Acórdão Nº 5005053-85.2022.8.24.0930 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 22-11-2022

Número do processo5005053-85.2022.8.24.0930
Data22 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5005053-85.2022.8.24.0930/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: VALTRUDE DA SILVA (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: VANESSA BAUFLENHER DA SILVA (OAB SC046602) ADVOGADO: ALEXANDRE BERNARDON (OAB SC038460) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por VALTRUDE DA SILVA e BANCO BMG S.A contra sentença de parcial procedência (evento 25) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos na inicial desta "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada" movida por VALTRUDE DA SILVA em face de BANCO BMG S.A para:

a) declarar a nulidade do contrato objeto da presente ação, retornando as partes ao status quo ante;

b) determinar à parte autora que proceda a devolução ao Banco réu do valor tomado emprestado, com correção monetária pelo INPC, a partir da data do crédito;

c) determinar à Instituição Financeira que proceda a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente do benefício da parte demandante, assim como outros pagamentos eventualmente realizados, os quais devem ser corrigidos monetariamente pelo INPC a partir da data do efetivo desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% a.m. (um por cento ao mês), nos termos do art. 406 do Código Civil c/c 161, § 1º, do CTN desde a citação, em consonância com o disposto no art. 405 do CC c/c art. 240 do CPC, oportunizada a compensação dos créditos e débitos (368 do Código Civil);

d) condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que deverá ser corrigido pelo INPC, desde a presente data (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a contar da data da inclusão dos descontos no benefício previdenciário da parte autora.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Publicada e registrada com a liberação nos autos digitais. Intimem-se.

Transitada em julgado, certifique-se e, após, arquivem-se os autos dando-se baixa na estatística.

Em suas razões recursais (evento 31), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, a autora (evento 35) requer a majoração dos danos morais, bem como dos honorários advocatícios.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 37 e 41).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Observância ao art. 926 do Código de Processo Civil

A casa bancária pretende, "ab initio", o reconhecimento da legalidade do contrato ajustado entre os litigantes, suscitando a aplicação do art. 926 do Código Fux, sob argumento de que esta Corte de Justiça teria uniformizado a jurisprudência acerca da matéria quando do entendimento exarado pela Turma de Uniformização dos Juizados Especiais.

Nada obstante, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial deste Tribunal, no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0000507-54.2019.8.24.0000, decidiu que a questão em debate ("Validade ou não da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável") não seria unicamente de direito, "necessitando de exame fático para reconhecer, caso a caso, a invalidade do negócio", impedindo, assim, "a fixação de tese uniforme e vinculativa sobre todo o Estado".

Eis o teor da ementa:

DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL - INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO E RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) - JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE - COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR LITIGANTE - ELEMENTO FÁTICO DECISIVO NO JULGAMENTO DA LIDE - QUESTÃO UNICAMENTE DE DIREITO INOCORRENTE - REQUISITO INDISPENSÁVEL À ADMISSÃO DO IRDR INEXISTENTE - INCIDENTE INADMITIDO Demandando a questão controvertida juízo de valor sobre o comportamento do consumidor litigante, a matéria não envolve questão unicamente de direito, mas também de fato, a afastar a admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de um de seus indispensáveis requisitos de coexistência obrigatória. (TJSC, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0000507-54.2019.8.24.0000, da Capital, rel. Des. Monteiro Rocha, Grupo de Câmaras de Direito Comercial, j. em 12/6/2019).

Sob esse prisma, percebe-se que restou inadmitido referido Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, razão pela qual não há amparo no pretenso pedido da apelante.

A esse respeito, já se manifestou este Órgão Fracionário:

APELAÇÕES CÍVEIS. "AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO". CONTRATO DE EMPRÉSTIMO VIA CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. PRELIMINARES SUSCITADAS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. [...] PLEITO PARA UTILIZAÇÃO DE JULGAMENTO PARADIGMA DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. INVIABILIDADE. GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL DESTA CORTE QUE INADMITIU O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS N. 0000507-54.2019.8.24.0000 SOBRE O MESMO TEMA TRATADO NESTE AUTOS EM VIRTUDE DA NECESSIDADE DE JUÍZO DE VALOR SOBRE O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR LITIGANTE, NÃO SENDO POSSÍVEL GENERALIZAR A VALIDADE OU INVALIDADE DOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO E RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. PROEMIAL REJEITADA. [...] RECURSO DA CASA BANCÁRIA CONHECIDO E DESPROVIDO. APELO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0310842-67.2017.8.24.0020, rel. Des. José Maurício Lisboa, j. em 27/8/2019) (sem grifos no original)

Logo, o requerimento merece inacolhimento.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de...

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