Acórdão Nº 5004346-22.2022.8.24.0024 do Quinta Câmara Criminal, 29-09-2022

Número do processo5004346-22.2022.8.24.0024
Data29 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5004346-22.2022.8.24.0024/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

RECORRENTE: GILBERTO COROLESQUI (RECORRENTE) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Gilberto Corolesqui, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 121, § 2º, II, na forma do art. 14, II, ambos do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na inicial acusatória (autos da Ação Penal - AP, doc. 50):

No dia 28 de agosto de 2016, por volta das 12h30min, na rua Rosy Mari Rocha, Bairro São Miguel, Fraiburgo/SC, o denunciado GILBERTO COROLESQUI, imbuído de manifesto animus necandi, desferiu primeiramente coronhadas e em seguida um disparo de arma de fogo contra a vítima Elizandro da Cruz de Quadros, na região da cabeça, causando-lhe os ferimentos descritos no Laudo Pericial de fl. 33, consistentes em "ferimento pérfuro-contuso na região temporal esquerda, com características de ferimento de entrada de projétil de arma de fogo (F1) e ferimento pérfuro-contuso na região occiptal esquerda com características de ferimento de saída de projétil de arma de fogo (F2), direção do disparo de frente para trás", não consumando seu intento homicida por circunstâncias alheias à sua vontade, uma vez que o ofendido estava vestindo um capacete, bem como porque recebeu atendimento médico eficaz.

O denunciado agiu por motivo fútil, pois tentou matar a vítima porque ela e seus amigos fizeram barulho com motocicletas em frente à sua residência.

Recebida a denúncia (autos da AP, doc. 51) e citado pessoalmente (autos da AP, doc. 62), o acusado apresentou resposta à acusação (autos da AP, doc. 53).

Processado o feito, sobreveio decisão que admitiu a acusação e pronunciou "GILBERTO COROLESQUI como incurso nas sanções do art. 121, §2º, II, c/c art. 14, II, todos do Código Penal, para que se submeta a julgamento perante o Tribunal do Júri desta Comarca, com fundamento no art. 413 do CPP" (autos da AP, doc. 152).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o acusado interpôs recurso em sentido estrito (autos da AP, doc. 155).

Em suas razões (autos da AP, doc. 156), pretendeu, em suma, a absolvição e, subsidiariamente, a desclassificação da suposta conduta homicida para a infração do art. 129 do Código Penal (fl. 4).

Alegou que ocorreu um desentendimento que resultou em agressão física, inexistindo animus necandi, mas, tão somente, a intenção de se defender das agressões praticadas pelo ofendido e "bem assim fazer cessar a importunação que a vítima e seus colegas, constantemente faziam em frente à sua residência" (fl. 2).

Argumentou que desde à época dos fatos cuida do seu genitor que possui doença grave e se encontra acamado, sendo que, inclusive, por meio da prova oral produzida na seara judicial, ficou demonstrado que os seus vizinhos e a vítima "se reuniam TODOS OS FINAIS DE SEMANA na casa ao lado com suas motos de trilha, 'super' barulhentas, mesmo sabendo da enfermidade do pai do recorrente" (fl. 2).

Aduziu que agiu no calor do momento, sendo que apenas pegou a arma de fogo, a qual havia encontrado em seu trabalho como catador de lixo recicláveis dias antes do ocorrido, para "intimidar a vítima e seus colegas para que parassem com barulho das motos face a grave situação enferma" de seu genitor (fl. 3).

Ainda, narrou que "são os fatos relacionados a existência de desentendimentos anteriores" e por idêntico motivo, tanto que há boletins de ocorrência e auto de constatação de integridade física de situações pretéritas (fls. 2-3).

No mais, enfatizou que "se apresentou espontaneamente à autoridade policial após a ocorrência dos fatos. Isso tudo mesmo antes de a vítima ou qualquer outra pessoa ter comunicado a Polícia", o que evidencia a ausência do dolo de matar (fl. 4).

Foram apresentadas contrarrazões pelo órgão ministerial (autos da AP, doc. 158).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Carlos Henrique Fernandes, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (doc. 3).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso é próprio (art. 581, IV, do Código de Processo Penal), tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

O pronunciado pediu, em suma, a absolvição e, subsidiariamente, a desclassificação da suposta conduta homicida para a infração do art. 129 do Código Penal (autos da Ação Penal - AP, doc. 156, fl. 4).

Explico, concernente ao pedido principal, que a fundamentação está calcada na tese de legítima defesa, de modo que a pretensão recursal será examinada como absolvição sumária.

Pois bem.

Ab initio, anoto que a decisão de pronúncia, segundo Guilherme de Souza Nucci:

É decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação da culpa, inaugurando-se a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento de mérito. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 13. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 870).

Justamente por não se tratar de decisão que julga procedente ou improcedente a imputação da denúncia - tarefa constitucionalmente delegada ao Conselho de Sentença nos casos de crimes dolosos contra a vida, nos termos do art. 5º, XXXVIII, "d", da Constituição Federal - o julgador não deve expressar juízos definitivos sobre o mérito do delito, mas apenas avaliar se há elementos de prova aptos a confortar a versão apresentada na inicial incoativa.

Tanto é verdade que Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto ensinam que:

Também em virtude desse caráter restrito da pronúncia, é que se diz que o juiz deve se valer de linguagem sóbria e comedida, sem excessivo aprofundamento na análise da prova, de resto desnecessária porquanto na pronúncia - repita-se - apenas se remete o réu à Júri, cabendo ao Tribunal Popular, este sim, a análise detida do mérito. O excesso de linguagem poderá, mais adiante, exercer indesejável influencia na convicção os jurados que, leigos, decerto podem se deixar impressionar com a terminologia utilizada pelo juiz togado (CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados, 2. Ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 1160).

Em resumo, havendo substrato mínimo de prova, é dever constitucional do juiz remeter a questão à análise dos jurados, responsáveis por decidir, de forma soberana (art. 5º, XXXVIII, "c", da Constituição Federal), sobre a materialidade do fato; sobre a autoria ou participação; sobre absolvição do acusado; sobre a existência de causa de diminuição de pena alegada pela defesa; e sobre a existência de circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecida na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação (art. 483 do Código de Processo Penal).

In casu, não há falar em absolvição sumária, vez que inexistente prova inconteste da alegada excludente de ilicitude, senão vejamos.

A materialidade do crime está devidamente comprovada por meio do boletim de ocorrência (autos da AP, docs. 4-5), comunicação de ocorrência policial (autos da AP, docs. 7-10), termo de apreensão (autos da AP, doc. 22), laudo pericial de exame de lesões corporais (autos da AP, docs. 33-39) e do relatório (autos da AP, docs. 41-43).

Os indícios de autoria, da mesma forma, estão satisfatoriamente demonstrados.

O réu Gilberto Corolesqui, em seu interrogatório judicial, narrou (depoimento transcrito nas alegações finais do Ministério Público, doc. 150, fls. 10-11, dos autos da AP, confirmado pela mídia do doc. 91 dos autos da AP, acrescido das partes entre colchetes):

[...] que não tentou matar a vítima Elizandro e que sua intenção era apenas se defender [das agressões]. Acrescentou que já foi agredido pela vítima em outras oportunidades e que, naquela data, [quando] Elizandro [veio para seu lado na mesma intenção ele] estava acompanhado de mais três pessoas. Segundo o réu, a discussão teve início em razão do barulho das motocicletas, explicando que [reside com seu pai e que] seu pai [é] [...] doente e que solicitou, várias vezes, à vítima e seus amigos que fizessem silêncio. [Disse que eles estavam com as motos ligadas] O réu afirmou que, em resposta ao pedido de silêncio, os indivíduos lhe responderam "aqui nós mandamos" e prosseguiram com o barulho. Além disso, o réu afirmou que Elizandro investiu contra ele com a motocicleta, alegando que, diante do ataque da vítima, disse para sua esposa chamar a Polícia Militar. Acrescentou que ao ver Elizandro vindo em sua direção lembrou da arma que havia deixado no [meio do ferro-velho que catam, na calçada do lado de fora] [...] de sua residência, a qual pegou com intenção de assustar a vítima. O réu disse que Elizandro freou a motocicleta em sua frente e deu cabeçadas, usando capacete, contra a sua cabeça. [Asseverou que o acusado acertou a lateral do seu rosto] Nesse momento, o réu alega que [...] havia encontrado, junto ao lixo reciclável que recolhe, uma arma de fogo, da qual muniu-se na intenção de assustar Elizandro. [Narrou que pegou a arma quando viu a vítima saindo, para amedrontar para ela sair, pois já tinha apanhado deles anteriormente] Em seguida, o réu alegou que ele e a vítima entraram em luta corporal [...] [Asseverou que quando a vítima subiu na moto falou para a esposa chamar a polícia e se inclinou e pegou a arma que estava no ferro-velha na calçada e ficou com a arma na mão. Disse que o ofendido foi na sua direção e que lhe deu uma cabeçada, momento em que entraram em luta corporal. Aventou que a moto caiu ali e que "nós ficamo" e que foi onde aconteceu, sendo que não tinha a intenção de atirar. Narrou que a vítima lhe deu socos e cabeças e que deu uma...

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