Acórdão Nº 5005077-10.2021.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 21-07-2022

Número do processo5005077-10.2021.8.24.0038
Data21 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5005077-10.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: NAIR ROSALINA PEREIRA (AUTOR) ADVOGADO: LUIZ FERNANDO CARDOSO RAMOS (OAB MS014572) APELADO: ITAU UNIBANCO S.A. (RÉU) ADVOGADO: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB SC020875)

RELATÓRIO

Nair Rosalina Pereira interpôs recurso de apelação cível da sentença do Evento 29 dos autos de origem, proferida em 2-9-2021, pelo juízo da 1ª Vara de Direito Bancário da Comarca de Joinville, que extinguiu, sem resolução de mérito, a ação Revisional ajuizada pela ora apelante em face do Itaú Unibanco S/A., o que se deu nos seguintes termos:

NAIR ROSALINA PEREIRA aforou esta ação de revisão de contrato contra ITAU UNIBANCO S.A., com fulcro em contrato de empréstimo consignado.

Devidamente intimada para emendar a inicial, nos moldes do art. 330, § 2º, do CPC (evento 19), a parte autora apresentou a petição do evento 23, porém não cumpriu integralmente a decisão.

Em seguida, os autos vieram-me conclusos.

É a síntese do necessário. DECIDO:

A inicial não possui as condições ideais de transpor os umbrais de admissibilidade, razão porque, em não sendo possível sua emenda, merece ser imediatamente extinta.

A parte autora foi intimada para: a) Promover a juntada do(s) contrato(s) que pretende revisar (em ordem cronológica); b) Proceder a indicação precisa das cláusulas contratuais que contenham eventuais abusividades e/ou ilegalidades e que serão objetos da lide; c) Apresentar de forma clara a correta explicitação jurídica e financeira de como chegou aos valores da dívida tidos como incontroversos frente a relação negocial objeto dessa lide; d) Juntar os comprovantes de depósito das parcelas já quitadas; e) Corrigir o valor dado à causa (evento 19).

Todavia, a parte autora não emendou corretamente a petição inicial, uma vez que deixou de trazer aos autos o contrato objeto da lide, de proceder a indicação das cláusulas contratuais com eventuais abusividades, bem como de juntar os comprovantes das parcelas já quitadas.

DO ARTIGO 330, § 2º, DO CPC

Sabe-se que a petição inicial tem que ser escrita, clara e com conteúdo específico, de forma a delimitar o objeto da demanda. Em sentido contrário, admitem-se apenas algumas exceções, as quais não se enquadram nesta lide. Essa é a inteligência dos arts. 322 e 324 do CPC.

O professor Fredie Didier Jr. leciona:

"Como a demanda tem a função de bitolar a atividade jurisdicional, que não pode extrapolar os seus limites (decidindo além, aquém ou fora do que foi pedido), costuma-se dizer que a petição inicial é um projeto de sentença: contém aquilo que o demandante almeja ser o conteúdo da decisão que vier a acolher o seu pedido." (DIDIER JR. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. V.I., 12ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 421).

Insta destacar que a Lei 12.810/2013 incluiu o artigo 285-B no Código de Processo Civil, com a seguinte redação:

"Art. 285-B. Nos litígios que tenham por objeto obrigações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013).

Parágrafo único. O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)."

Tocante à alteração normativa, já citado professor Fredie Didier Jr explica:

"O dispositivo cria um novo caso de inépcia, que acresce o rol do parágrafo único do art. 295 do CPC, embora isso não tenha ficado claro - o texto menciona o que o autor tem de fazer, mas não disse o que acontece se ele não cumprir este ônus.

Proposta demanda que tenha por objeto a discussão de dívida oriunda de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, cabe ao autor identificar, precisamente, qual o valor que pretende controverter e qual é a parcela incontroversa. Ou seja: não basta o pedido de revisão de dívida, é preciso especificar o que se discute.

Não discriminado este valor, cabe ao juiz determinar a intimação do autor para que emende a petição inicial; não retificado o defeito, a petição há de ser indeferida, por inépcia.

(...)

A regra é boa; está em consonância com os princípios da boa-fé processual e da cooperação, além de ser harmônica com o sistema jurídico brasileiro."1

Vale esclarecer que o art. 330, §§ 2º e 3º, do CPC/2015, possuem redação correspondente ao art. 285-B do CPC/1973, incluído em 2013 na legislação processual. Todavia, à época, o legislador não fez nada além de generalizar uma regra (de certo modo até antiga) que já existia desde 2004 para as ações de revisão de contratos de empréstimo, financiamento ou alienação de imóveis, conforme art. 50 da Lei 10.931 (vide DIDIER JR. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. V.I., 12ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 435).

Basta ver que a redação do art. 50 da Lei 10.931/2004 é muito semelhante àquela do art. 285-B do CPC, atual art. 330, NCPC, motivo pelo qual necessário frisar o entendimento do STJ sobre a plena aplicabilidade desse comando normativo:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. LEI N. 10.931/2004. INOVAÇÃO. REQUISITOS PARA PETIÇÃO INICIAL. APLICAÇÃO A TODOS OS CONTRATOS DE FINANCIAMENTO.

1. A análise econômica da função social do contrato, realizada a partir da doutrina da análise econômica do direito, permite reconhecer o papel institucional e social que o direito contratual pode oferecer ao mercado, qual seja a segurança e previsibilidade nas operações econômicas e sociais capazes de proteger as expectativas dos agentes econômicos, por meio de instituições mais sólidas, que reforcem, ao contrário de minar, a estrutura do mercado.

2. Todo contrato de financiamento imobiliário, ainda que pactuado nos moldes do Sistema Financeiro da Habitação, é negócio jurídico de cunho eminentemente patrimonial e, por isso, solo fértil para a aplicação da análise econômica do direito.

3. A Lei n. 10.931/2004, especialmente seu art. 50, inspirou-se na efetividade, celeridade e boa-fé perseguidos pelo processo civil moderno, cujo entendimento é de que todo litígio a ser composto, dentre eles os de cunho econômico, deve apresentar pedido objetivo e apontar precisa e claramente a espécie e o alcance do abuso contratual que fundamenta a ação de revisão do contrato.

4. As regras expressas no art. 50 e seus parágrafos têm a clara intenção de garantir o cumprimento dos contratos de financiamento de imóveis tal como pactuados, gerando segurança para os contratantes.

O objetivo maior da norma é garantir que, quando a execução do contrato se tornar controvertida e necessária for a intervenção judicial, a discussão seja eficiente, porque somente o ponto conflitante será discutido e a discussão da controvérsia não impedirá a execução de tudo aquilo com o qual concordam as partes.

5. Aplicam-se aos contratos de financiamento imobiliário do Sistema de Financiamento Habitacional as disposições da Lei n. 10.931/2004, mormente as referentes aos requisitos da petição inicial da ação de revisão de cláusulas contratuais, constantes do art. 50 da Lei n. 10.931/2004.

6. Recurso especial provido." (REsp 1163283/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 04/05/2015) - Destaquei.

A inclusão, bem como manutenção, da norma supracitada no Código de Processo Civil deixa clara a preocupação do legislador de que os consumidores não aforem ações de revisionais de contrato sem coerente e plausível análise das especificidades do caso concreto.

Convém ressaltar que o entendimento agora positivado no Código de Processo Civil há muito já vinha sendo adotado por diversos Tribunais2 que entendiam pela indispensabilidade de apresentação do contrato e indicação precisa das cláusulas reputadas abusivas, com fulcro no enunciado sumular nº 381 do STJ, que veda a revisão de ofício de cláusulas contratuais.

Com as disposições do artigo 330, §§ 2º e 3º, no CPC, além dos requisitos indispensáveis à propositura da petição inicial (CPC, art. 319 e 320), outros pressupostos de admissibilidade devem ser observados, quais sejam: a) juntada dos contratos que se pretende revisar; b) indicação precisa das cláusulas contratuais que contenham abusividades; c) explicitação jurídica e financeira dos valores incontroversos e depósito do referido montante; d) juntada dos comprovantes de depósito das parcelas já quitadas.

Contudo, no caso ora em pauta, a parte autora não apresentou o contrato objeto da lide, nem indicou as cláusulas reputadas abusivas e tampouco trouxe os comprovantes das parcelas já quitadas.

Logo, diante da inobservância do artigo 319 e artigo 330, § 2º, do CPC, o indeferimento da inicial é a medida que se impõe, como se verá a seguir.

DA AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DO CONTRATO

Nos termos da Súmula 381 do STJ: "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas."

Ainda, como visto anteriormente, o art. 330, § 2º, do CPC narra que a parte autora deve indicar claramente quais as cláusulas do contrato que entende abusivas, bem como proceder à quantificação do valor incontroverso, o qual deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados, através de depósito judicial.

Da conjugação dessas normas, extrai-se que é imprescindível a apresentação do contrato, para que as cláusulas possam ser precisamente impugnadas pela parte autora, bem como, a fim de possibilitar a elaboração do cálculo do montante incontroverso, com base nos dados constantes no pacto firmado entre os litigantes.

Dessa forma, "já que a instrução da peça vestibular com o contrato celebrado importaria em delimitação do pedido, feito de forma genérica e inadmissível. Não pode a autora pretender compelir o Banco a juntar aos autos cópia dos instrumentos celebrados para, só depois disso, verificar o que, efetivamente, existe de...

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