Acórdão Nº 5004806-56.2021.8.24.0052 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 18-08-2022

Número do processo5004806-56.2021.8.24.0052
Data18 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5004806-56.2021.8.24.0052/SC

RELATORA: Desembargadora SORAYA NUNES LINS

APELANTE: JOAO OLAVO PEREIRA (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

João Olavo Pereira ajuizou "ação de restituição de valores c/c indenização por danos morais com pedido de tutela provisória de urgência antecipada" contra Banco BMG S.A, na qual sustenta que formalizou contrato de empréstimo consignado com o banco réu e, assim, concluiu que o pagamento seria realizado com os descontos mensais diretamente do seu benefício, conforme sistemática de pagamento de empréstimos consignados. No entanto, a instituição financeira realizou operação bancária diversa, com reserva de margem de cartão de crédito, em nítida falha na prestação do serviço.

Aduziu que não houve o desbloqueio, tampouco o regular uso do cartão, de modo que a instituição financeira não poderia cobrar ou descontar valores do autor a título de RMC.

Sustenta, ainda, que o contrato coloca o autor em exagerada desvantagem em relação ao banco, pois os descontos realizados em seu benefício limitam-se ao pagamento mínimo do cartão, sendo a dívida refinanciada todos os meses e nunca amortizada.

Entende que a utilização do cartão pelo consumidor não pode, por si só, prevalecer como única razão para improcedência dos pedidos, pois o contrato de reserva de margem consignável assegura vantagem extrema às instituições financeiras, e o consumidor não tem o conhecimento de que, utilizando ou não o cartão, terá descontado o valor do RMC de seu benefício previdenciário.

Pugnou, dessa maneira, pela declaração da inexistência da relação jurídica relativa ao empréstimo via cartão de crédito, bem como da reserva de margem consignável (RMC), com a condenação da ré à restituição dos valores cobrados indevidamente.

Além disso, pleiteou pela condenação do banco réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a concessão da assistência judiciária gratuita e a inversão do ônus da prova. Alternativamente, requereu ainda a readequação/conversão do empréstimo de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado (evento 1, INIC1 - autos de origem).

Recebida a petição inicial, indeferiu-se a gratuidade da justiça e a inversão do ônus da prova e indeferiu-se a tutela de urgência (evento 8, DESPADEC1).

A instituição financeira, de forma espontânea, apresentou contestação (evento 17, CONT1) e juntou documentos.

Houve réplica (evento 21, RÉPLICA1).

Sentenciando (evento 23, SENT1), o Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial, nos seguintes termos:

Diante do exposto, com resolução de mérito (CPC, art. 487, I, c/c art. 490), JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por JOAO OLAVO PEREIRA em face de BANCO BMG S.A.

Indefiro o pedido de antecipação de tutela nos termos da fundamentação.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, fixando os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, considerando complexidade da causa, o julgamento antecipado e o grau de zelo dos profissionais, vedada a compensação (CPC, art. 85 e parágrafos).

Inconformada com a prestação jurisdicional, a parte autora interpôs recurso de apelação (evento 29, APELAÇÃO1), no qual pretende, em suma: a) o reconhecimento da ilegalidade da avença, com a conseguinte declaração de inexistência da contratação do cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC); b) a restituição dos valores indevidamente descontados; c) a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais; d) o prequestionamento de dispositivos constitucionais e legais atinentes à matéria.

Ao final, pugna pela reforma da sentença, e, consequentemente, o provimento do recurso para julgar procedentes os pedidos deduzidos na exordial.

Intimado, o apelado apresentou contrarrazões (evento 34, CONTRAZ1).

Após, vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO



Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por João Olavo Pereira contra a sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Porto União que, nos autos da "ação de restituição de valores c/c indenização por danos morais com pedido de tutela provisória de urgência antecipada", julgou improcedentes os pedidos exordiais.

Presentes os requisitos de admissibilidade, passa-se à análise da quaestio.

1. Contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável

No caso em análise, denota da narrativa inicial que o autor pretendia firmar contrato de empréstimo consignado com o banco réu mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Entretanto, foi-lhe concedido cartão de crédito consignado, por meio do qual foram promovidos descontos no seu benefício previdenciário, realizados a título de reserva de margem consignável (RMC), os quais são indevidos, pois não autorizados.

Trata-se induvidosamente de relação de consumo, sujeita à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova para a facilitação dos direitos do autor, uma vez que configurada a hipossuficiência técnica e financeira em relação à instituição financeira (art. 6º VIII, CDC).

Da detida análise dos documentos colacionados aos autos, é possível constatar que o apelante firmou, em 18/01/2018, com o Banco "Termo de Adesão Cartão Crédito Consignado Emitido pelo Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha", sob o nº adesão 50763950 (evento 17, CONTR2), da qual se originou a reserva de margem para cartão de crédito nº 13512875, cuja data de inclusão ocorreu em 19/01/2018 (evento 1, OUT7).

As faturas acostadas ao feito, por sua vez, demonstram que o cartão de crédito cedido ao recorrente jamais fora utilizado na sua função precípua, qual seja, aquisição de produtos e serviços de consumo, visto que os únicos lançamentos deduzidos se referem, justamente, aos saques disponibilizados via "TED" (evento 17, COMP6,evento 17, COMP7,evento 17, COMP8), bem como aos demais encargos de refinanciamento (evento 17, FATURA3,evento 17, FATURA4). Resta evidente, portanto, na verdade, tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável.

Assim, em que pese o banco tenha apresentado o contrato firmado entre as partes, bem como haja cláusula expressa autorizando a reserva de margem consignável, tal fato, por si só, não confere legitimidade à avença, tampouco permite inferir-se extreme de dúvidas que, efetivamente, a parte autora possuía conhecimento sobre as características da avença celebrada.

Além disso, o valor descontado do benefício previdenciário, através do "empréstimo RMC", reserva-se ao pagamento mínimo indicado nas faturas mensais do cartão, resultando, assim, na contratação de crédito rotativo quanto ao saldo remanescente, com incidência de juros altíssimos, típicos de contratos de cartões de crédito. Tais situações são práticas consideradas abusivas e vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

É o que se extrai dos arts. 39, III e IV, e 51, IV, da mencionada Lei:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:[...] III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

Cumpre destacar também que os serviços bancários em especial se revestem de complexidades e são altamente passíveis de expor os clientes a riscos, o que impõe deveres e redobrados cuidados aos prestadores. Bem por isso, a Resolução nº 3694/2009, do Conselho Monetário Nacional, dispunha:

Art. 1º As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços, devem assegurar:[...]

III - a prestação das informações necessárias à livre escolha e à tomada de decisões por parte de clientes e usuários, explicitando, inclusive, direitos e deveres, responsabilidades, custos ou ônus, penalidades e eventuais riscos...

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