Acórdão Nº 5004224-84.2020.8.24.0054 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 21-10-2021

Número do processo5004224-84.2020.8.24.0054
Data21 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5004224-84.2020.8.24.0054/SC

RELATOR: Desembargador JAIME MACHADO JUNIOR

APELANTE: VERA MARCIA BEZERRA (AUTOR) ADVOGADO: ADRIANO MEZZOMO (OAB SC018297) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: FELIPE BARRETO TOLENTINO (OAB SC057388A)

RELATÓRIO

VERA MARCIA BEZERRA interpôs recurso de apelação contra sentença proferida pelo juízo da Vara Regional de Direito Bancário da comarca de Rio do Sul que, nos autos da Ação de Nulidade de Contrato cumulada com Restituição de Valores ajuizada em face do BANCO BMG S.A, julgou improcedentes os pedidos iniciais, cujo dispositivo restou assim vertido:

IV- Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos veiculados na inicial proposta por VERA MARCIA BEZERRA contra BANCO BMG SA, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários de sucumbência, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, cuja cobrança fica sobrestada em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita, na forma do art. 98, § 3°, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, cumpridas as formalidades legais, arquive-se.

Em caso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, em seguida, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Evento 16).

Inconformado com a prestação jurisdicional entregue, o demandante discorreu acerca da relação contratual estabelecida com o banco e defendeu, em suma, a invalidade do pacto entabulado (cartão de crédito com reserva de margem consignável) e dos descontos efetuados junto ao seu benefício previdenciário. Aduziu que buscou a casa bancária a fim de realizar empréstimo consignado e não contratar cartão de crédito, como de fato ocorreu, partindo-se daí o consentimento equivocado, pois acreditava estar realizando empréstimo e não aderindo a cartão de crédito, com desconto operado diretamente em seus proventos a título de pagamento mínimo de fatura de cartão de crédito que sequer fora utilizado, pelo que busca a declaração de inexistência do negócio jurídico estabelecido.

Pontuou, ainda, a presença dos requisitos autorizadores da responsabilidade civil, além da ocorrência de danos morais passíveis de compensação pecuniária, ao passo que a instituição financeira não agiu no exercício regular de direito (Evento 22).

Em sede de contrarrazões (Evento 24), sustentou a instituição a necessidade de intimação da parte autora para noticiar o seu conhecimento acerca do ajuizamento da demanda, sob a alegação de prática de conduta temerária ante o reiterado ajuizamento de ações praticamente idênticas pelo seu procurador. Em caso de resposta negativa, requereu a expedição de ofícios à Ordem de Advogados do Brasil, ao Ministério Público e à Autoridade Policial para que seja apurado os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica, além de postular a condenação do causídico em litigância de má-fé .

Após, ascenderam os autos a este egrégio Tribunal de Justiça.

Este é o relatório.

VOTO

Considerando que o decisum objurgado restou proferido sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, a análise do reclamo ficará a cargo do mencionado diploma legal.

Em sede de contrarrazões, requereu a casa bancária a intimação da parte autora para noticiar o seu conhecimento acerca do ajuizamento da demanda, sob a alegação de prática de conduta temerária ante o reiterado ajuizamento de ações praticamente idênticas pelo seu procurador. Em caso de resposta negativa, requereu a expedição de ofícios à Ordem de Advogados do Brasil, ao Ministério Público e à Autoridade Policial para que seja apurado os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica, além de postular a condenação do causídico em litigância de má-fé.

Pois bem.

No que pertine ao pleito de intimação da parte autora para que esta informe o seu conhecimento acerca da propositura da lide, infere-se que tal medida não se revela plausível, notadamente pelo conteúdo genérico da narrativa, que não encontra abrigo em qualquer início de prova.

Conforme já decidiu este Tribunal, eventual desvirtuamento do interesse da parte autora na propositura da demanda não pode ser reconhecido a partir de meras conjecturas, não cabendo ao juízo, sobretudo em segundo grau de jurisdição, investigar o ânimo da parte (Nesse sentido: Apelação n. 5030238-56.2020.8.24.0038, rel. Mariano do Nascimento, j. 04-02-2021 e Apelação n. 5007736-58.2020.8.24.0092, rel. Guilherme Nunes Born, j. 08-07-2021).

De gizar que o instrumento de procuração subscrito pela parte, cuja autenticidade não foi derruída, tem o condão de evidenciar a prévia ciência sobre o pleito vertido em juízo, bem como seu interesse na tutela jurisdicional vindicada.

Do mesmo modo, não merece amparo o pleito de condenação do procurador da parte demandante nas penas de litigância de má-fé, especialmente em virtude de que a aplicação das indigitadas penalidades é dirigida às partes da relação processual instaurada, e não aos seus causídicos.

A propósito, entende-se que "o fato do procurador da parte autora ter ajuizado, supostamente, centenas de ações versando sobre os mesmos pedidos e causas de pedir, não o transforma, por si só, em causídico agressor. Isso porque se trata de seu ofício e, pelo visto, da matéria que, por ora, mais lhe condiz" (TJSC, Apelação n. 0301613-52.2019.8.24.0040, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 30-07-2020).

Em arremate, caso a instituição financeira entenda haver indícios de infrações disciplinares e condutas típicas, poderá buscar diretamente as autoridades administrativas ou o respectivo órgão de classe competente, se assim julgar necessário (Apelação n. 5001121-83.2021.8.24.0038, rel. Tulio Pinheiro, j. 01-07-2021).

Em seguimento, quanto ao mérito do reclamo, colhe-se dos autos que o autor, beneficiário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), alegou que ao pretender firmar contrato de empréstimo consignado pessoal, com parcelas fixas e preestabelecidas, foi-lhe concedido cartão de crédito com reserva de margem consignável - RMC -, modalidade contratual diversa da solicitada.

Pois bem. A controvérsia cinge-se à análise da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, cuja concessão ocorre mediante reserva de margem consignável em benefício previdenciário.

Examinando a jurisprudência desta Corte, verifica-se que a corrente majoritária converge no sentido de reconhecer a prática abusiva e ilegal perpetrada pelas instituições financeiras quando da contratação da modalidade de crédito supracitada.

A respeito da temática, vale colacionar excerto da decisão proferida pelo Exmo. Des. Robson Luz Varella, ao tempo do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079 que, em análise de caso análogo, bem pontuou:

[...] a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado[...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). Ressalte-se que a prática abusiva e ilegal difundiu-se, tendo atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas que foram ajuizadas diversas ações, inclusive visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados, a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto via "RMC".O "modus operandi" utilizado pelas instituições financeiras foi assim descrito pelo Núcleo de Defesa do Consumidor da defensoria Pública do Estado do Maranhão, na ação civil pública ajuizada pelo órgão na defesa dos interesses dos "aposentados e pensionistas do INSS":O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação - a contratação de cartão de crédito com RMC." Assim, na folha de pagamento é descontado apenas um pequeno percentual do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor é cobrado através de fatura de cartão de crédito, com incidência de juros duas vezes mais caros que no empréstimo consignado normal. (http: //condege.org.br/noticias/473-ma-defensoria-promove-ação-civil-pública-contra-bancos-por-ilegalidades-em-consignados.Html)Extrai-se da narrativa tratar-se do caso em questão. De fato, pretendia a autora firmar o denominado "empréstimo consignado" puro e simples, com parcelas fixas e preestabelecidas, vindo, entretanto, tempos depois, a saber que contraíra outro tipo de empréstimo, via reserva de margem consignável, com juros tão elevados a ponto de impossibilitar o pagamento do débito. (TJSC, Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de Videira, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT