Acórdão Nº 5004544-27.2020.8.24.0025 do Primeira Câmara Criminal, 15-07-2021

Número do processo5004544-27.2020.8.24.0025
Data15 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5004544-27.2020.8.24.0025/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


RECORRENTE: ISAQUE DOS SANTOS MIRANDA (ACUSADO) ADVOGADO: ERLI ROSE FONSECA (OAB SC036588) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de GASPAR em face de Isaque dos Santos Miranda, dando-o como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:
No dia 27 de setembro de 2020, por volta das 12h30min, no Bar do Ari, localizado na Rua Giuseppe Morastoni, s/n, Bairro Bela Vista, Município de Ilhota/SC, o denunciado ISAQUE DOS SANTOS MIRANDA, com manifesto animus necandi, ou seja, com inequívoca vontade de matar, e utilizando-se de recurso que dificultou a defesa do ofendido, uma vez que agiu de forma inesperada/surpresa, desferiu diversos golpes de facão contra a vítima Darcy Borges, acertando-lhe regiões vitais e causando-lhe os ferimentos descritos no Laudo Pericial Cadavérico n. 9405.20.036671, os quais foram suficientes para ocasionar a morte da vítima.
Segundo restou apurado nos autos, o denunciado ISAQUE e a vítima Darcy eram andarilhos e estavam no "Bar do Ari" comemorando o aniversário de um amigo, quando de forma inesperada/surpresa o denunciado ISAQUE, munido de um facão, desferiu diversos golpes contra a vítima e ocasionou "ferimento profundo na região da face, com exposição da região nasal e do pálato, com 12,0cm de extensão; um ferimento extenso em região parietal direita com exposição de massa encefálica, com 15,0cm de extensão; e um ferimento na região frontal, na inserção do cabelo no couro cabeludo, com exposição da calota craniana", ferimentos estes que ocasionaram choque hipovolêmico em Darcy, levando-o a morte. (evento 1, DENUNCIA1, eproc1G, em 9-10-2020).
Decisão de pronúncia: o juiz de direito Rafael de Araújo Rios Schmitt julgou admissível o pedido formulado na denúncia para, com fundamento no artigo 413 do CPP, pronunciar Isaque dos Santos Miranda como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, a fim de submetê-lo a julgamento pelo Tribunal do Júri (evento 103, eproc1G, em 7-5-2021).
Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a decisão transitou em julgado para o Ministério Público.
Recurso de Isaque dos Santos Miranda: a defesa interpôs recurso em sentido estrito, sustentando, em síntese, que não há indícios suficientes da ocorrência de um crime doloso contra a vida, porquanto "ocorreu legítima defesa de ataque da vítima e além disso, as lesões sofridas não levariam Darcy Borges à morte, caso tivesse sido socorrido a tempo", razão pela qual deve ocorrer a desclassificação para o crime de lesão corporal seguida de morte. Caso não seja essa a conclusão, necessário o afastamento da qualificadora do motivo fútil, pois manifestamente improcedente.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a decisão, a fim de que o delito de homicídio tentado seja desclassificado para o de lesão corporal seguida de morte ou, ao menos, seja afastada a qualificadora (evento 123, eproc1G, em 31-5-2021).
Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que há indícios suficientes da autoria delitiva para pronunciar o recorrente, razão pela qual caberá ao plenário do Tribunal Júri, valorar as provas e decidir pela condenação ou absolvição ou desclassificação do delito contra a vida para de outra competência, bem como acerca da incidência da qualificadora.
Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da decisão de pronúncia (evento 126, eproc1G, em 5-6-2021).
Juízo de retratação: o Magistrado a quo manteve a decisão recorrida por seus próprios fundamentos (evento 128, eproc1G, em 11-6-2021).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: a procuradora de justiça Kátia Helena Scheidt Dal Pizzol opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 9, eproc2G, em 21-6-2021).
Este é o relatório que passo ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Revisor

VOTO


O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido. E, em atenção ao princípio tantum devolutum quantum appellatum, a apreciação limita-se à análise dos argumentos expostos em sede recursal.
A decisão de pronúncia (artigo 413 do CPP) é um mero juízo de admissibilidade, cujo único objetivo é verificar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e dos indícios que apontam o recorrente como autor da conduta descrita, não se exigindo prova incontroversa, basta que haja uma probabilidade de o agente ter cometido o crime doloso contra a vida.
Noutra ponta, a desclassificação do delito, hipótese prevista no artigo 419 do CPP, somente é cabível quando houver prova inconteste de que o crime cometido é diverso daquele apontado na denúncia.
Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci ensina:
O juiz somente desclassifica a infração penal, cuja denúncia foi recebida como delito doloso contra a vida, em caso de cristalina certeza quanto à ocorrência de crime diverso daqueles previstos no art. 74, § 1º, do Código de Processo Penal. [...] Outra solução não pode haver, sob pena de se ferir dois princípios constitucionais: a soberania dos veredictos e a competência do júri para apreciar os delitos dolosos contra a vida.
A partir do momento em que o juiz togado invadir seara alheia, ingressando no mérito do elemento subjetivo do agente, para afirmar ter ele agido com animus necandi (vontade de matar) ou não, necessitará ter lastro suficiente para subtrair, indevidamente, do Tribunal Popular a competência constitucional que lhe foi assegurada. É soberano, nessa matéria, o povo para julgar seu semelhante, razão pela qual o juízo de desclassificação merece sucumbir a qualquer sinal de dolo, direto ou eventual, voltado à extirpação da vida humana (Tribunal do júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 88/89).
Na decisão atacada, o Togado singular entendeu que existem elementos que indicam a possibilidade de o agente ter, em tese, agido com intenção de ceifar a vida da vítima, nos termos da descrição...

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