Acórdão Nº 5004723-36.2020.8.24.0000 do Segunda Câmara de Direito Público, 30-08-2022

Número do processo5004723-36.2020.8.24.0000
Data30 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5004723-36.2020.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ

AGRAVANTE: MARIA CRISTINA ALCANTARA ANDRADE AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por MARIA CRISTINA ALCÂNTARA ANDRADE contra decisão interlocutória que, na Ação Civil de Improbidade Administrativa n. 5000030-28.2019.8.24.0005 ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA em face da agravante e de FABRÍCIO JOSÉ SÁTIRO DE OLIVEIRA, JOSÉ FERNANDO MARCHIORI JÚNIOR, HEDUARD CARLOS DA SILVA, CINANDRA GEREMIA, HELPER TECNOLOGIA DE SEGURANÇA S/A, LUZIA DONHA ARTERO e do MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC, recebeu a demanda e determinou a indisponibilidade de tantos bens móveis (excetuados ativos financeiros) e imóveis quanto forem necessários à garantia do suposto prejuízo causado, até o valor de R$ 1.641.160,00 de todos os requeridos.

Em síntese, argumenta que para dispensa da licitação é necessário que a exclusividade seja comprovada por meio de documento fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação, a obra ou o serviço; pelo sindicato, federação ou confederação patronal; ou, ainda, por entidades equivalentes. No caso, o argumento de que a declaração foi expedida acerca de 1 ano antes do certame não poderá ser considerado, uma vez que a legislação não determina prazos para expedição da certidão, mesmo em entidades oficiais. Acrescenta que a declaração emitida pela ABESE deverá ser considerada como documento válido para fins de inexigibilidade, uma vez que nenhuma prova mínima afastou a lisura desta declaração. Noutro ponto, diz que a indisponibilidade de bens só pode ser decretada se comprovados indícios do direito e urgência, cumulativamente, o que neste processo não se demonstrou. Pugna pelo deferimento de liminar para suspender a decisão que determinou o bloqueio de bens dos réus e, ao final, o provimento do recurso para rejeitar a ação de improbidade e anular em definitivo a medida liminar de bloqueio de bens.

Este relator deferiu, em parte, o pedido de efeito suspensivo ao recurso para determinar o levantamento da medida de indisponibilidade de bens dos agravantes e a suspensão do processo, até o julgamento deste recurso (Evento 9).

O Ministério Público interpôs agravo interno, visando o indefermento da antecipação dos efeitos da tutela recursal, no ponto que tratou da indisponibilidade de bens dos requeridos (Evento 22).

Contrarrazões ao agravo de instrumento apresentadas (Evento 34).

Resposta ao agravo interno também ofertadas de forma regular (Evento 36).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer exarado pelo Excelentíssimo Senhor Alexandre Herculano Abreu, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 42).

Em sessão do dia 16/3/2022, este Colegiado decidiu converter o julgamento em diligência para manifestação das partes acerca das alterações promovidas pela Lei n. 14.230/2021 (Eventos 64 e 65).

Tanto o recorrente quanto o recorrido apresentaram manifestação (Eventos 72 e 73).

VOTO

1. A decisão agravada recebeu a ação de improbidade administrativa e determinou a indisponibilidade de bens necessários à garantia do suposto prejuízo causado, até o valor de R$ 1.641.160,00, de todos os requeridos.

De rigor trazer o entendimento acerca dos efeitos da entrada em vigor da Lei n. 14.230/2021, a qual alterou grande parte da Lei n. 8.429/1992 - Lei de Improbidade Administrativa.

Com efeito, segundo orientação adotada por esta Corte, a Lei de Improbidade Administrativa faz parte do Direito Administrativo Sancionador, de forma que incidente o art. 5º, XL, da CF/1988, segundo o qual a lei penal deve retroagir apenas e tão somente para beneficiar o réu:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Observe-se que mesmo antes da edição da Lei n. 14/230/2021, já se compreendia a improbidade administrativa dentro do Direito Administrativo Sancionador. Agora, com as alterações, está expresso no art. 1º, § 4º, da LIA: "aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador".

Sobre o ponto, bem defendeu o eminente Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva:

Ao adotar o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, o objetivo não é negar o caráter fundamental da proteção à probidade administrativa.

Seguindo o paralelo com o Direito Penal, é possível notar que, mesmo com sucessivas alterações legislativas, os bens jurídicos continuam sendo protegidos, mas isso não obsta que, eventualmente, haja abolitio criminis.

A mesma lógica aplica-se ao direito administrativo sancionador - e não porque eventual conduta ímproba passa a ser socialmente aceita, mas pelo fato de o legislador reconhecer que já não era mais viável puni-la com as penas duras e severas previstas na Lei de Improbidade Administrativa.

O objetivo continua sendo a proteção do direito fundamental, mas o rol de condutas não é imutável e isso, por si só, não viola o princípio da vedação ao retrocesso e tampouco configura proteção deficiente.

Assim, não há falar em inconstitucionalidade do art. 4º, VI, da Lei n. 14.230/2021.

O órgão ministerial também sustenta a inaplicabilidade da Lei n. 14.230/2021 aos atos de improbidade praticados antes da sua vigência, pois se aplica o princípio tempus regit actum, segundo o qual deve ser adotada a norma de direito material vigente à época da ocorrência do fato.

Diante da aplicação supletiva das normas de direito penal, fica afastado o princípio tempus regit actum, de modo que a nova redação da Lei de Improbidade Administrativa deve retroagir para alcançar os fatos pretéritos, no que for mais favorável ao réu (AC n. 0900599-55.2017.8.24.0039, TJSC, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 01-02-2022 - grifou-se).

Nesse contexto, as modificações promovidas por força da Lei n. 14.230/2021, em benefício do acusado, devem ser aplicadas mesmo a fatos ocorridos preteritamente.

Vale registrar que o STF reconheceu repercussão geral sobre essa questão, qual seja, "Definição de eventual (ir)retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo - dolo - para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente" (Tema 1.199/STF).

Porém, não houve determinação de sobrestamento de processos nas instâncias ordinárias, mas tão somente dos recursos especiais, de modo que não há obstáculo ao julgamento do feito.

2. Inicialmente, convém registrar que o voto deste relator era no sentido de prover parcialmente o recurso tão somente para revogar a indisponibilidade de bens dos agravantes, mantendo-se, porém, o recebimento da ação de improbidade administrativa. Contudo, após a vista do eminente Des. Cid Goulart, e a abertura vista para manifestação das partes diante da edição da Lei n. 14.230/2021, o convencimento direcionou pelo provimento integral do reclamo, uma vez que não vislumbrados atos de improbidade administrativa, de forma que a ação deve ser rejeitada.

Pois bem, colhe-se que a demanda tem como fundamento a Inexigibilidade de Licitação n. 009/17 - FUNTRAN, que teve por objeto a contratação pelo Município de Balneário Camboriú da empresa Helper Tecnologia de Segurança S/A para a locação de equipamentos de segurança denominados "Sistema Integrado de Trânsito", conhecidos como "totens". Alega-se que o valor anual da locação de 10 (dez) "totens" foi de R$ 1.641.160,00, porém, não seria possível a inexigibilidade licitatória, pois não haveria exclusividade e, ainda, outros municípios do país também teriam contratado o aludido sistema por meio de licitação. Além disso, no ano seguinte, em 2018, o Município de Balneário Camboriú, por meio de licitação com a participação de outras empresas, o que demonstra ser indevida a dispensa do procedimento concorrencial, formalizou novo contrato com a empresa Helper Tecnologia de Segurança S/A, por um valor muito inferior, de R$ 615.000,00. Outrossim, segundo o Ministério Público, o produto entregue não atendia ao que prometia, porquanto 2 (dois) totens não apresentavam câmeras e nos demais as câmeras foram instaladas fora do aparelho.

Ocorre que, apesar de se imputar aos requeridos, além de atos violadores a princípios da Administração Pública, também atos que importam em prejuízo ao erário, com fundamento nos arts. 10 e 11 da Lei n. 8.429/1992, não estão presentes elementos suficientes acerca da existência tanto do ato ímprobo quanto da lesão ao erário.

Ao que se extrai dos autos, a contratação foi realizada por inexigibilidade de licitação com fundamento no então vigente art. 25, I, da Lei n. 8.666/1993, segundo o qual não se exigia licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial, para aquisição de gêneros que só possam ser fornecidos por uma empresa com exclusividade:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

Na hipótese em testilha, a Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança - ABESE emitiu carta de exclusividade constando no...

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