Acórdão Nº 5004373-02.2021.8.24.0004 do Segunda Câmara Criminal, 18-01-2022

Número do processo5004373-02.2021.8.24.0004
Data18 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5004373-02.2021.8.24.0004/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: RAFAEL DE ANDRADE (RÉU) ADVOGADO: DIEGO PABLO DE CAMPOS MACIEL (OAB SC037426) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Araranguá, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Rafael de Andrade, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput, da Lei 11.343/06 e 2º, caput, da Lei 12.850/13, nos seguintes termos:

Ato 1 - Tráfico de drogas

No dia 21 de abril de 2021, por volta das 14h50min., na Rua das Rosas, Arapongas, Araranguá/SC, o denunciado Rafael de Andrade guardava, para fins de comercialização, 29,50g (vinte e nove gramas e cinquenta centigramas) de cocaína, 14g (quatorze gramas) de maconha e 55,04g (cinquenta e cinco gramas e quatro centigramas) de crack, agindo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Conforme se apurou, uma guarnição da Polícia Militar recebeu, através da agência de inteligência, informações no sentido de que o denunciado, conduzindo um veículo Ford/Fiesta bordô, saiu de um imóvel sobre o qual havia informações de que estava sendo usado como ponto de armazenamento de drogas.

Na sequência, os policiais abordaram o denunciado e encontraram com ele a chave do referido imóvel, além de R$ 856,00 (oitocentos e cinquenta e seis reais) em espécie.

Nesse contexto, diante das fundadas razões aferidas de modo objetivo no sentido de que estava ocorrendo o armazenamento de drogas no local, e também verificando que o atraso decorrente de mandado judicial fatalmente incidiria na destruição ou ocultação do entorpecente, os Policiais Militares, usando a chave que estava em posse de Rafael, entraram no imóvel (o qual não apresentava sinais de habitação), e encontraram os entorpecentes acima elencados.

Ainda, foram localizados plástico filme já cortado para embalagem de drogas, uma balança de precisão e um colete balístico.

Ressalta-se que a droga apreendida nos autos contêm substância capaz de causar dependência física e/ou psíquica, estando o comércio e uso proibidos em todo o Território Nacional, nos termos da Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

Ato 2 - Da participação em organização criminosa

Em período a ser melhor apurado durante a instrução processual, porém notadamente até, pelo menos, 21 de abril de 2021, em Araranguá, o denunciado Rafael de Andrade integrou/integra, pessoalmente, organização criminosa.

Conforme consta nos autos, no mesmo local onde estavam as drogas e demais materiais elencados no "Ato 1", o denunciado guardava uma carta escrita à mão pela organização criminosa, na qual constava seu nome e diversas informações acerca da facção e de seus integrantes (Evento 1).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito Gilberto Kilian dos Anjos julgou procedente a exordial acusatória e condenou Rafael de Andrade à pena de 10 anos, 3 meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e 691 dias-multa, pelo cometimento dos delitos previstos nos arts. 33, caput, da Lei 11.343/06 e 2º, caput, da Lei 12.850/13 (Evento 61).

Insatisfeito, Rafael de Andrade deflagrou recurso de apelação.

Em suas razões, pugna, preliminarmente, o reconhecimento da nulidade do feito em razão da quebra da cadeia de custódia da prova, diante da ausência de apreensão do cadeado que teria aberto a residência onde as drogas foram apreendidas; diante da ilicitude da prova que lastreia sua condenação, porquanto não poderiam os Agentes Estatais, desprovidos de mandado judicial, ter ingressado no local ou, ainda, porque a investigação criminal foi empreendida por integrantes da Polícia Militar, o que afrontaria o disposto no art. 144, § 4º, da Constituição Federal.

No mérito, almeja a reforma da sentença resistida, a fim de ser absolvido da acusação do cometimento dos crimes de tráfico de drogas e de organização criminosa (CPP, art. 386, I ou V).

Requer, por fim, a fixação da pena-base no mínimo legal, em relação ao crime de tráfico de drogas, ou a alteração da fração de aumento para 1/8, e a restituição dos valores apreendidos (Evento 7).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 11).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pela Excelentíssima Procuradora de Justiça Heloísa Crescenti Abdalla Freire, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 14).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

1. Em preliminar, o Apelante Rafael de Almeida pugna pela decretação da nulidade do feito, diante da quebra da cadeia de custódia da prova, porque não foi apreendido e periciado o cadeado que, aberto, permitiu o acesso à residência onde as drogas foram apreendidas.

Carece de razão a pretensão defensiva.

Ao contrário do que alega, as provas percorreram, desde suas apreensões, caminho absolutamente idôneo e acessível ao Recorrente porque documentado cuidadosamente nos autos, aos quais o Excelentíssimo Defensor constituído teve amplo acesso.

É patente, contudo, que o cadeado que guarnecia a residência onde as drogas foram localizadas não foi apreendido nos autos, circunstância que, por si só, não invalida a prova constituída.

Isso porque os Agentes Estatais relataram (conforme será descrito detalhadamente na análise do mérito) que, em campana realizada, identificaram o veículo do Apelante (Ford/Fiesta bordô) em frente à residência, que já era alvo de denúncias em razão do tráfico de drogas. Diante disso, ao realizarem a abordagem de Rafael de Andrade no mencionado automóvel, apreenderam R$ 856,00 em espécie, além de um molho de chaves. Em averiguação na residência, constataram que uma das chaves abriu o cadeado do local, o que permitiu a apreensão de toda a droga, além da balança de precisão, um colete balístico e a carta endereçada a um dos líderes do "PGC" com a menção ao nome do Recorrente.

Não bastasse isso, as câmeras individuais dos Policiais que realizaram a prisão do Apelante demonstram que uma chave encontrada no veículo que era conduzido por Rafael de Andrade abriu a residência onde as drogas foram localizadas, o que torna irrelevante a elaboração de eventual perícia tanto no cadeado quanto na chave (Evento 60, vídeo 8, dos autos 5003331-15.2021.8.24.0004).

Logo, eventual perícia em nada mudaria a versão dos fatos, pois os demais elementos probatórios carreados aos autos apontam que Rafael de Andrade tinha relação com o imóvel, o qual foi alvo de denúncias anônimas.

Assim, mesmo que houvesse pontual desvio das diretrizes ao resguardo da cadeia de custódia, o que não é o caso dos autos, é certo que isso não resultaria, de imediato, na imprestabilidade da prova.

Retira-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

O instituto da quebra da cadeia de custódia, o diz respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade. Tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita [...] (HC 462.087, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 17.10.19).

E:

A jurisprudência desta Corte Superior há muito se firmou no sentido de que a declaração de nulidade exige a comprovação de prejuízo, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief, previsto no art. 563 do CPP e no enunciado n. 523 da Súmula do STF. Assim, não comprovado efetivo prejuízo ao réu, não há que se declarar a nulidade pela ocorrência de cerceamento de defesa (AgRg no AREsp 1.406.701, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 6.2.20).

Não há, pois, nulidade a ser reconhecida na espécie.

2. Também não há irregularidade na participação de Policiais Militares na investigação criminal porque a Constituição Federal não prevê exclusividade quando comina à Polícia Civil a tarefa de apurar infrações penais, conforme se depreende do seu art. 144:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...]

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. [...]

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. [...]

O direito constitucional, individual e coletivo, à segurança pública (CF, arts. 5º, caput, e 6º, caput), é dever do Estado, ao qual incumbe a atividade de assegurar a ordem pública interna.

Para atingir esse desiderato, o poder público vale-se da polícia administrativa, a qual cabe exercer o poder de polícia administrativa e de segurança, que zela pela tranquilidade social em ação preventiva (polícia ostensiva) e repressiva (polícia judiciária) (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 780).

Não se olvida que à Polícia Militar cabe precipuamente a função ostensiva, enquanto à Civil, a investigativa. Porém, a complexidade prática que representa manter a ordem pública torna inviável e insensato criar limitação, alheia ao texto constitucional, para o exercício conjunto dessa tarefa pelos dois braços da polícia de segurança.

Ante a inexistência de limitação positivada para o cumprimento do munus, impõe-se concluir que sua prestação não foi adstrita a um único Órgão.

Os Órgãos Policiais típicos (Polícia Federal, Rodoviária...

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