Acórdão Nº 5004747-24.2020.8.24.0175 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 27-10-2022

Número do processo5004747-24.2020.8.24.0175
Data27 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5004747-24.2020.8.24.0175/SC

RELATOR: Desembargador RODOLFO TRIDAPALLI

APELANTE: VALMOCY CORREA (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Da ação

Adoto o relatório da sentença recorrida (Evento 21), em atenção aos princípios da celeridade e economia processual, por retratar com fidedignidade o trâmite processual no primeiro grau, in verbis:

VALMOCY CORREA propôs ação contra BANCO BMG S.A, na qual sustentou, em suma, que percebeu a averbação de um contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável em seu benefício previdenciário, firmado com a parte ré, que jamais desejou ter contratado.

Requereu: i) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito RMC; ii) a condenação da restituição em dobro dos descontos realizados; iii) a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 20.000,00.

Em decisão interlocutória, deferiu-se os benefícios da justiça gratuita.

Citada, a parte ré apresentou resposta na forma de contestação, na qual arguiu, em suma: i) a regularidade da contratação do cartão de crédito, e a ausência de vício de consentimento da parte autora; ii) a impossibilidade de inverter o ônus da prova; iii) a ausência de danos morais; iv) o descabimento da repetição de indébito.

Houve réplica.

Da sentença

A Juíza de Direito, Dra. SABRINA MENEGATTI PITSICA, da Unidade Regional de Direito Bancário da Comarca de Florianópolis, julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos (Evento 21):

Ante o exposto, com resolução de mérito, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para:

I - Declarar a nulidade da modalidade contratual apresentada (contrato de cartão de crédito consignado) e, por consequência, determinar que as partes voltem ao status quo ante, devendo, os valores depositados na conta bancária da parte autora, atualizados monetariamente pelo INPC, ser compensados com a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente pela parte ré a título de RMC, atualizados monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

II - Condenar a parte ré a efetuar o pagamento em favor da parte autora, a título de danos morais, da quantia de R$ 5.000,00, acrescida de correção monetária pelo INPC a partir desta sentença e de juros de mora de 1% ao mês, a contar da data da inclusão dos descontos no benefício previdenciário da parte autora.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios de sucumbência, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação, com fundamento no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Da Apelação da Instituição Financeira

Inconformado com a prestação jurisdicional, o BANCO BMG S.A, ora Apelante, interpôs recurso de Apelação (Evento 27).

Alega, em suma, a legalidade do contrato celebrado. Aduz que o contrato de cartão de crédito consignado com possibilidade de saque é suficientemente claro e preciso ao identificar a modalidade que está se contratando, os mecanismos de pagamento e a cobrança dos débitos correspondentes.

Acrescenta que os documentos anexados aos autos demonstram que o contrato não dá margem a interpretação equivocada, pois existe autorização expressa do Autor, ora Apelado, para o desconto em folha de pagamento.

Assevera que inexistente a prática de ato ilícito, sendo indevida a condenação por dano moral. Ainda, sustenta que a situação fática descrita não caracteriza abalo moral indenizável, uma vez que o dano alegado sequer foi comprovado.

Argumenta que a restituição dos valores descontados somente é possível quando há cobrança de quantia indevida, o que não é o caso dos autos.

Ao final, requer o provimento do Apelo, para reconhecer a validade da contratação, e a inexistência dos danos morais e materiais. Subsidiariamente, pugna pela minoração da indenização por abalo moral.

Da Apelação do Autor

Também inconformado, o Autor VALMOCY CORREA, interpôs recurso de Apelação (Evento 31), aduzindo, em síntese, que ao ser ludibriado com a forma de contração proposta pelo Banco, faz jus a majoração do quantum da indenização do dano moral.

Das contrarrazões

Devidamente intimadas, as partes apresentaram contrarrazões (Eventos 36 e 42). O BANCO BMG S.A aventa a necessidade de intimação da parte Autora para que informe se tem conhecimento do ajuizamento da ação, sob a alegação de prática de conduta temerária ante o reiterado ajuizamento de ações praticamente idênticas pelo seu procurador. Subsidiariamente, requerer a expedição de ofícios à Ordem de Advogados do Brasil, ao Ministério Público e à Autoridade Policial para que sejam apurados os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica, além de postular a condenação do causídico em litigância de má-fé.

Os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça.

Com a distribuição, vieram-me conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

I - Da admissibilidade

Os recursos preenchem os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual merecem conhecimento.

II - Das contrarrazões

O BANCO BMG S.A requer a intimação da parte Autora para que informe se tem conhecimento do ajuizamento da ação, sob a alegação de prática de conduta temerária ante o reiterado ajuizamento de ações praticamente idênticas pelo seu procurador. Subsidiariamente, pleiteou a expedição de ofícios à Ordem de Advogados do Brasil, ao Ministério Público e à Autoridade Policial para que sejam apurados os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica, além de postular a condenação do causídico em litigância de má-fé.

Sem razão.

No que se refere ao pleito de intimação da parte Autora para que esta informe o seu conhecimento acerca da propositura da lide, infere-se que tal medida não se revela plausível, notadamente pelo conteúdo genérico da narrativa, que não encontra abrigo em qualquer início de prova.

Conforme já decidiu este Tribunal, eventual desvirtuamento do interesse da parte Autora na propositura da demanda não pode ser reconhecido a partir de meras conjecturas, não cabendo ao juízo, sobretudo em segundo grau de jurisdição, investigar o ânimo da parte (Nesse sentido: Apelação n. 5030238-56.2020.8.24.0038, rel. Mariano do Nascimento, j. 04-02-2021 e Apelação n. 5007736-58.2020.8.24.0092, rel. Guilherme Nunes Born, j. 08-07-2021).

Salienta-se que o instrumento de procuração subscrito pela parte, cuja autenticidade não foi derruída, tem o condão de evidenciar a prévia ciência sobre o pleito vertido em juízo, bem como seu interesse na tutela jurisdicional vindicada.

Igualmente, não merece amparo o pleito de condenação do procurador da parte demandante nas penas de litigância de má-fé, especialmente em virtude de que a aplicação das indigitadas penalidades é dirigida às partes da relação processual instaurada, e não aos seus causídicos.

A propósito, entende-se que "o fato do procurador da parte autora ter ajuizado, supostamente, centenas de ações versando sobre os mesmos pedidos e causas de pedir, não o transforma, por si só, em causídico agressor. Isso porque se trata de seu ofício e, pelo visto, da matéria que, por ora, mais lhe condiz" (TJSC, Apelação n. 0301613-52.2019.8.24.0040, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 30-07-2020).

Em arremate, caso a instituição financeira entenda haver indícios de infrações disciplinares e condutas típicas, poderá buscar diretamente as Autoridades administrativas ou o respectivo órgão de classe competente, se assim julgar necessário (Apelação n. 5001121-83.2021.8.24.0038, rel. Tulio Pinheiro, j. 01-07-2021).

III - Do julgamento conjunto dos recursos

Tratam-se de Apelações Cíveis interpostas por BANCO BMG S.A e pelo Autor VALMOCY CORREA, ambos contra a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na "Ação Declaratória de Nulidade de Relação Jurídica c/c Ação Indenizatória por Danos Morais c/c Repetição do Indébito".

a) Da nulidade contratual

Inicialmente, imperioso destacar que a relação existente entre as partes está sob o albergue do Código de Defesa do Consumidor, subsumindo-se Apelante e Apelado aos conceitos de fornecedor e consumidor prescritos nos artigos 2° e 3°, ambos do Diploma Protetivo.

Ademais, quanto à aplicabilidade das normas consumeristas às Instituições Financeiras, incide na espécie a Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça: "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".Superada a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em comento, passo à análise da discussão vertida nos autos.

No caso em comento, a Instituição Financeira, ora Apelante, defende a regularidade da contratação, a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT