Acórdão Nº 5004266-07.2021.8.24.0020 do Primeira Câmara Criminal, 05-08-2021

Número do processo5004266-07.2021.8.24.0020
Data05 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5004266-07.2021.8.24.0020/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: RAFAEL TRENTO (ACUSADO) ADVOGADO: GISELE CECCONI (OAB SC042692)


RELATÓRIO


Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, com base no art. 581, I e V, do Código de Processo Penal, em que se objetiva a reforma da decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da comarca de CRICIÚMA, juiz de direito Rodrigo Francisco Cozer, que rejeitou a denúncia ofertada contra Rafael Trento pela suposta prática do crime descrito no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, com fulcro 395, III, do CPP, em razão da falta de justa causa decorrente da ilicitude dos elementos indiciários.
Em síntese, o recorrente aduz que não houve ilegalidade na instauração do inquérito policial, mas atuação prévia voltada à verificação das denúncias recebidas a respeito da narcotraficância, em tese, perpetrada pelo agente, de maneira que, por meio de monitoramentos, houve a formação das fundadas razões que, inclusive, justificaram o posterior deferimento das medidas de interceptação telefônica e busca e apreensão, esta que, quando do cumprimento, ensejou a descoberta de 20 invólucros da substância conhecida como maconha, pesando aproximadamente 843g (oitocentos e quarenta e três gramas), além de 10g (dez gramas) da sustância conhecida como skank.
Pontuou que os entorpecentes, em tese, estavam em poder do agente, tanto que ele resultou preso em flagrante e a segregação foi convertida em preventiva, justamente pela legitimidade dos elementos indiciários.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a decisão impugnada, de modo a determinar o prosseguimento da ação penal até seus ulteriores termos, sem olvidar do restabelecimento da segregação cautelar anteriormente decretada com fulcro no pressuposto da garantia da ordem pública (evento 17/PG - em 12-4-2021).
Em juízo de retratação, a decisão foi mantida por seus próprios fundamentos (evento 23/PG - em 17-5-2021).
Contrarrazões apresentadas no evento 29/PG - em 7-6-2021, nas quais a defesa reforçou a fundamentação posta na decisão recorrida, ressaltando a mera existência das denúncias anônimas e a precariedade das diligências realizadas pela Polícia Civil, como fatores que macularam os elementos produzidos em solo indiciário.
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do procurador de justiça Humberto Francisco Scharf Vieira, opinou pelo desprovimento do recurso (evento 9/SG - em 13-7-2021).
Este é o relatório

VOTO


Do juízo de admissibilidade
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Do mérito
A versão da representante ministerial de origem logrou derruir os fundamentos apresentados na decisão impugnada, porquanto, como será visto, a atuação policial foi legítima e produziu elementos dotados de licitude que justificaram a instauração do inquérito policial, por meio do qual resultaram consubstanciadas as fundadas razões que autorizaram o deferimento das medidas de interceptação telefônica e busca e apreensão, cujo resultado, analisado esse contexto, igualmente ensejou a justa causa para a formação da opinio delicti quanto à deflagração da ação penal.
Para melhor compreensão da insurgência recursal, eis o que foi decidido na origem:
1. Nulidades aventadas pela Defesa
Inicialmente, destaco que é entendimento consolidado nos Tribunais Superiores que a denúncia anônima é fundamento idôneo a deflagrar a persecução penal, desde que seja seguida de diligências prévias aptas a averiguar os fatos nela noticiados.
Nesse sentido: HC 152182 AgR, Relator Edson Fachin Segunda Turma, julgado em 31/08/2020 e ARE 1120771 AgR-segundo, Relator Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 05/10/2018.
No caso dos autos, vislumbro que a autoridade policial recebeu três denúncias anônimas (datadas de 15, 17 e 22 de setembro de 2020) noticiando que o acusado estaria comercializando entorpecentes na sua residência e na borracharia de seu genitor (esta localizada nos fundos da sua casa), localizadas na cidade de Siderópolis. Ainda, houve informação no sentido de que o acusado utilizava seu celular para negociar com os usuários e um veículo modelo VW/Gol para realizar as entregas.
A autoridade policial diligenciou a fim confirmar o endereço indicado nas denúncias, assim como a titularidade do veículo apontado - circunstâncias confirmadas, conforme Relatório de Investigação acostado nos autos n. 5016219-02.2020.8.24.0020.
Diante de tal contexto, a autoridade policial representou pela interceptação telefônica do ramal telefônico utilizado pelo acusado, assim como pela busca e apreensão em sua residência e na borracharia de seu genitor.
Os pedidos foram deferidos pelo juízo nos autos n. 5016219-02.2020.8.24.0020.
No entanto, tem razão a Defesa quando aponta que as aludidas medidas foram deferidas com base exclusiva nas denúncias anônimas prestadas à autoridade policial, o que leva à nulidade das provas.
Isso porque o enredo fático dos autos demonstra que os policiais diligenciaram para confirmar o endereço do acusado e o carro que possuía, sem realizar qualquer diligência preliminar e complementar voltada à investigação do crime de tráfico de drogas, imputado - por meio de denúncias anônimas - ao acusado.
Noto, tanto por meio dos relatórios policiais juntados ao longo do feito quanto pelos depoimentos dos policiais civis, que foi realizada uma breve campana na frente da residência do acusado, a qual aconteceu após o deferimento das medidas de interceptação telefônica e busca e apreensão. Contudo, não verifico a existência de atividade apuratória autônoma realizada em momento anterior à deflagração das medidas que são supressoras da garantia individual da intimidade.
Tal proceder, conforme é o entendimento consolidado dos Tribunais Superiores, permite reconhecer a ilicitude das provas obtidas a partir da interceptação telefônica e da busca e apreensão, medidas, in casu, determinas com fundamento exclusivo em denúncia anônima.
Em suma, a nulidade de tais medidas e das provas que dela decorrem se justifica porque não houve esgotamento de prévios meios de prova antes do deferimento das medida invasivas.
O Ministério Público defendeu que houve a realização de diligências prévias, tanto que a autoridade policial confirmou o endereço do acusado e o veículo por ele utilizado. Contudo, os fatos relacionados ao crime propriamente dito devem ser apurados - situação que não aconteceu no caso concreto. Necessário ressaltar que isso poderia ter sido facilmente realizado por meio de prévia campana na região para confirmar a credibilidade das denúncias anônimas recebidas (verificação de movimentação anormal no local, perseguição com viatura a paisana para confirmar as eventuais entregas de drogas realizadas pelo acusado, colheita de depoimentos etc). No entanto, nenhuma medida preliminar foi realizada e sequer houve justificativa por parte da autoridade policial para demonstrar a impossibilidade de realizar tal diligência.
Assim, a ilicitude das medidas, as quais devem ser excepcionais diante do caráter invasivo que possuem, deve ser reconhecida.
Considerando isso, sem maiores delongas, imperioso é o relaxamento da prisão preventiva do acusado, já que decorrente de provas obtidas por meio ilícito.
Ante o exposto, reconheço a ilicitude das medidas de intercepção telefônica e busca e apreensão realizadas em desfavor do acusado RAFAEL TRENTO promovida nos autos de n. 5016219-02.2020.8.24.0020, bem como das provas que dela derivam, com fundamento no art. 157, do CPP.
No mais, relaxo a prisão preventiva e concedo a liberdade provisória ao acusado RAFAEL TRENTO.
Serve a presente decisão como alvará de soltura, devendo ser encaminhada para que o Estabelecimento em que se encontra recluso o Indiciado dê cumprimento urgente à ordem.
Sem prejuízo, expeça-se oportunamente o alvará de soltura, com a comunicação ao banco de dados de mandados prisionais, frisando-se que deverá ser mantida a segregação que se der por motivo diverso dessa ação penal.
2. Rejeição da denúncia
Diante do cenário dos autos, considerando que a denúncia oferecida possui embasamento probatório nas provas consideras ilícitas, não vislumbro justa causa para ensejar a presente ação penal. Assim, rejeito a denúncia nos termos do art. 395, III, do CPP.
Pois bem, a matéria foi examinada e combatida de forma exauriente pela representante do Ministério Público, promotora de justiça Andréia Tonin, em suas razões recursais, de maneira que, com base na técnica per relationem, tais argumentos são adotados como motivação de decidir no presente acórdão:
Inexiste controvérsia quanto ao fato de que, segundo entendimento jurisprudencial dominante, a "denúncia" anônima é apta à deflagração da persecução penal, desde que seja corroborada com diligências preliminares que visem a confirmar as informações recebidas.
[...]
Na mesma linha é o entendimento jurisprudencial sobre interceptação telefônica com base em "denuncias" anônimas, sendo necessário que haja diligências preliminares a corroborar com as informações, bem como que esteja embasada em decisão judicial devidamente fundamentada que leve em consideração a necessidade e a imprescindibilidade da medida como único meio de prova.
Delineada a moldura jurídica, passa-se a destacar as peculiaridades do caso concreto que levam este Órgão de Execução a concluir que a prova dos autos é lícita e, por conseguinte, deve ser recebida a ação penal e ter prosseguimento a persecução penal.
Das diligências preliminares
A autoridade policial recebeu 3 (três) "denúncias" anônimas, no interregno de uma semana, que apontavam a prática do delito de tráfico de drogas por um sujeito chamado Rafael Trento, indicando a sua residência, local de trabalho de seu...

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