Acórdão Nº 5004255-76.2021.8.24.0052 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 06-09-2022

Número do processo5004255-76.2021.8.24.0052
Data06 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5004255-76.2021.8.24.0052/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5004255-76.2021.8.24.0052/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: ZENILDA RODRIGUES (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: LEONIR LAMB (OAB SC033432) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por ZENILDA RODRIGUES e BANCO BMG S.A contra sentença de parcial procedência, oriunda da 1ª Vara Cível da Comarca de Porto União (evento 37), prolatada da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, nos seguintes termos:

Ante o exposto, com base no art. 487, I do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para:

a) converter a contratação realizada entre as partes para a modalidade de "empréstimo consignado", no valor auferido pela parte autora por meio de saque, com aplicação dos encargos estipulados pelo Banco Central à data de celebração do negócio jurídico, observando-se a modalidade do empréstimo realizado;

b) determinar a devolução, na forma simples, dos valores descontados a título de "Empréstimo RMC", devidamente corrigida pelo INPC a partir de cada desconto indevido, acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, com a dedução do saldo devedor remanescente, se houver;

c) condenar a ré ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais, além de honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, no valor correspondente a 10% (dez por cento) sobre o valor total atualizado da condenação (somatório do valor a ser restituído a parte autora, acrescido de juros e correção monetária na forma da fundamentação);

d) condenar a parte autora ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais, além de honorários advocatícios em favor da ré, correspondente à 10% (dez por cento) sobre a pretensão de indenização - R$ 10.000,00 (dez mil reais) devidamente corrigida.

Fica deferido o pedido de gratuidade da justiça concedido provisoriamente na decisão de Evento 16, DESPADEC1, de forma que as obrigações decorrentes da sucumbência da parte autora ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade na forma do art. 98, § 3º do Código de Processo Civil.

Em suas razões recursais (evento 48), a casa bancária ventila a inépcia da inicial diante da inocorrência de "delimitação das obrigações que pretende controverter bem como de valor incontroverso do débito". Sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, a autora (evento 41) requer a condenação da casa bancária ré ao pagamento de indenização por danos morais, haja vista o ilícito praticado por esta, e, ao final, haver a inversão dos ônus sucumbenciais.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 52 e 55).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

"Ab initio", registra-se que não merece conhecimento a tese da casa bancária de inépcia da inicial diante da inocorrência de "delimitação das obrigações que pretende controverter bem como de valor incontroverso do débito

Ocorre que, referida matéria não submetida à apreciação do juízo de origem, tampouco integrou os fundamentos da sentença, o que caracteriza inovação recursal.

Nesse sentido:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E TERMO DE ADESÃO A CARTÃO DE CRÉDITO COM DESCONTO DE "RESERVA DE MARGEM" (RMC) DIRETAMENTE NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO PELO DEMANDANTE. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PRELIMINAR. ALEGADA INÉPCIA DA INICIAL POR AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE SE PRETENDE A REVISÃO. ALEGAÇÃO NÃO SUBMETIDA AO JUÍZO DE ORIGEM. INOVAÇÃO RECURSAL. TEMÁTICA, ADEMAIS, DISSOCIADA DO CONTEXTO DOS AUTOS. NÃO CONHECIMENTO DO RECLAMO NO PONTO. [...] RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO DO BANCO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. (Apelação n. 5000800-59.2020.8.24.0175, Rel. Des. Jaime Machado Junior, j. em 26/5/2022) (sem grifos no original)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO RÉU. INÉPCIA DA INICIAL. ADUZIDA A AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS A SEREM REVISADAS. PLEITO REVISIONAL INEXISTENTE NOS AUTOS. INCONGRUÊNCIA DA PREFACIAL COM O OBJETO DA LIDE. ADEMAIS, QUESTÃO NÃO AVENTADA NA CONTESTAÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE E INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. [...] RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (Apelação n. 5001545-10.2019.8.24.0002, Rel. Des. Altamiro de Oliveira, j. em 26/10/2021) (sem grifos no original).

No mais, relativamente ao mérito, os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela readequação do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que a conversão da "contratação realizada entre as partes para a modalidade de "empréstimo consignado", no valor auferido pela parte autora por meio de saque, com aplicação dos encargos estipulados pelo Banco Central à data de celebração do negócio jurídico, observando-se a modalidade do empréstimo realizado" (evento 37).

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior...

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