Acórdão Nº 5004300-07.2020.8.24.0023 do Terceira Câmara de Direito Público, 15-06-2021

Número do processo5004300-07.2020.8.24.0023
Data15 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5004300-07.2020.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS


APELANTE: MUNICÍPIO DE PORTO BELO/SC (EXEQUENTE) APELADO: MARIA TASCA (EXECUTADO)


RELATÓRIO


O Município de Porto Belo ajuizou execução fiscal contra Maria Tasca, conforme Certidão de Dívida Ativa n. 371/2020, decorrente de débitos de IPTU do ano de 2015, com valor nominal de R$ 2.562,45.
Foi determinada a citação da parte executada, o que não foi cumprida.
Ato contínuo, a nobre Juíza julgou antecipadamente a lide, extinguindo o processo pela nulidade do título executivo, ante a ausência de fundamentação legal do débito, "uma vez que inexiste na(s) CDA(s) qualquer referência a legislação que poderia fundar o débito cobrado, pois apenas há menção dos supedâneos legais dos acréscimos." (evento n. 10, autos principais).
Irresignada, a municipalidade apelou asseverando que a sentença é nula por ofensa ao art. 9º, do Código de Processo Civil, haja vista que a Fazenda Pública não foi previamente ouvida; que a orientação sedimentada na Corte Superior é no sentido de possibilitar a substituição ou emenda da certidão de dívida ativa até a prolação da sentença, quando constatada a existência de vício sanável; que não há como falar em nulidade do título executivo porquanto preenche todos os requisitos exigidos para sua elaboração. Por fim, pugnou pela procedência do apelo com a cassação da sentença extintiva e o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento

VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de Porto Belo contra sentença que, nos autos da execução fiscal n. 5004300-07.2020.8.24.0023 ajuizada contra Maria Tasca, reconheceu a nulidade da Certidão de Dívida Ativa (CDA) por ausência de fundamentação e julgou extinto o feito.
O Município apelante sustenta, como preliminar, que a sentença recorrida é nula por ofensa ao art. 9º, do Código de Processo Civil, porque a Fazenda Pública não previamente ouvida.
O Código de Processo Civil, no que interessa, estabelece:
"Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. [...]
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício".
Todavia, ao contrário do que entende o apelante, não há nenhuma ofensa aos citados dispositivos processuais, nem mesmo ao princípio da não supresa (art. 10, do CP), haja vista que a sentença recorrida está fundamentada nos dispositivos legais aplicáveis ao caso em questão, vale dizer, no art. 2º, § 5º, inciso III, da Lei Federal n. 6.830/1980, e no art. 202, inciso III, do Código Tributário Nacional, os quais se referem aos requisitos que a certidão de dívida ativa obrigatoriamente deve conter, sob pena de nulidade e entre eles está a exigência de indicação do fundamento legal da dívida (ausente na CDA que instrui a execução fiscal aqui discutida).
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, a respeito, decidiu que "o princípio da 'não surpresa', constante no art. 10 do CPC/2015, não é aplicável à hipótese em que há adoção de fundamentos jurídicos contrários à pretensão da parte com aplicação da lei aos fatos narrados pelas partes" (STJ - AgInt no AREsp n. 1.359.921/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 21/11/2019).
No mesmo sentido:
"O 'fundamento' ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico - circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação - não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure" (STJ - AgInt no REsp n. 1.701.258/SP, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 29/10/2018).
Dos fundamentos do voto proferido pela digna Ministra Maria Isabel Gallotti, devido à pertinência e relevância, extrai-se:
"Se ao autor e ao réu não é exigido que declinem, na inicial e na contestação, o fundamento legal, mas apenas o jurídico, não faz sentido supor que o magistrado deva proferir despacho prévio à sentença, enumerando todos os dispositivos legais possivelmente em teses aplicáveis para a solução da causa.
Os fatos da causa devem ser submetidos ao contraditório, não ao ordenamento jurídico, o qual é de conhecimento presumido não só do juiz (iura novit curia), mas de todos os sujeitos ao império da lei, conforme presunção jure et de jure (art. 3º da LINDB).
A subsunção dos fatos à lei deve ser feita pelo juiz no ato do julgamento e não previamente, mediante a pretendida submissão à parte, pelo magistrado, dos dispositivos legais que possam ser cogitados para a decisão do caso concreto. Da sentença, que subsumiu os fatos a este ou àquele artigo de lei, caberá toda a sequencia de recursos prevista no novo Código de Processo Civil.
A aventada exigência de que o juiz submetesse a prévio contraditório das partes não apenas os fundamentos jurídicos, mas também os dispositivos legais (fundamento legal) que vislumbrasse de possível incidência, sucessivamente, em relação aos pressupostos processuais, condições da ação, prejudiciais de mérito e ao próprio mérito, inclusive pedidos sucessivos ou alternativos, entravaria o andamento dos processos, conduzindo ao oposto da eficiência e celeridade desejáveis. Seria necessário exame prévio da causa pelo juiz, para que imaginasse todos os possíveis dispositivos legais em tese aplicáveis, cogitados ou não pelas partes, e a prolação de despacho submetendo artigos de lei - cujo desconhecimento não pode ser alegado sequer pelos leigos - ao contraditório, sob pena de a lei vigente não poder ser aplicada aos fatos objeto de debate na causa.
A discussão em colegiado, com diversos juízes pensando a mesma causa, teria de ser paralisada a cada dispositivo legal aventado por um dos vogais, a fim de que fosse dada vista às partes. Grave seria o entrave à marcha dos processos, além de fértil campo de nulidades.
O absurdo da conclusão revela, data maxima venia, o equívoco da premissa.
Não admito, portanto, a alegação de ofensa ao artigo 10 do CPC/2015" (STJ - AgInt no REsp n. 1.701.258/SP, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 29/10/2018).
Logo, "é certo que a manifestação prévia do credor, em nada modificaria o reconhecimento da inexigibilidade dos lançamentos fiscais, em razão de se tratar de vício insanável, autorizando, portanto, a declaração de ofício da nulidade, não havendo que se falar, em violação aos artigos 7º, 9º e 10 do CPC/15" (TJSC - Apelação Cível n. 0004797-52.2001.8.24.0030, de Imbituba, Relatora Desª Substituta Bettina Maria Maresch de Moura, julgada em 27/8/2020).
Por isso, mudando o que precisa ser mudado, "em se tratando de vício insanável - como no caso, em que houve fundamentação legal equivocada na CDA - não há como subsistir o título executivo, podendo o juízo extinguir a execução, pelo que não há falar em intimação da Fazenda para substituir a CDA. Precedente: REsp 1.045.472/BA, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJe de 18.12.2009 - julgado mediante a sistemática prevista no art. 543-C do CPC (recursos repetitivos)" (STJ - REsp n. 1.208.055/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 28/10/2010).
Assim, tendo a sentença recorrida realizado mera aplicação da lei ao caso em discussão, e considerando que a certidão de dívida ativa deverá preencher obrigatoriamente os requisitos do art. 2º, § 5º, inciso III, da Lei Federal n. 6.830/1980 e do art. 202, inciso III, do Código Tributário Nacional, dentre os quais da apresentação da legislação que fundamenta adequadamente a exação, exigências legais que são do conhecimento da Fazenda Pública, rejeita-se a pretendida nulidade da sentença porque não há ofensa aos arts. e 10, do Código de Processo Civil.
De outro lado, a alegação de que a sentença é nula porque ao exequente não foi dada a oportunidade de substituir a CDA, como autorizam o art. 203, do Código Tributário Nacional, e a Súmula 392, do Superior Tribunal de Justiça, se confunde com o mérito e com ele será examinada.
Pois bem.
A Constituição Federal atribuiu aos Municípios competência para instituir imposto sobre a "propriedade predial e territorial urbana" (art. 156, inciso I); bem como as "taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição" (art. 145, inciso II), e a "contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas" (art. 145, inciso III).
O Código Tributário Nacional, de igual modo, diz que os Municípios poderão instituir o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (art. 32); cobrar as taxas que "têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição" (art. 77); e também a contribuição de melhoria que "é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa...

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