Acórdão Nº 5004454-81.2020.8.24.0069 do Quinta Câmara Criminal, 07-04-2022

Número do processo5004454-81.2020.8.24.0069
Data07 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5004454-81.2020.8.24.0069/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

RECORRENTE: RAMON MACIEL ESPINDULA (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Ramon Maciel Espíndula e Diélison da Silva Terres, imputando-lhes a prática do crime tipificado no art. 121, § 2°, II, c/c art. 14, II, do Código Penal, conforme o seguinte fato narrado na inicial acusatória (doc. 2 da ação penal):

No dia 06 de maio de 2020, em horário a ser apurado ao longo da persecução penal, mas certo de que durante o período noturno, na Avenida Interpraias, no interior do Rio Novo Florestal, na cidade de Balneário Gaivota, o denunciado RAMON MACIEL ESPÍNDULA, vulgo "RATO", de posse de uma arma de fogo, agindo em conjunto e em comunhão de esforços com o denunciado DIÉLISON DA SILVA TERRES e um terceiro indivíduo não identificado, todos imbuídos da vontade de matar, deram início ao ato de matar Adriano Martins de Almeida, o que não se consumou por circunstâncias alheias a suas vontades.

Na ocasião, a execução do delito iniciou-se quando os agentes, que se transportavam por um automóvel conduzido pelo denunciado DIÉLISON DA SILVA TERRES, abordaram a vítima Adriano Martins de Almeida, que caminhava pela praia de Balneário Gaivota, e obrigaram-na a ingressar no referido automóvel mediante graves ameaças.

No interior do veículo encontravam-se o denunciado DIÉLISON DA SILVA TERRES, no banco de motorista, um terceiro não identificado, no banco de passageiro frontal, e o denunciado RAMON MACIEL ESPÍNDULA, vulgo "RATO", junto à vítima Adriano Martins de Almeida, no banco de trás, com uma arma de fogo apontada para a cabeça deste.

Foi neste contexto que, ao chegaram num local ermo, onde pretendiam levar a cabo o intento criminoso, os denunciados mandaram a vítima descer do veículo - que, no momento, saiu correndo - e começaram a efetuar diversos disparos de arma de fogo contra seu corpo, dos quais dois lhe atingiram o 1 hemitórax e ombro esquerdos , tendo ela caído ao chão. Em seguida, acreditando que o ofendido Adriano Martins de Almeida estava morto, e que, assim, seu trabalho tinha terminado, evadiram-se do local.

Acontece que o homicídio acabou não se consumando por circunstâncias alheias às vontades dos agentes, uma vez que, aproveitando-se da má pontaria dos atiradores - apesar de ter sido atingida - a vítima se jogou no chão e fingiu estar morta, assim permanecendo até a evasão dos denunciados.

Na sequência, o ofendido se arrastou até o matagal e chamou por socorro, vindo então a ser atendido pelas polícias militar e civil, assim como pelo corpo de bombeiros, que o encaminhou até o hospital Dom Joaquim de Sombrio, onde foi socorrido.

Enfatiza-se que, de maneira evidentemente desproporcional e fútil, o crime foi praticado por conta de uma antiga desavença havida entre o denunciado DIÉLISON DA SILVA TERRES e a vítima Adriano Martins de Almeida, que desde a época em que trabalhavam juntos - quando se conheceram - nunca se gostaram.

Processado o feito, sobreveio decisão que admitiu a acusação e pronunciou "os acusados Dielison da Silva Terres e Ramon Maciel Espíndula nas sanções do art. 121, §2º, II, do c/c art. 14, II, do CP, a fim de submetê-los a julgamento perante o Tribunal do Júri" (doc. 111 da ação penal).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o réu Ramon interpôs recurso em sentido estrito (doc. 117 da ação penal).

Em suas razões (doc. 120 da ação penal), requereu absolvição com base no art. 386, IV, VI e VII, do Código de Processo Penal (fls. 10, 16 e 19), e, por conseguinte/ou, a impronúncia, alegando, em suma, insuficiência de provas acerca da materialidade e autoria criminosas (fl. 6) para que seja condenado ou submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri.

Ainda, declarou que a condenação "exige substrato probatório seguro, de modo que, inexistindo elementos suficientes da autoria delitiva, deve ser aplicado o princípio do in dubio pro reo, com a consequente absolvição" (fl. 11).

Argumentou que "não há como condenar uma pessoa somente pela vontade da vítima aonde esta não oferece nenhum subsídio fático para direcionar o postulado, ou para determinar quem foi o verdadeiro cometedor do ato ilícito, ficando assim em uma incógnita" (fl. 17).

Aduziu que, sob pena de ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório, "quanto aos depoimentos efetuados tão somente da fase inquisitória, ou seja, no Inquérito Policial, não podem servir de fundamento para que possa embasar o pedido da acusação eis que não encontra respaldos doutrinários, jurisprudenciais ou legais, tendo em vista que não foram ratificados na fase judiciária" (fl. 2).

No mais, asseverou que "os depoimentos das testemunhas de acusação são munidos de incertezas e incoerência, o que faz com que estes tenham que ser desconsiderados pelo princípio do 'in dúbio pro reo', sendo que este princípio, parte da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com dúvidas, ou sentenciar havendo dúvidas, portanto, verifica-se que no processo as declarações das testemunhas não dão fundamentos coesos de que realmente o Apelante tenha realmente praticado o ato descrito na denúncia" (fl. 14).

De maneira subsidiária, postulou pela desclassificação do crime para o ilícito tipificado no art. 129, caput, do Código Penal, "substituindo-se a pena, concedendo-lhe uma mais branda" (fl. 21).

Sucessivamente, almejou a aplicação: a) da atenuante da confissão espontânea e, conjuntamente/ou ao menos, do art. 66 do Código Penal, pois "não possui nenhuma procedência que possa dizer que o mesmo possui mal caráter perante a sociedade, eis que o suposto fato ocorrido foi um fato isolado e não que o Apelante seja um criminoso em potencial" (fls. 20-21); b) da causa geral de diminuição de pena do art. 29, § 1º, do Código Penal (fl. 20); c) "da Lei nº 9.099/95 no que couber" e reprimendas alternativas (fl. 21).

De mais a mais, em sendo mantida a decisão de pronúncia, postulou pela revogação da prisão preventiva, de modo a permitir que "possa ficar em liberdade até o julgamento final neste Tribunal" (fls. 21-22).

Outrossim, pediu a concessão do benefício da gratuidade da justiça, "em virtude de ser pessoa pobre na acepção jurídica da palavra e sem condições de arcar com os encargos decorrentes do processo, bem como a isenção de multas caso isto venha a acontecer" (fl. 22).

Por fim, pretendeu a fixação de honorários recursais em prol do defensor dativo (fl. 22).

Foram apresentadas contrarrazões pelo órgão ministerial (doc. 121 da ação penal).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Henrique Limongi, manifestando-se (doc. 4): a) pelo não conhecimento do reclamo no que se refere: 1) à "aplicação das atenuantes do art. 65, inciso III, alínea "d", e do art. 66, e do reconhecimento de participação de menor importância, previsto no art. 29, §1º, todos do Código Penal" (fl. 10), "uma vez que a decisão de pronúncia constitui mero juízo de admissibilidade da acusação, sendo a dosimetria calculada apenas na segunda fase do Júri, em caso de condenação" (fl. 11); 2) aos "pleitos de desclassificação do crime de homicídio qualificado tentado para lesões corporais e de revogação da prisão preventiva", haja vista a ofensa ao princípio da dialeticidade recursal (fl. 12); b) na parte conhecida, pelo desprovimento do recurso.

Este é o relatório.

VOTO

O recurso é próprio (art. 581, IV, do Código de Processo Penal), tempestivo e, conforme se verá, merece ser parcialmente conhecido.

1. Da justiça gratuita e da isenção de eventual multa

Almejou o réu a concessão do benefício da gratuidade da justiça, "em virtude de ser pessoa pobre na acepção jurídica da palavra e sem condições de arcar com os encargos decorrentes do processo, bem como a isenção de multas caso isto venha a acontecer" (doc. 120, fl. 22, da ação penal).

In casu, salienta-se que o pedido de concessão à gratuidade da justiça e de isenção de eventual multa não comportam conhecimento, pois, de acordo com o posicionamento estabelecido por esta Câmara Criminal, são matérias afetas ao Juízo de Primeira Instância.

Nesse sentido:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, I, III, IV, E VI, § 2º-A, I, E §7º, I, DO CÓDIGO PENAL) ALÉM DOS CRIMES DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER (ART. 211, DO CÓDIGO PENAL) E FRAUDE PROCESSUAL (ART. 347, DO CÓDIGO PENAL). PRONÚNCIA EM PRIMEIRO GRAU. RECURSO DA DEFESA. ADMISSIBLIDADE. PLEITO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. [...] (TJSC, Apelação Criminal n. 5006646-13.2020.8.24.0125, rel. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Quinta Câmara Criminal, j. 14-10-2021, grifou-se).

Ainda:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO, QUALIFICADO PELA FUTILIDADE DO MOTIVO, NA MODALIDADE TENTADA (CÓDIGO PENAL, ART. 121, § 2º, II, COMBINADO COM ART. 14, II). DECISÃO DE PRONÚNCIA. INSURGIMENTO DA DEFESA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. JUSTIÇA GRATUITA. ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. ANÁLISE QUE COMPETE AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO [...] (TJSC, Recurso em Sentido Estrito n. 0002365-50.2018.8.24.0067, de São Miguel do Oeste, rel. Luiz Cesar Schweitzer, Quinta Câmara Criminal, j. 08-08-2019, grifou-se).

Na mesma senda:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA. PORTE E DISPARO DE ARMA DE FOGO [ARTS. 14 E 15, AMBOS DA LEI N. 10.826/2003]. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA: PORTE DE ARMA DE FOGO - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADA. CRIME DE MERA CONDUTA E PERIGO ABSTRATO. PRÁTICA DE UMA DAS CONDUTAS DO TIPO PENAL CONFIGURA O CRIME, NÃO IMPORTANDO SE A ARMA DE FOGO ESTAVA AO IMEDIATO USO OU ACONDICIONADA NO VEÍCULO. DISPARO DE ARMA DE FOGO - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADA. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO ALIADO A CONFISSÃO DO RÉU. DOLO DE REALIZAR O DISPARO EVIDENCIADO. FATO QUE OCORREU EM LOCAL HABITADO...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT