Acórdão Nº 5004825-38.2020.8.24.0039 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 17-11-2020

Número do processo5004825-38.2020.8.24.0039
Data17 Novembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5004825-38.2020.8.24.0039/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER


APELANTE: FLORINDA MARIA PEREIRA DA SILVA (AUTOR) APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)


RELATÓRIO


Florinda Maria Pereira da Silva interpôs Recurso de Apelação (Evento 19) contra sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na 4ª Vara Cível da Comarca de Lages que, nos autos da "AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA c/c PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL c/c REPETICAO DE INDÉBITO" ajuizada em face de Banco Cetelem S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:
Pelo exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados por FLORINDA MARIA PEREIRA DA SILVA contra BANCO CETELEM S/A, condenando a autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa, arbitrados em 10% sobre o valor corrigido da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, cuja exigibilidade fica suspensa em razão do deferimento da justiça gratuita.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se1.
(Evento 16, destaques no original).
Em suas razões recursais, a Requerente defende, em suma, que: a) a intenção da Demandante era firmar um contrato de empréstimo consignado com desconto em folha de pagamento em seu benefício previdenciário que foi desvirtuado pelo Banco para a modalidade de cartão de crédito consignado - RMC; b) jamais fez uso do cartão supostamente disponibilizado conforme faturas anexadas nos autos; c) não lhe foram prestadas as devidas informações quando da pactuação da avença subjudice; d) possuía margem consignável disponível para realização de empréstimo consignado quando da realização do pacto; e) deve ser declarada a nulidade do contrato e alternativamente sua conversão para empréstimo consignado tendo em vista que esta era a modalidade almejada pela Recorrente; f) diante da conduta da Casa Bancária e dos descontos e reserva de margem efetuada no benefício da Autora são cabíveis no caso em tela a repetição do indébito de forma dobrada e a condenação do Demandado em danos morais; e g) os ônus sucumbenciais devem ser invertidos.
Empós, vertidas as contrarrazões (Evento 25), ascenderam os autos a este grau de jurisdição.
É o necessário escorço

VOTO


Primeiramente gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.
Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em 25-06-20, isto é, já na vigência do CPC/2015.
1 Do Recurso
1.1 Da declaração de inexistência de débito
A Requerente ajuizou ação declaratória em face do Banco Cetelem S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que a Consumidora acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.
Exsurge da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais.
O Magistrado julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular, pautando-se nos seguintes fundamentos:
Do exame das informações constantes no detalhamento de crédito [evento 9 - outros 12], que na época da contratação a autora recebia a título de aposentadoria R$ 937,61, sendo que possuía como descontos referentes a cinco empréstimos consignados, no montante de R$ 270,61.
No caso, o percentual dos descontos atingia 28,86% do benefício da autora, de modo que somente poderia contratar cartão de crédito consignável. Ora, a autora poderia dispor de 30% seu benefício previdenciário como margem consignável, conforme estabelece o art. 3º, § 1º, da Instrução Normativa do INSS n. 28/2008, vigente na época da contratação, conforme observa-se:
[...]
Dessa forma, constata-se que o autor tinha plena ciência do contrato, até porque, não havia margem para realizar empréstimo consignado, optando pela modalidade do cartão de crédito, o qual adiciona mais 5% sobre o limite máximo da margem consignável [30%]. Portanto, a adesão do autor foi voluntária e consciente ao contrato cartão de crédito consignado, com a expressa autorização para a realização de saque e desconto diretamente no benefício previdenciário [evento 9 - outros 12].
[...]
Demonstrada a contratação do empréstimo, não há que se falar em repetição de indébito em dobro, porque "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável" [art. 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/1990], o que não se verificar na espécie, na medida em que legítimos os descontos efetuados pelo réu no benefício previdenciário do autor.
(Evento 16, destaques no original).
Aflora do caderno processual ser incontroverso que as Partes firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.
Enquanto a Insurgente sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira, defende que a Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia denominada "Proposta de adesão cartão de crédito consignado" (Evento 9, outros 12).
A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).
Enfatizo que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.
Observo que foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário da Autora do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.
Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade da Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.
Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.
Com efeito, a Demandante é detentora da benesse da gratuidade da justiça e aufere pensão por morte.
Do extrato de pagamentos do benefício n. 137.527.965-0 (Evento 1, extrato 6), infere-se: (a) a existência de empréstimos consignados ativos; e (b) uma reserva de margem consignável para cartão de crédito.
É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta bancária da Autora (Evento 9, outros 12) - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.
Além disso, não há qualquer prova no feito que demonstre o envio do cartão de crédito à Hipossuficiente e tampouco que tal instrumento foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia-a-dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.
A propósito, quanto a este aspecto, destaco que eventual esgotamento da margem consignável de 30% ou a efetivação de amortizações não autoriza o raciocínio de que a Consumidora efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.
É ilógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - a Aposentada realmente estava disposta a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.
Gizo que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha previdenciária apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.
A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de...

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