Acórdão Nº 5004202-37.2020.8.24.0018 do Quarta Câmara de Direito Público, 10-11-2022

Número do processo5004202-37.2020.8.24.0018
Data10 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5004202-37.2020.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador DIOGO PÍTSICA

APELANTE: MUNICÍPIO DE CHAPECÓ-SC (REQUERIDO) APELANTE: VANECA MARIA RIEGER (REQUERIDO) APELADO: FABIANA DILDA (REQUERENTE)

RELATÓRIO

Na comarca de Chapecó, Cauê Dilda Renostro, representado por sua genitora Fabiana Dilda, ajuizou "ação indenizatória" contra o Município e Vaneça Maria Rieger.

À luz dos princípios da economia e celeridade processual, por sintetizar de forma fidedigna, adoto o relatório da sentença (Evento 175, 1G):

Trata-se de ação indenizatória ajuizada por Cauê Dilda Renostro, representado por Fabiana Dilda, em face de Vaneça Maria Rieger e do Município de Chapecó.

Sustentou o autor, em síntese, que é aluno da Escola Municipal Anita Garibaldi, tem diagnóstico de autismo e hiperatividade, necessitando de cuidados especiais. Alegou que, em 20/11/2019, a genitora foi informada de que a ré Vaneça, mãe de aluna da mesma escola, agrediu o autor fisicamente e verbalmente, ofendendo sua dignidade e causando-lhe sofrimento emocional. Requereu, em razão disto, a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais.

O Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública de Chapecó declinou da competência (evento 10) e este Juízo suscitou conflito negativo no evento 20, o qual foi julgado improcedente (autos n. 5008403-29.2020.8.24.0000, evento 12).

Citado, o Município de Chapecó apresentou contestação no evento 46. Alegou que o autor apresentava comportamento agressivo na escola e não há prova da ocorrência do ato ilícito. Argumentou que, se tratando de responsabilidade subjetiva, compete à parte autora comprovar culpa ou dolo dos profissionais de educação. Também alegou que não existe nexo de causalidade ou prova do dano moral.

Citada, a ré Vaneça Maria Rieger apresentou contestação e reconvenção no evento 62, negando agressão de sua parte. Sustentou que é mãe de uma colega de escola do autor, e que ambos conviviam. Apresentou reconvenção representando a filha menor Joana Clara Rieger, alegando que o autor/reconvindo praticou bullying contra esta, chamando-a de gorda. Por este fato, requerereu a condenação do autor ao pagamento de indenização por danos morais.

Houve réplica no evento 65.

O feito foi saneado no evento 71.

Na audiência de instrução, foram ouvidas testemunhas e informantes arrolados pelas partes.

Encerrada a instrução, as partes apresentaram alegações finais nos eventos 165, 169 e 170.

O Ministério Público manifestou-se pela procedência do pedido inicial (evento 173).

Vieram os autos conclusos.

Devidamente instruída, a lide foi julgada nos termos retro (Evento 175, 1G):

Ante o exposto, com base no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial e:

CONDENO os réus Vaneça Maria Rieger e o Município de Chapecó a pagarem ao autor, solidariamente, o valor de R$ 5.000,00 a título de danos morais, com juros e correção, nos termos da fundamentação.

Condeno os réus ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.500,00, considerando-se o grau de zelo profissional, a natureza da causa, nos termos do art. 83, §§ 2º e 8º do CPC. A obrigação fica suspensa quanto à ré Vaneça Maria Rieger, a quem defiro o benefício da justiça gratuita (evento 62, Declaração De Hipossuficiência/pobreza 4).

Ainda, com fundamento no art. 487, I, do CPC , JULGO IMPROCEDENTE o pedido apresentado na reconvenção.

Condeno a reconvinte ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% sobre o valor atualizado da reconvenção (evento 62, Petição 2). A obrigação fica suspensa pela concessão da justiça gratuita.

Irresignados, os réus recorrerem.

O ente federado argumentou que: a) "importante observamos as provas documentais e testemunhais produzidas nos autos, restando incontroverso não ter existido qualquer agressão em desfavor do menor"; b) "mesmo ausente as imagens, na data dos fatos fora visualizado as imagens, não vislumbrando-se qualquer agressão"; c) "restou incontroverso é que o menor praticava bullying em desfavor de seus colegas"; d) "a única testemunha que afirmou ter 'ouvido falar da agressão', a professora Nara, não presenciou os fatos, assinando a ata de concordância da ausência de agressão"; e) "a situação telada nos autos é de responsabilidade subjetiva, decorrente de uma suposta omissão do Município"; f) "o dever de cuidado não pode ser elevado ao absurdo de se exigir que o Município impeça toda e qualquer possibilidade de ocorrência de lesão física ocorrida em seus limites", sendo que "o incidente se deu por culpa de terceiro, não imputável à Municipalidade, o que descaracteriza o nexo material entre o evento danoso e a atividade estatal"; e g) "embora latente o incomodo sofrido pela parte autora, não restou evidenciada a repercussão nas esferas da dignidade e da personalidade, de modo que não se reconhece a existência de danos passíveis de reparação pecuniária" (Evento 185, 1G).

Em síntese, requereu (Evento 185, 1G):

Ante o exposto, requer seja recebido o presente recurso inominado pois tempestivo.

NO MÉRITO: requer-se a reforma de parte da sentença de parcial procedência, a fim que seja julgado improcedente o pleito autoral.

1. A uma porque inexiste prova documental e testemunhal apta a configurar a existência de qualquer agressão no âmbito escolar.

2. A duas porque inexiste configuração da responsabilidade civil subjetiva do ente estatal, porquanto inexistente o nexo causal, bem como a culpa (em uma de suas modalidades), não podendo o ente ser penalizado por ausência de configuração de responsabilidade.

A condenação da recorrida em honorários de sucumbência, nos termos da lei.

Por sua vez, a parte ré sustentou que: a) "o Apelado não comprovou efetivamente nos Autos as agressões alegadas"; b) "a professora testemunha do Autor, ora Apelado, quando da suposta ofensa em face do menor, sequer presenciou os fatos, apenas discorrendo que os alunos relataram a ela, não existindo nos Autos qualquer outra prova que corrobore com tal relato"; c) "a ora Apelante trouxe 04 (quatro) testemunhas que não se contradizem e, corroboram com a narrativa da Apelante, de que esta nunca agrediu o menor, bem como sequer transitava pelo refeitório ou corredores da escola em horário de aula ou durante o intervalo"; d) "na ata do dia 04 de dezembro"; e e) "restou devidamente demonstrado que o menor Cauê, por diversas vezes chamou a filha da Ré, Joana, de gorda, a fim de causar-lhe desconforto, superando a esfera da brincadeira de criança", posto que "a menor encontrava-se com 09 (nove) anos na época dos fatos, de modo que episódios como este, são recebidos com uma intensidade muito maior" (Evento 188, 1G).

Em suma, propugnou (Evento 188, 1G):

Ante todo o exposto, requer-se que seja a presente Apelação recebida em duplo efeito e provida em todos os seus termos, para Reformar a r. Sentença do evento 175, a fim de julgar totalmente improcedente a presente ação, bem como para dar procedência ao pedido reconvencional, condenando o Apelado ao pagamento de danos morais pelo bullyng praticado em face da menor Joana, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Subsidiariamente, não entendendo Vossas Excelências pelo julgamento de improcedência da inicial, requer-se ao menos que o valor da condenação seja reduzido de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para R$ 1.000,00, nos termos da fundamentação retro.

Com contrarrazões (Eventos 193 e 194, 1G), os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e provimento do reclamo do ente federado e conhecimento e parcial conhecimento do reclamo da parte ré (Evento 12, 2G).

É o relatório.

VOTO

Os recursos são tempestivos e preenchem os demais requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual merecem conhecimento.

Em que pese o reclamo do ente público tenha sido nomeado como recurso inominado, "'diante do princípio da fungibilidade recursal, é passível de conhecimento o recurso inominado que desafia sentença prolatada em autos que não tramitaram perante Juizado Especial, devendo ser recebido como apelação.' (TJSC, Apelação n. 0016154-97.2013.8.24.0033, de Itajaí, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 13.6.2016)" (TJSC, Apelação n. 0306561-52.2017.8.24.0090, rel. Des. Carlos Adilson Silva, Segunda Câmara de Direito Público, j. 12-4-2022).

Recebo-os em seus efeitos legais.

Historiando os fatos, em rápida pincelada, o tema envolto orbita agressão sofrida pelo autor, criança com TDAH à época com 9 anos de idade, em ambiente escolar pela mãe de sua colega de classe.

Aprioristicamente, impende salientar que, em casos de danos produzidos por agentes públicos, vigora a teoria do risco administrativo, sendo objetiva a responsabilização do Poder Público.

Versa a Constituição Federal sobre a responsabilidade civil do Estado:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Verifica-se que o mandamento constitucional exaltou a teoria do risco administrativo, a qual aponta para a desnecessidade da presença do elemento culpa (negligência, imperícia, imprudência) ou dolo. Desse modo, cuida-se de responsabilidade objetiva, não subjetiva, bastando a constatação dos seguintes requisitos: a) conduta ilícita; b) dano; e c) nexo causal.

Nesta senda, o Código Civil detalha o ato ilícito e a correlata obrigação de indenizar:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.[...] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a...

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