Acórdão Nº 5004174-30.2021.8.24.0052 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 22-11-2022

Número do processo5004174-30.2021.8.24.0052
Data22 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5004174-30.2021.8.24.0052/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: CATARINA RIBEIRO (AUTOR) ADVOGADO: LEONIR LAMB (OAB SC033432) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

CATARINA RIBEIRO ajuizou ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada (RMC) em face de BANCO BMG S.A, ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito em dobro; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

Contestação apresentada (evento 10).

Réplica no evento 13.

Sobreveio sentença de mérito, a qual julgou parcialmente procedentes os pleitos iniciais (evento 25).

Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação, no qual requereu a condenação da adversa ao pagamento de danos morais e à restituição em dobro do indébito.

Por sua vez, a casa bancária ré pleiteou o reconhecimento da legalidade da contratação, bem como o desprovimento de todos os pedidos exordiais.

Contrarrazões nos eventos 40 e 45.

Os autos ascenderam a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por ambas as partes litigantes contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou parcialmente procedentes os pleitos formulados na peça exordial. Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Legalidade do contrato firmado entre as partes

Alega a casa bancária apelante que a sentença singular deve ser reformada tendo em vista que ficou comprovado que a parte autora realizou a contratação da operação de empréstimo consignado na modalidade "cartão de crédito consignado" e, por consectário, autorizou os descontos efetuados no seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável. Sustenta, ademais, que a modalidade possui previsão legal e não deve ser considerada como modalidade abusiva.

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento acostado no evento 10.

Entretanto, apesar do referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura do requerente, ora apelado, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção da parte demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo de dinheiro, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Oportunamente, cumpre destacar que ao analisar a documentação autuada pela casa bancária, constatou-se que o cartão de crédito, supostamente requerido, jamais fora utilizado pela parte demandante para realizar a aquisição de produtos ou pagamento de serviços.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da parte recorrente, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela parte requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da parte autora era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC).

A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:

"Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da parte requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a ora apelante iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese a parte autora ter lançado sua assinatura no documento mencionado, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade desta (apelante), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Portanto, muito embora a celebração do contrato de empréstimo por meio de cartão de crédito consignado esteja formalmente correta, observa-se, em verdade, que houve a utilização de modalidade mais gravosa para a consumidora (e mais vantajosa para a casa bancária), fato que ocasionou o desvirtuamento da real intenção do requerente, ferindo, assim, o princípio da lealdade e da boa-fé que regem as relações comerciais, bem como, diversos outros direito básicos do consumidor, sobrelevando clara e inquestionável desigualdade na relação jurídica sub judice.

A respeito, tem-se as seguintes disposições do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...] III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

[...] III -...

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