Acórdão Nº 5004103-17.2021.8.24.0282 do Primeira Câmara Criminal, 29-09-2022

Número do processo5004103-17.2021.8.24.0282
Data29 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5004103-17.2021.8.24.0282/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: JOSÉ ANTONIO DE SOUZA DOS SANTOS (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

No Juízo da 2ª Vara da Comarca de Jaguaruna, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em desfavor de José Antônio de Souza dos Santos, pela prática, em tese, do crime previsto no art. 33, caput, c/c art. 40, III e VI, ambos da Lei n. 11.343/06, em razão dos fatos assim narrados na inicial acusatória (Evento 1 dos autos originários):

I. a) Da Biqueira do Paulo Cruz

Já há algum tempo, no bairro Paulo Cruz, nesta cidade e comarca de Jaguaruna, funciona um conhecido ponto de tráfico de entorpecentes de responsabilidade da organização criminosa Primeiro Grupo Catarinense (PGC).

Localizada a poucos metros deste Fórum, e nas adjacências da Delegacia de Polícia Civil e do Batalhão da Polícia Militar desta pequena municipalidade, a famosa Biqueira do Paulo Cruz alimenta, de forma ininterrupta, o vício dos usuários da região. Infelizmente.

O minucioso relatório policial, elaborado no ano de 2019, culminou no ajuizamento da Ação Penal n. 0001216-19.2019.8.24.0282, que denunciou os 4 (quatro) verdadeiros líderes desse comércio espúrio de entorpecentes nos últimos anos. São eles: a) Evano Evellus de Araújo Herculano, vulgo "Paraíba", "Sadan" ou "Andarilho"; b) Jefferson da Matta; c) Juliana da Silva Costa; d) Zaqueu Medeiros Nogueira, vulgo "Perturbado" ou "PT".

Na primeira instância judicial, já há sentença condenatória proferida em face dos acusados (doc. anexo).

De fato, a prisão dos cabeças da Biqueira do Paulo Cruz muito contribuiu para o desmantelamento do crime no local, mas ainda assim não garantiu que as atividades fossem definitivamente encerradas.

Afinal, o tráfico de entorpecentes garante uma boa rentabilidade aos criminosos e o local, por já ser bem conhecido dos usuários, dispensa maiores trabalhos de divulgação ou publicidade para atrair compradores.

E pouco a pouco, novos "funcionários" foram autorizados pelo PGC para assumir o "corre" da Biqueira. Enquanto alguns exerciam a tarefa de administração do local, normalmente eram os adolescentes, usuários de drogas e moradores de outras cidades quem realizavam a venda direta de entorpecentes.

Nesse sentido, Samuel Rosa Elias e Carlos Eduardo Machado Souza, ambos da cidade de Criciúma, respondem por dar continuidade ao tráfico de entorpecentes no local em maio de 2020 (Ação Penal n. 5002599-10.2020.8.24.0282. Denúncia anexa).

Com a prisão da dupla, no mês seguinte, outro "funcionário" foi autorizado pela organização criminosa para assumir os trabalhos de "ponta" na Biqueira. Tratava-se de Nathanael Martins Pereira, natural do Rio Grande do Sul. Novamente por conta da forte vigilância realizada pela Polícia Civil de Jaguaruna, ele foi preso em flagrante no dia 24 de junho de 2020 (Ação Penal n. 5001887-20.2020.8.24.0282. Denúncia anexa).

Passado certo tempo, as informações levantadas pela Polícia Civil agora davam conta de que RICARDO SENA LAUREANO, também conhecido pela alcunha de Orelha, estava à frente das atividades. Era ela quem estaria gerenciando o comércio de entorpecentes e se encarregando de cooptar novos funcionários para ficar na "ponta" do negócio.

Sua prisão preventiva foi decretada e o acusado segue recolhido no Presídio de Tubarão desde 21 de abril de 2021. A ação penal tramita nos autos n. 5001003-54.2021.8.24.0282 e, ao lado de RICARDO DA SILVA RICARDO (Ricardinho) e MAIKOM CRISTIAN CAMARGO SUDÁRIO, usuários de drogas por ele contratados, o acusado responde pelo crime de tráfico de entorpecentes (Denúncia anexa - Autos n. 5001003-54.2021.8.24.0282).

Mais recentemente, o próprio denunciado JOSÉ ANTONIO DE SOUZA DOS SANTOS, mais conhecido pela alcunha de "Zé", era quem aparecia nos monitoramentos policiais. Com apenas 19 (dezenove) anos de idade, o denunciado já foi condenado, por sentença definitiva, pela prática do crime de tráfico de drogas nesta comarca de Jaguaruna (autos n. 50003574420218240282 - doc. anexo).

Desde julho de 2021 ele estava em regime de prisão domiciliar e monitoramento eletrônico, mas, na noite do dia 9 de novembro de 2021, ele foi flagrado no comércio de entorpecentes, no exato local onde foi abordado outras tantas vezes nessa prática infracional quando ainda adolescente.

Aliás, foi pelo seu envolvimento quando adolescente na Biqueira do Paulo Cruz que, naquela famosa Ação Penal dos líderes do tráfico, houve o reconhecimento da causa de aumento prevista no artigo 40, VI, da Lei n. 11.343/06 (Relatório de Investigação datado de 30/11/2018 e Relatório Técnico Operacional datado de 13/05/2019, ambos extraídos da Ação Penal n. 0001216-19.2019.8.24.0282 - anexo).

Nesse momento, porém, seguindo os traficantes anteriores abordados pelas forças de segurança, era o denunciado JOSÉ ANTONIO DE SOUZA DOS SANTOS ("Zé") que se fazia utilizar de adolescentes e pessoas de fora da cidade para realizar a venda direta dos entorpecentes.

I. b) Do Tráfico de Entorpecentes

Assim, na noite de 09 de novembro de 2021, por volta das 00h23min, na famosa "Biqueira do bairro Paulo Cruz", o denunciado JOSÉ ANTONIO DE SOUZA DOS SANTOS ("Zé"), aderindo à conduta do adolescente F. A. B., guardava, trazia consigo e expunha à venda 9 (nove) porções de cocaína, 19,8g (dezenove gramas e oito decigramas) de maconha e 22 (vinte e duas) pedras de crack (Boletim de Ocorrência de fls. 8/12 - APF 6 - evento 1).

E assim agia o denunciado sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, contando com o envolvimento direto do adolescente F. A. B., de 16 (dezesseis) anos de idade (D.N. 24/10/20052 ). Ele morava na cidade de Criciúma e estava há poucos dias no município.

Foi durante um monitoramento realizado pela Polícia Militar que os dois foram flagrados na tal casa abandonada do Paulo Cruz que já há algum tempo vem sendo utilizada como ponto de venda de drogas ("casa de Jaime Corcunda").

Conforme relatórios anexos, ela está situada nas imediações de duas unidades policiais, a Delegacia da Polícia Civil e o Batalhão da Polícia Militar.

Assim, em razão da prisão em flagrante ocorrida nesse mesmo local na semana anterior (BO anexo - autos n. 5003844-22.2021.8.24.0282), naquela noite, a Polícia Militar realizava rondas nas proximidades e presenciou o denunciado, na companhia do adolescente, na venda de drogas.

Os dois até tentaram fugir da abordagem policial, mas ambos foram contidos pelos Policiais.

Em revista pessoal, os Policiais apreenderam em poder do denunciado, além do seu aparelho telefônico, 1 (uma) porção de cocaína no bolso do denunciado e outras 8 (oito) porções de cocaína idênticas àquela, que ele havia dispensado na estrada, todas devidamente fracionadas para a venda (Termo de apreensão de fl. 25 - APF6 - evento 1).

Já com o adolescente foi recolhido seu celular, 19,8g de maconha e 22 (vinte e duas) pedras de crack.

Todo material apreendido foi submetido a exame preliminar, constatando o expert que se tratava de substâncias semelhantes à maconha e à cocaína, ambas capazes de causar dependência física e/ou psíquica, sendo seu uso e comercialização proibidos em todo o território nacional por força da Portaria n. 344 da Secretaria da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (Laudo de Constatação Preliminar de Drogas de fl. 24 - APF 6 - evento 1).

Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio sentença que julgou procedente a pretensão deduzida na denúncia para condenar o acusado pelo cometimento do crime de comércio espúrio de entorpecentes com a causa de aumento pelo envovimento de adolescente, afastando, por outro lado, a majorante disposta no art. 40, III, da Lei de Drogas. A deliberação contou com o seguinte dispositivo (Evento 233 dos autos originários):

Ante o exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos contidos denúncia e, em consequência CONDENO o réu JOSÉ ANTONIO DE SOUZA DOS SANTOS, já qualificado, pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c art. 40, VI, ambos da Lei n. 11.343/2006, a pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal.

Inconformados, o Ministério Público e o réu interpuseram os presentes recursos de apelação.

Nas suas razões recursais, a defesa do acusado pretende, em suma: a) preliminarmente, a nulidade do processo por violação ao sistema acusatório; b) no mérito, a absolvição por insuficiência de elementos concretos a comprovar a prática da mercancia proscrita de drogas ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta, reconhecendo-se que o entorpecente destinava-se exclusivamente para uso próprio; c) na dosimetria, o afastamento da causa de aumento da pena insculpida no art. 40, VI, da Lei n. 11.343/06, e a isenção da pena de multa ante a hipossuficiência do acusado, ou, subsidiariamente, a fixação no mínimo legal; e d) o arbitramento de honorários pela interposição da presente insurgência (Evento 239 dos autos originários).

O Parquet, por seu turno, almeja a valoração negativa das circunstâncias do crime em virtude da natureza altamente nociva dos estupefacientes apreendidos com o acusado, e a aplicação da causa de aumento da pena por ter sido o delito perpetrado nas imediações de duas unidades policiais. Para fins de prequestionamento, busca a manifestação expressa desta Corte acerca do art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, e art. 40, III, da Lei n. 11.343/06 (Evento 253 dos autos originários).

Em contrarrazões, o Ministério Público propôs o conhecimento e desprovimento do recurso da defesa. A defesa em contrarrazões, de igual forma, postulou o improvimento do apelo do Parquet, pugnando, ainda, pela fixação de honorários pela atuação nesta instância recursal (Eventos 255 e 262 dos autos originários).

Lavrou parecer pela douta...

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