Acórdão Nº 5004105-23.2022.8.24.0000 do Quinta Câmara de Direito Civil, 16-08-2022

Número do processo5004105-23.2022.8.24.0000
Data16 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Civil
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5004105-23.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador JAIRO FERNANDES GONÇALVES

AGRAVANTE: UNIMED BLUMENAU - COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO ADVOGADO: MILTON LUIZ CLEVE KUSTER (OAB SC017605) AGRAVADO: ISABELA DE SOUZA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) ADVOGADO: BIANCA POERNER (OAB SC020088)

RELATÓRIO

Unimed Blumenau - Cooperativa de Trabalho Médico interpôs Agravo de Instrumento contra a decisão interlocutória da Magistrada da Magistrada da 1ª Vara Cível da comarca de Gaspar, proferida na Ação Declaratória de Nulidade de Cláusulas Contratuais cumulada com Obrigação de Fazer e Pedido de Indenização por Danos Morais n. 5000244-51.2022.8.24.0025 ajuizada por I. de S., representada pela genitora J. de S., que deferiu, em parte, a tutela de urgência e determinou que o plano de saúde "autorize e/ou custeie o tratamento da autora com as sessões de equoterapia, sessões de fisioterapia (Pediasuit), hidroterapia e forneça o medicamento canabidiol, conforme prescrições médicas que motivaram as negativas relatadas nos autos, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00, limitado ao montante de R$ 50.000,00. Indefiro o pleito de atendimento domiciliar, nos termos da fundamentação retro" (evento 4 da origem).

Sustentou, em linhas gerais, equívoco da decisão proferida pela Togada singular, pois o medicamento denominado "canabidiol", por ser de uso domiciliar, conta com expressa exclusão de fornecimento no contrato celebrado com a genitora da agravada.

Defendeu não haver cobertura para tratamentos experimentais.

O pedido de efeito suspensivo foi parcialmente deferido por este Relator (evento 3).

Intimada, a agravada não apresentou contraminuta (evento 10).

O Ministério Público, em parecer da lavra do Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Murilo Casemiro Mattos, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 13).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo, está preparado e, por se tratar de processo eletrônico, o recorrente está desobrigado, na forma do inciso II do caput do artigo 1.017 do Código de Processo Civil, de apresentar os documentos obrigatórios exigidos no inciso I desse dispositivo.

Antes de enfrentar as razões da insurgência, relevante se faz um breve resumo dos fatos.

I. de S., nascida em 7-5-2019 (evento 1, CERTNASC4, da origem), hoje com 3 anos de idade, restou diagnosticada como portadora de Encefalopatia Epitética - Síndrome de West, tendo-lhe sido sugerido tratamento multidisciplinar consistente em: (i) fonoaudiologia, (ii) fisioterapia motora e respiratória, (iii) terapia ocupacional e (iv) estimulação auditiva e visual (evento 1, Laudo6, da origem).

Também foram indicados a realização de (i) hidroterapia (evento 1, ATESTMED8, da origem), (ii) uso de óleo de canabidiol (evento 1, ATESTMED13, da origem) e atendimento domiciliar (evento 1, ATESTMED12, da origem).

As solicitações relativas às terapias pelo método (i) Therasuit, (ii) equoterapia e (iii) hidroterapia foram negadas pelo plano de saúde nos dias 20 e 21 de outubro de 2020, por um dos seguintes motivos: (a) procedimento sem previsão no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS ou (b) procedimento com expressa exclusão de cobertura no contrato entabulado (evento 1, DOCUMENTACAO20-22, da origem).

Já as solicitações concernentes ao fornecimento de óleo de canabidiol e de atendimento domiciliar foram negados pelo plano de saúde nos dias 29-10-2021 e 23-12-2021, respectivamente, por expressa ausência de cobertura contratual (evento 1, DOCUMENTACAO18-19, da origem).

Diante das negativas às suas solicitações, I. de S. ingressou em juízo objetivando fosse fornecido todo o necessário ao seu tratamento, na forma como prescrito pelo médico atendente, bem como terapias futuras, em tutela antecipada, restou parcialmente acolhido pelo Juízo de primeiro grau.

Feitos os esclarecimentos, passa-se a análise do mérito recursal.

Como visto no relatório, busca o Plano de Saúde agravante a reforma da decisão proferida pela Magistrada Cristina Paul Cunha Bogo que determinou o fornecimento do medicamento "óleo de canabidiol", ao argumento ao argumento de que ausente previsão contratual para o fornecimento de medicamento de uso domiciliar, bem como dos tratamentos pelo método Pediasuit, de equoterapia e de hidroterapia porque não constam do rol de procedimentos e Eventos de Saúde Suplementar da Agência Nacional de Saúde - ANS, e portanto, ausente previsão no plano contrato.

(i) Do medicamento de uso domiciliar

O primeiro argumento apresentado pela operadora do plano de saúde agravante diz respeito a determinação para que forneça o medicamento "óleo de canabidiol", ao argumento de que ausente cobertura contratual por se tratar de medicamento de uso domiciliar.

A insurgência comporta acolhimento.

Importante salientar que esse Relator vinha entendendo que embora os medicamentos ditos de uso domiciliar não encontrassem ressonância no contrato de plano de saúde, essa cláusula deveria ser interpretada à luz do Código de Defesa do Consumidor, a fim de repudiar restrições excessivas aos conveniados, que não poderiam ficar à mercê de uma redação contratual que tendesse a anular seus direitos e garantias, onerando-os excessivamente enquanto beneficiava quase que por completo a administradora do plano de saúde, sem contar que se trata de típico contrato de adesão.

Contudo, analisando com mais vagar as cláusulas do contrato de plano de saúde, bem como os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários a respeito do tema, revi meu posicionamento, para concluir que "a cláusula contratual que veda a cobertura de medicamentos de uso domiciliar, desde que observe aos preceitos da Lei n. 9.656/1998, não viola o Código de Defesa do Consumidor.

Pois bem. Questão similar a debatida nesta insurgência foi muito bem analisada pelo Desembargador Gerson Cherem II, no julgamento do Agravo de Instrumento n. 4015248-31.2019.8.24.0000, julgado em 22-8-2019, cujas razões se adotam como fundamentos de decidir, a fim de se evitar a tautologia.

Observa-se do caderno processual que a agravante, beneficiária do plano de saúde contratado, encontra-se acometida de trombofilia (CID 10, D 68.2) conforme destacado acima, necessitando do uso do fármaco Enoxoparina 60mg, cuja cobertura fora recusada pela operadora.

No caso, a negativa do plano de saúde vem embasada na justificativa de que o tratamento não está coberto, pois existe previsão contratual expressa para desobrigá-la ao fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, na forma a alínea "g", da cláusula 5ª, do contrato de prestação de serviços firmado pelas partes. Verbatim (fls. 180/181 da origem):

CLÁUSULA 5ª - EXCLUSÃO DE COBERTURA

Não gozam de cobertura, as despesas decorrentes de:

(...)

g) fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar: aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde (tais como: hospitais, ambulatórios, clínicas) com exceção dos medicamentos antineoplásticos orais para uso domiciliar, assim como medicamentos para o controle de efeitos adversos e adjuvantes de uso domiciliar relacionados ao tratamento antineoplásico oral e/ou venoso; (grifos do original).

Nada obstante a inconteste incidência do CDC na hipótese, entende-se, em análise sumária, não haver abusividade (art. 51, CDC) no dispositivo referido, porquanto clara e destacada a exclusão do fornecimento de medicamentos para uso domiciliar, salvo quando relacionados à continuidade e controle de efeitos de tratamento antineoplásico (contra tumores ou células malignas). A cláusula possui sentido unívoco, e apresenta-se em consonância com o disposto no art. 10, inc. VI, da Lei n. 9.656/98. In verbis:

Art. 10. É instituído o plano ou seguro-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria ou centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doença e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as...

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