Acórdão Nº 5004130-36.2022.8.24.0000 do Terceira Câmara de Direito Público, 31-05-2022

Número do processo5004130-36.2022.8.24.0000
Data31 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5004130-36.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

REPRESENTANTE LEGAL DO AGRAVANTE: BRUNA DA SILVA MARQUES (Pais) AGRAVANTE: MIGUEL MARQUES TROIAN (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) AGRAVADO: ESTADO DE SANTA CATARINA AGRAVADO: MUNICÍPIO DE PALHOÇA/SC

RELATÓRIO

M. M. T., representado por sua genitora B. da S. M., assistido juridicamente pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, interpôs agravo de instrumento, com pedido de tutela recursal antecipada, contra decisão que, nos autos da "Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela" n. 5001096-15.2022.8.24.0045, proposta contra o Município de Palhoça e o Estado de Santa Catarina, indeferiu o pedido de tutela de urgência para concessão de vaga em creche.

Sustenta que sua representante tentou obter vaga em creche da rede pública municipal para o menor, que atualmente possui 8 meses de vida (Evento 1, Certidão de Nascimento 5), o que lhe foi negado; que "tentaram contato com uma creche na Enseada do Brito, mas só aceitam crianças a partir de 2 anos"; que "a mesma negativa foi dada ao tentar vaga em uma creche da Praia de Fora, pois eles só atendem crianças que completem 1 ano até dia 31 de março" (Evento 1, Outros 15 e 16); que ambos os genitores não possuem condições de arcar com os custos e manutenção da criança em creche particular, uma vez que, somadas as rendas, auferem o montante de R$ 3.073,64 (três mil e setenta e três reais e sessenta e quatro centavos); que laboram em período integral, sendo a genitora qualificada como assistente administrativa, cumprindo jornada de trabalho, de segunda a sexta, entre 7h30 e 17h30, e o genitor, além de cursar faculdade no período matutino das 08h às 11h30, faz estágio na prefeitura, cumprindo a jornada semanal entre 13h e 19h; que a criança tem o direito à concessão de vaga em creche na rede pública municipal.

Requereu a concessão de tutela antecipada recursal para se determinar que os agravados efetivem sua matrícula em período integral em creche mais próxima de sua residência, sob pena de sequestro de verbas públicas em caso de descumprimento e, alternativamente, não havendo possibilidade de inscrição do infante em creche próxima à sua residência, que seja disponibilizado o transporte público gratuito até o local, ou, que seja matriculada em creche da rede particular, com suas despesas arcadas pelo Município de Palhoça.

O pedido de antecipação de tutela recursal foi deferido.

O Estado de Santa Catarina opôs embargos de declaração sustentando ser parte ilegítima para integrar o polo passivo da lide, não podendo ser condenado a fornecer vaga em pré-escola, já que tal competência incumbe aos municípios. Requereu, enfim, seja suprida a omissão existente na decisão embargada, para que seja declarada a sua ilegitimidade passiva.

Intimado, o Município de Palhoça deixou transcorrer "in albis" o prazo para apresentar contraminuta.

Instado sobre os embargos de declaração, o agravante pugnou pelo conhecimento e provimento do referido recurso, diante da evidente ilegitimidade passiva do Estado de Santa Catarina (evento 28).

Após, os autos foram encaminhados à Douta Procuradoria-Geral de Justiça que, no parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. André Fernandes Indalencio, manifestou-se no sentido de se "declarar a ilegitimidade passiva do Estado de Santa Catarina e, depois, de se proceder ao conhecimento e provimento do agravo apresentado, para conceder a vaga em creche pleiteada pelos requerentes, em período integral e perto da residência do agravante, ou com fornecimento de transporte até o estabelecimento escolar, caso a distância até a residência seja superior a cinco quilômetros, conforme disposto no ordenamento jurídico em vigor".

VOTO

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos da "Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela" n. 5001096-15.2022.8.24.0045, proposta contra o Município de Palhoça e o Estado de Santa Catarina, indeferiu o pedido de tutela de urgência para concessão de vaga em creche.

Inicialmente, há que se acolher os embargos declaratórios opostos pelo Estado de Santa Catarina. Isto porque, de acordo com o artigo 11, inciso V, da Lei n. 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, incumbe ao Município a oferta de vagas na educação infantil em creches e pré-escolas.

Muito embora a ação tenha sido ajuizada, inicialmente, em face do Estado de Santa Catarina e do Município de Palhoça, deveria ter sido proposta somente contra o ente municipal que é o ente responsável pela disponibilização de vaga em creches, razão pela qual os embargos declaratórios devem ser acolhidos para se reconhecer a ilegitimidade passiva do ente estadual, o que, por sinal, já obteve a concordância da própria parte agravada (evento 28, contrarrazões), devendo o feito prosseguir apenas contra o Município de Palhoça.

Pois bem!

A demanda originária versa sobre direito de matrícula em creche municipal para criança hipossuficiente e o presente agravo foi interposto contra a decisão que indeferiu o pedido de tutela antecipada para determinar que o agravado efetive a matrícula do agravante em período integral em creche mais próxima de sua residência.

Convém ressaltar, de início, que, dentre os direitos sociais previstos no artigo 6º, da Constituição Federal de 1988, o direito à educação é o primeiro citado, tão importante quanto os demais ali elencados.

Por sua vez, o art. 23, inciso V, determinou que "é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] V proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação".

É de fácil percepção que o constituinte de 1988 elegeu o direito à educação como um dos componentes dos direitos sociais, implicando a todos os entes da Federação a competência para proporcionar os meios necessários e eficientes de acesso à educação.

Mais adiante no texto constitucional, os arts. 205 a 214 tratam com maior atenção o tema da educação, destacando-se para o caso em estudo o art. 208, IV, alterado pela Emenda Constitucional n. 53, de 19.12.2006, nestes termos:

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:"[...]"IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade".

Observe-se que a alteração levada a efeito pela EC n. 53/06 atingiu apenas o limite máximo de idade para atendimento da criança em creche e pré-escola, eis que desde a redação original a Constituição já garantia esse atendimento às crianças de "zero a seis anos", idade máxima que foi reduzida para cinco (5) anos. A modificação levou em conta a redução da idade da criança para o início do ensino fundamental, que passou a ocorrer aos seis anos.

E complementam os parágrafos primeiro e segundo:

§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

A criança beneficiada pela decisão ora examinada se encontra na faixa etária prevista na Carta Magna para o atendimento em creches públicas municipais.

No art. 211, § 2º, da CF/1988, o legislador constituinte deixou claro que os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

As leis infraconstitucionais que abordaram o tema não desvirtuaram a vontade da Constituição, reproduzindo fielmente esse dever do Estado e do Município.

O art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) não destoa dos comandos constitucionais, em especial do art. 227, "caput", da CF/88, pois declara que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação do direito referente à educação.

Por sua vez, o art. 53 prevê que "a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidade estudantis; V - acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência". Por conta desses direitos, segundo o art. 54, "é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: [...]; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade; [...]."

Por isso que, nos termos dos §§ 1º, 2º e 3º, do último artigo citado (54), parodiando idênticos parágrafos do art. 208 da CF/88, "o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo"; "o não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente"; e "compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela frequência à escola".

Por sua vez, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/1996) dispõe:

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:[...] II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade; [...] Art. 5º O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo. § 4º Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.

Já a Constituição do Estado de Santa Catarina, ao tratar do tema educação, estabelece:

Art. 163 - O dever do Estado com a...

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