Acórdão Nº 5004491-20.2019.8.24.0045 do Quinta Câmara de Direito Público, 05-04-2022

Número do processo5004491-20.2019.8.24.0045
Data05 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5004491-20.2019.8.24.0045/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: JANAINA LUIZ DE OLIVEIRA (AUTOR) APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Por sentença havida na Vara da Fazenda Pública, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos da Comarca de Palhoça, o pedido de proteção acidentária formulado por Janaina Luiz de Oliveira em relação ao Instituto Nacional do Seguro Social foi julgado improcedente.

As partes apelam.

De um lado, a autarquia sustenta a necessidade de devolução dos honorários periciais, pois o fato de ter antecipado tal verba não se traduz em definitiva responsabilidade pela despesa. Sendo o autor beneficiário da gratuidade, o caminho era impor o ônus ao Estado ao Santa Catarina, que eventualmente ainda poderá recuperar a verba (art. 12 da Lei n. 1.060/50). Ressalta, ademais, que não pode ser compelida ao pagamento de despesas típicas de serviço de assistência judiciária gratuita e que o entendimento do STJ ampara sua pretensão.

A seu turno, a autora aponta para cerceamento de defesa. Manifesta que para uma correta instrução, é imprescindível que a prova pericial seja coesa, com respostas claras, objetivas e fundamentadas, mas a descrição do perito, quando houve, se deu de forma evasiva e simplista, sem cumprir o dever designado. Entende que "a matéria discutida não está satisfatoriamente esclarecida pela prova pericial, haja vista que os quesitos foram respondidos de forma demasiadamente genérica e sucinta, em clara ofensa ao artigo 473, IV do CPC".

Critica também o fato de o perito ter desconsiderado todos os documentos médicos dos autos, assim como questiona a falta de uma análise concreta acerca da rotina laboral e das atividades que exerce.

Questiona, ainda, a capacidade técnica do perito, que não possui a especialidade em ortopedia ou medicina do trabalho cadastrada no Conselho Federal de Medicina, de modo que carece de conhecimento técnico suficiente para realizar a perícia, devendo a prova ser anulada com a remessa dos autos à origem.

Sustenta que a sentença incorreu em violação ao art. 10 do CPC: julgou improcedente o pedido sem que se tenha oportunizado às partes exercitar sua influência na formação da convicção do julgador, sobretudo porque nem sequer se advertiu sobre o julgamento antecipado da lide. Aponta que "por tratar-se de resultado que não está previsto objetivamente no ordenamento jurídico nacional e que refoge ao desdobramento natural da controvérsia, considera-se insuscetível de pronunciamento com desatenção à regra da proibição da decisão surpresa, visto não terem as partes obrigação de prevê-lo ou adivinhá-lo". Assim, por se tratar de decisão surpresa, entende que a sentença deve ser anulada.

De todo modo, manifesta que existem elementos suficientes nos autos a autorizar esta Corte de Justiça à análise da matéria de fundo, eis que a causa encontra-se madura, nos termos do art. 1.013, § 3º do CPC.

Defende que efetivamente sofreu redução da capacidade para o trabalho por conta do acidente diante das sequelas existentes em seus ombros e sua coluna cervical. Destaca que o juiz não está adstrito às conclusões do laudo pericial (art. 479 do CPC), haja vista que atua sob seu livre convencimento motivado (art. 371 do CPC). Em sendo assim, os pareceres técnicos apenas conferem elementos ao julgador, a quem cabe executar o sopesamento das provas e a partir disso definir a quem toca o direito. Dispõe, ainda, que "eventual dúvida que possa existir deve ser resolvida em favor da apelante, com a aplicação do princípio in dubio pro misero". Insiste que o auxílio-acidente seja devido, ainda que a lesão seja mínima - conforme compreensão pacífica do STJ -, pois a seu ver é indiscutível a limitação funcional para o desempenho da profissão.

Por outro lado, aponta que, nos termos do Tema 1.013 do STJ e da Súmula 72 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, é possível o recebimento de benefício por incapacidade durante o período em que houve o exercício de atividade remunerada na medida em comprovado que a autora estava incapaz à época.

Requer o restabelecimento do auxílio-doença até a efetiva reabilitação e, ato continuo, a concessão do auxílio-acidente.

VOTO

1. Não houve a propalada decisão surpresa.

A ideia subjacente aos arts. e 10 do CPC é no sentido de que não haja deliberação quanto a argumento em relação ao qual não se oportunizou às partes manifestação. É dizer, antes de se enfrentar aspecto até então não debatido no processo, deve-se facultar aos litigantes posicionamento. A previsão é por si só válida e está rente ao contraditório e à ampla defesa, também refletindo a cooperação processual.

Só que aqui, ao contrário do alegado pela apelante, a situação não refoge ao desdobramento natural da controvérsia. Houve longo debate acerca da existência ou não de incapacidade permanente ou de redução da capacidade laboral, inclusive por meio de prova pericial (e de sua complementação), de modo que, não vejo vício algum no fato de a decisão ser, com base na prova produzida e debatida, de improcedência.

É que os preceitos expostos acima não podem servir como meio para quem, puramente descontente com o veredicto, traga-o como um álibi no afã de vindicar nulidades - o que se choca com a cooperação antes mencionada, cujo caminho deve ser trilhado por todos. Digo isso porque, na linha do que tem interpretado a jurisprudência, o que se veda é a decisão sobre tema até então silenciado. É dizer, um fundamento jurídico abstrato (ainda que ligado a uma situação de fato) capaz de trazer consequências desfavoráveis a uma das partes, não em relação à construção do raciocínio jurídico em si, como se o magistrado tivesse obrigado a desde logo expor todas (!) as nuanças e possíveis interpretações do direito posto e dos próprios fatos. Seria mesmo intrigante que o juízo revelasse antecipadamente suas razões, praticamente adiantando o veredicto, para só aí permitir manifestação das partes. Cuidar-se-ia, antes do diálogo idealizado pelo CPC, de uma quimera legal, em que a oportunidade de os litigantes exporem suas razões seria artificiosa, pois a fundamentação jurídica já estaria revelada (e, quiçá, inalterada).

A orientação do STJ, aliás, é no sentido de que o "fundamento" mencionado pelo art. 10 do CPC é o "fundamento jurídico - causa de pedir, circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação, conforme art. 493 do CPC/2015) - não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria)". Noutros termos, são os fatos da causa que "devem ser submetidos ao contraditório, não o ordenamento jurídico, o qual é de conhecimento presumido não só do juiz (iura novit curia), mas de todos os sujeitos ao império da lei, conforme presunção jure et de jure (art. 3º da LINDB). A aventada exigência de que o juiz submetesse a prévio contraditório das partes não apenas os fundamentos jurídicos, mas também os dispositivos...

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