Acórdão Nº 5004986-40.2022.8.24.0019 do Segunda Câmara de Direito Público, 29-11-2022

Número do processo5004986-40.2022.8.24.0019
Data29 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 5004986-40.2022.8.24.0019/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo ESTADO DE SANTA CATARINA e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA contra sentença proferida pela MMª. Juíza de Direito da Vara da Família, Órfãos, Sucessões e Infância e Juventude da Comarca de Concórdia, que, em "ação civil pública com obrigação de fazer, cumulada com pedido de tutela de urgência" ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA em desfavor do ente federado, julgou procedentes os pedidos contidos na exordial, nos seguintes termos (evento 29, 1G):

"Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, julgo procedente o pedido formulado pelo Ministério Público para cominar obrigação de fazer ao Estado de Santa Catarina a obrigação de fazer ao réu em executar as obras de adaptação para garantir acessibilidade, comprovar a execução ou providenciar outro local que garanta as condições, observando os requisitos normativos, na EEB Isabel Silva Telles e na EEB Dom Felício Cesar da Cunha Vasconcelos ambas em Irani/SC, no prazo máximo de um ano, a contar do trânsito em julgado, sob pena de multa diária no valor de R$ 250,00 limitada a R$ 1.000.000,00, em caso de descumprimento.

Sem custas e honorários (art. 141, §2°, c/c art. 219, ambos do ECA).

Comunique-se a decisão no agravo de instrumento (50410284820228240000).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Oportunamente, arquive-se.

Em suas razões recursais, o Estado de Santa Catarina sustenta, em síntese, que a imposição judicial de adaptações na estrutura física de escolas estaduais ofende o princípio da separação dos poderes. Alega, ainda, que a implementação de políticas públicas em matéria de educação é encargo próprio do Poder Executivo, obstando o controle judicial abrangente sobre as prioridades elencadas pela Administração, sobretudo quando não demonstrada omissão deliberada por parte do Estado. Pontua, além disso, que a controvérsia dos autos deve ser analisada sob a perspectiva da teoria da reserva do possível e da escassez de recursos, porquanto o erário não possui disponibilidade orçamentária infinita para o atendimento das demandas sociais.

Por fim, postulou o afastamento das obrigações que lhe foram impostas, e, subsidiariamente, a ampliação do prazo para o cumprimento da decisão, além do afastamento ou, ao menos, a redução das astreintes (evento 52, 1G).

Por sua vez, o Órgão ministerial declara, tão somente, que a obrigação de fazer deve ser exigível desde a publicação da sentença, e não a partir do seu trânsito em julgado, argumentando, ainda, que o termo a quo fixado pelo juízo singular premia a histórica inércia do Estado de Santa Catarina em assegurar plena acessibilidade nas escolas públicas estaduais (evento 48, 1G).

Juntadas as contrarrazões (evento 59 e 61, 1G), ascenderam os autos a esta Corte, sendo distribuídos a este Relator.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exmo. Sr. Dr. CARLOS ALBERTO DE CARVALHO ROSA, manifestando-se pelo "conhecimento de ambos os recursos e, no mérito, pelo desprovimento do recurso interposto pelo Estado e pelo parcial provimento do recurso interposto pelo Parquet, nos termos da fundamentação que embasa este parecer" (evento 9, 2G).

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de recursos de apelação combatendo a sentença que julgou procedentes os pedidos contidos na actio coletiva, forte na premissa de que houve inércia do ente federado na realização de parte das obras necessárias a garantir a acessibilidade dos prédios públicos estaduais que estão localizados no Município de Irani.

Conheço dos recursos, porquanto satisfeitos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

I - Do Apelo do Ente Federado:

Pois bem. Há algum tempo este Órgão Fracionário vem revendo seu posicionando no tocante ao crescente ativismo do Poder Judiciário frente à consecução de políticas governamentais, ponderando a necessidade de se observar as limitações financeiras, o planejamento administrativo e orçamentário, a discricionariedade administrativa, a responsabilidade fiscal dos gestores públicos, buscando, com isso, uma harmonização entre as eventuais omissões de dever agir dos entes públicos e o princípio da Separação dos Poderes.

Assim, sem descurar da necessidade de se privilegiar a eficácia das normas constitucionais, especialmente a fundamentalidade dos direitos sociais, atendendo-se ao mínimo existencial, intimamente correlacionado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, da CF), busca-se preservar o pacto republicano e o poder discricionário da Administração Pública.

Nesse passo, cabe ao Poder Judiciário analisar cada caso concreto, a fim de verificar a excepcionalidade da situação a justificar a sua intervenção, tal como se apresenta na vertente hipótese.

Referido entendimento, a propósito, não destoa do posicionamento assente da Corte Suprema Federal em situações, mutatis mutandis, envolvendo a adequação estrutural de prédios públicos para garantir a acessibilidade de deficientes físicos, ex vi:

"DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. REFORMA DE ESCOLA EM ESTADO PRECÁRIO DE CONSERVAÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 07.8.2013.1. O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de Poderes. Entender de modo diverso demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. 2. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 3. Agravo regimental conhecido e não provido." (ARE 886710 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 03/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 18-11-2015 PUBLIC 19-11-2015) [grifou-se].

"PRÉDIO PÚBLICO - PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAL - ACESSO. A Constituição de 1988, a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e as Leis nº 7.853/89 - federal -, nº 5.500/86 e nº 9.086/95 - estas duas do Estado de São Paulo - asseguram o direito dos portadores de necessidades especiais ao acesso a prédios públicos, devendo a Administração adotar providências que o viabilizem." (RE 440028, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 29/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 25-11-2013 PUBLIC 26-11-2013) [grifou-se].

E do Superior Tribunal de Justiça, mudando o que deva ser mudado:

"ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSE DE AGIR DO MPF. ADEQUAÇÃO DOS PRÉDIOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE. ACESSIBILIDADE. PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 282/STF.1. Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal contra a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE com o escopo de obrigar a recorrente a iniciar as obras de adaptação de todas as suas edificações para permitir a sua utilização por pessoas portadoras de necessidade especiais.2. Não se pode conhecer da insurgência contra a ofensa do art. 7º, § 2º, da Lei 8.666/1993, pois o referido dispositivo legal não foi analisado pela instância de origem. Dessa forma, não se pode alegar que houve presquestionamento da questão, nem ao menos implicitamente.3. Conforme destacado pelo Tribunal regional, o MPF vem solicitando à Reitoria da UFPE, há mais de uma década, providências para a conclusão das obras de acessibilidade em suas instalações. Como prova de sua afirmação destacou a existência do Inquérito Civil 1.26.000.0001418/2003-23, que fixou o prazo de trinta meses para o encerramento das adaptações necessárias nos prédios da universidade.Contudo, o lapso temporal transcorreu sem que as determinações constantes no inquérito fossem cumpridas.4. Tendo em vista o quadro fático delineado pela instância a quo, sobeja o interesse do parquet no ajuizamento da demanda. Ainda mais, por se tratar do direito de pessoas com necessidades especiais de frequentar uma universidade pública.5. No campo dos direitos individuais e sociais de absoluta prioridade, o juiz não deve se impressionar nem se sensibilizar com alegações de conveniência e oportunidade trazidas pelo administrador relapso. A ser diferente, estaria o Judiciário a fazer juízo de valor ou político em esfera na qual o legislador não lhe deixou outra possibilidade de decidir que não seja a de exigir o imediato e cabal cumprimento dos deveres, completamente vinculados, da Administração Pública.6. Se um direito é qualificado pelo legislador como absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de incidência da reserva do possível, já que a sua possibilidade é, preambular e obrigatoriamente, fixada pela Constituição ou pela lei.7. Ademais, tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade...

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