Acórdão Nº 5004956-46.2020.8.24.0125 do Segunda Câmara Criminal, 24-08-2021

Número do processo5004956-46.2020.8.24.0125
Data24 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5004956-46.2020.8.24.0125/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

RECORRENTE: EDVALDO CANUTO DA SILVA (RECORRENTE) ADVOGADO: DANIEL GORGES (OAB SC030882) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO) UNIDADE EXTERNA: FLORIANÓPOLIS - PRESÍDIO MASCULINO INTERESSADO: OZIEL MARCAL SANTIN

RELATÓRIO

Na Comarca de Itapema, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Edvaldo Canuto da Silva, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, e art. 150, § 1º, ambos do Código Penal.

Posteriormente, foi oferecido Aditamento à Exordial, para incluir Oziel Marçal Santin na condição de réu, bem como readequar a tipificação dos delitos imputados à Edvaldo e Oziel para aqueles previstos no art. 121, § 2º, incisos I, III, IV e V, do Código Penal, e art. 2º, caput, c/c § 2º, da Lei n. 12.850/2013, em razão dos seguintes fatos:

CONDUTA 1 - Organização Criminosa - art. 2º, CAPUT, E §2º, LEI 12.850/2013

Em data, hora e local a ser apurados no decorrer da instrução processual, mas perdurando até dezembro de 2018 e no ano de 2019, EDVALDO CANUTO DA SILVA e OZIEL MARÇAL SANTIN passaram a integrar pessoalmente o "Primeiro Grupamento Catarinense" - PGC, organização criminosa com mais de quatro integrantes, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas e funções, formada com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza a partir da prática de diversos crimes graves, como o tráfico de drogas, crimes contra o patrimônio, homicídios e ameaças contra a vida de terceiros etc, visando perpetuar a traficância na região (Itapema e cidades vizinhas) e no Estado de Santa Catarina.

Ressalta-se que é de conhecimento público e notório, não só a existência da referida organização criminosa, como também a sua atuação em todo o Estado de Santa Catarina, com lideranças e membros em diversas cidades do estado, inclusive dentro do sistema penitenciário e, dentre aquelas, um núcleo ativo do grupo nesta cidade de Itapema, ao qual pertencem os denunciados.

Deste modo, os denunciados EDVALDO CANUTO DA SILVA e OZIEL MARÇAL SANTIN têm participação ativa na facção criminosa PGC, evidenciando-se que a morte de Maykon Marques Gonçalves, vítima nos autos, foi praticada em nome da organização criminosa, com a participação deles e por eles arquitetada em conjunto com outros integrantes não identificados.

OZIEL MARÇAL SANTIN era o dono da droga apreendida na tarde do dia 11.12.2018 na posse de Maico Kauan de Oliveira Floriano (autos n. 00005586-61.2018.8.24.01251) e, acreditando na delação ou "caguetagem" de Maykon Marques Gonçalves (sobre a venda da droga à polícia militar), decidiu que ele mereceria morrer em conjunto com outros integrantes da organização criminosa. Assim, passou a enviar mensagens para os integrantes da facção, contando sobre os fatos e o prejuízo que teve com a prisão do colaborador no tráfico, dizendo a todos que Maykon Marques Gonçalves estava decretado à morte pela facção (vide análise dos laudos periciais, fls. 248-346), inclusive, por "caguetagem" de outros tráficos anteriores. Disse também, que tinha uma missão a cumprir naquele dia.

EDVALDO CANUTO DA SILVA exercia a função de "disciplina (DC)" ou "rigor" facção. Era incumbido de comandar, individualmente, aos que a ela se subordinam, decidindo os conflitos dentre os membros de sua organização na localidade, punições, inclusive aplicando-as por si ou por terceiros, como também em relação às pessoas residentes na sua comunidade. Era também responsável pela consecução dos objetivos espúrios, sustentação da logística material e humana, inclusive com emprego de arma de fogo, buscando e fornecendo material bélico para consumação dos crimes praticados pela organização criminosa, como no caso dos autos, que resultou na morte Maykon Marques Gonçalves, pela facção planejada, com a qual colaborou ativamente, inclusive, permitindo que fosse consumado o crime na região que tomava conta, no bairro Morretes.

No dia 11 de dezembro de 2018, em horário a ser esclarecido durante a instrução, OZIEL MARÇAL SANTIN recebeu nas suas palavras e dos faccionados, "uma missão", matar Maykon Marques Gonçalves. A missão foi dada porque, na visão da facção, vítima teria delatado o tráfico praticado na Rua 448 naquela tarde, o que é contrário às regras do PGC. Ato contínuo, dirigiu-se ele para concretizar o crime, depois de contato com EDVALDO CANUTO DA SILVA, que concordou em matar a vítima, conseguiu a arma de fogo com outros integrantes da organização criminosa e a entregou para a prática do crime (fotografia de fl. 329), que acabou utilizada para render a mãe e irmã da vítima e que falhou quando seria usada para matar Maykon Marques Gonçalves. Mesmo assim, a morte se consumou, a "missão" foi cumprida por outros meios. O medo imposto pela facção criminosa, mais uma vez, concretizou-se.

CONDUTA 2 - Homicídio Qualificado - art. 121, §2º, I, III, IV e V, CP

Ato contínuo, com evidente animus necandi, EDVALDO CANUTO DA SILVA e OZIEL MARÇAL SANTIN, agindo em conjunto e com união de desígnios, mataram a vítima Maykon Marques Gonçalves, apontado como "cagueta" do tráfico de drogas realizado na região pela organização criminosa a que pertenciam (ou pertencem) os denunciados. Para tanto, depois de pegar a arma com EDVALDO CANUTO DA SILVA, que também anuiu e concordou com a decretação da morte, com ela contribuindo ativamente, OZIEL MARÇAL SANTIN foi até a casa da vítima, arrombo a porta, e ordenou que Saionara da Silva Marques e Jokasta Marques Porto, mãe e irmã da vítima, respectivamente, entrassem no banheiro, sob ameaça da arma de fogo que trazia consigo. Tranco-as, arrastou Maikon Marques Gonçalves para fora da residência.

No pátio em frente à residência, utilizando a arma branca que trazia consigo (uma faca), OZIEL MARÇAL SANTIN desferiu inúmeros golpes contra Maykon Marques Gonçalves, causando-lhe corte profundo na região do pescoço (esgorjamento), múltiplos ferimentos, cortes e perfurações na região do peito (tórax), nas costas, no couro cabeludo e próximo da orelha, além de outras perfurações e cortes no ombro direito, que provocaram choque hemorrágico, causa da sua morte, conforme laudo de exame cadavérico de fls. 49-51.2 "O óbito ocorreu devido choque hemorrágico após ferimento por arma branca".

Extrai-se dos autos, que o denunciado OZIEL MARÇAL SANTIN e EDVALDO CANUTO DA SILVA são traficantes e integrantes do PGC conhecidos no bairro Morretes e agiram por motivo torpe, por vingança. Mataram a vítima acreditando que denunciara à polícia militar a prática de tráfico ilícito de drogas realizado por eles na rua, "sua boca", na qual ocorreu operação policial e culminou na prisão de pessoas no período da tarde (16h30min) do mesmo dia 11 de dezembro, prejudicando os negócios da facção. EDVALDO CANUTO DA SILVA era na época dos fatos o disciplina da organização criminosa (DC), isto é, que resolvia as contendas, punições e recomendava condutas aos integrantes da facção, fazendo parte do grupo que comandava as ações do PGC na região.

Não bastasse, OZIEL MARÇAL SANTIN chegou na residência sem fazer barulho no portão (era comum, segundo a mãe da vítima o portão fazer ruídos quando alguém abria!) e bateu na porta dando a impressão de ser conhecido da família. Não conseguindo que abrissem a porta, chutou-a e arrombou-a, forçando sua entrada no local. Agiu, assim, mediante surpresa e dissimulação, dificultando ou tornando impossível a defesa da vítima e seus familiares, impedindo por parte deles qualquer reação, atacando a vítima inesperadamente.

Constata-se, ainda, que o crime foi executado por meio cruel, haja vista que os golpes desferidos por OZIEL MARÇAL SANTIN proporcionaram à vítima intenso sofrimento físico, fazendo-a agonizar até desfalecer em virtude dos múltiplos ferimentos e da hemorragia.

O crime também foi praticado visando assegurar a execução, a impunidade e a vantagem dos crimes de tráfico de drogas e da associação criminosa.

Para lograr êxito no intento homicida, OZIEL MARÇAL SANTIN contou com o auxílio de EDVALDO CANUTO DA SILVA, o qual concorreu ativamente para o crime, fornecendo a arma de fogo a fim de que OZIEL MARÇAL SANTIN realizasse seu ntento homicida, cumprindo as ordens da facção, a que ambos deviam obediência. EDVALDO CANUTO DA SILVA deu seu aval como o disciplina para a morte do "cagueta", assim como contribuiu para a ocultação da arma e das roupas utilizadas por OZIEL MARÇAL SANTIN após o crime, a fim de que permanecessem impunes pela morte da vítima.

Encerrada a instrução preliminar, foi julgado parcialmente admissível o pleito formulado na Exordial e, em consequência, o Magistrado de origem pronunciou Edvaldo Canuto da Silva e Oziel Marçal Santin pela suposta prática dos crimes previstos no art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal, e art. 2º, caput c/c § 2º, da Lei n. 12.850/13.

Irresignada, a defesa de Edvaldo interpôs Recurso em Sentido Estrito, em cujas Razões requer, preliminarmente, o reconhecimento da inépcia da Exordial, quanto ao delito de participação em organização criminosa. No mérito, pleiteia a impronúncia, no que tange ao crime de homicídio, e a absolvição sumária, em relação àquele da Lei n. 12.850/13. Subsidiariamente, pugna pelo afastamento das qualificadoras do art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do Estatuto repressivo, e a cisão do feito.

Apresentadas as Contrarrazões, os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do Apelo.

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.

Da preliminar

Pugna, a defesa, pelo reconhecimento da inépcia da Exordial, ante a "ausência inequívoca de data, local, tempo, e dinâmica pormenorizada dos fatos".

Sem razão.

Não obstante os argumentos supra, tem-se que a Denúncia ofertada preencheu todos os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT