, também, correlação com a noção de culpa na modalidade negligência, porquanto esta ocorre quando o agente omite-se de usar a diligência necessária e que é exigida para a evitação de um resultado lesivo.
Quanto à obrigação de reparar o dano, o art. 927 do Código Civil reza que: "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
Todavia, a existência de ato ilícito, de natureza contratual ou extracontratual, não é suficiente para dar respaldo a uma sentença condenatória, sendo imprescindível a demonstração da existência do alegado dano moral e o nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a conduta imputada à parte ré.
Como bem leciona Silvio de Salvo Venosa, "sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A...

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