Acórdão Nº 5005131-41.2019.8.24.0039 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 17-11-2020

Número do processo5005131-41.2019.8.24.0039
Data17 Novembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5005131-41.2019.8.24.0039/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: PAULO ROBERTO DE MACEDO (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: ALVADI FERNANDO HENRIQUE (OAB SC029349) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Paulo Roberto de Macedo e Banco BMG SA contra sentença de parcial procedência (evento 19) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Diante do exposto, nos termos da fundamentação, em consideração aos documentos carreados ao feito e aos limites da lide, tenho por bem julgar parcialmente procedentes os pedidos formulados por intermédio da presente ação para declarar a inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável, bem como condenar o réu em restituir ao autor, de forma simples, os valores que foram descontados do seu benefício previdenciário em decorrência do contrato ora declarado inexistente, atualizado monetariamente pelo INPC a partir de cada desconto e com juros de mora a contar da citação, bem como ao pagamento, a título de indenização por danos morais, do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), atualizado monetariamente desta decisão e com juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

De outro lado, diante do retorno das partes ao statu quo ante, a fim de evitar o seu enriquecimento indevido, deverá o autor proceder à devolução, ao requerido, do montante recebido da instituição financeira no período da contratualidade, com correção monetária pelo INPC desde a data do depósito ou disponibilização do valor.

E para fins de operacionalização da devolução, a quantia a ser devolvida deverá ser descontada ou compensada do da indenização por danos morais fixada nesta decisão.

Considerando que o autor decaiu de parte mínima do pedido, arcará o réu com a totalidade das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º do Código de Processo Civil.

Oficie-se, de imediato, ao INSS para que proceda o cancelamento dos descontos realizados pelo réu.

P.R.I.

Em suas razões recursais (evento 29), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, o recorrido já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, o autor (evento 25) requer a restituição do indébito de forma dobrada, bem como majoração dos danos morais.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 35).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Prescrição (irresignação da ré)

Como prejudicial de mérito, a recorrente afirma a prescrição da pretensão autoral de indenização dos danos morais e materiais, alegando que a pretensão da parte recorrida, visando indenização por danos morais e materiais, encontra-se prescrita, conforme regra disposta no art. 206, § 3º, V, do Código Civil.

Enuncia referido dispositivo: "Art. 206. Prescreve: [...] § 3º. Em três anos: [...] V - a pretensão de reparação civil; [...]".

Sem razão, a apelante.

Conforme tem se manifestado este Órgão Fracionário, "a pretensão da demandante tem natureza dúplice, qual seja, declaratória, que visa a nulidade do contrato em razão de abusividades e condenatória, que almeja o ressarcimento pelos descontos indevidos, bem como a indenização por danos morais. Contudo, sob qualquer ótica, seja quanto a pretensão declaratória ou, ainda, a condenatória, não há falar em prescrição" (Apelação Cível n. 0302134-35.2019.8.24.0092, rel. Des. Rejane Andersen, j. em 24/9/2019), porquanto em se tratando de relação de trato sucessivo, no qual, a cada desconto indevido, surge uma nova lesão, o prazo prescricional começa a fluir a partir da data do última dedução realizada no benefício previdenciário da autora.

Nesse sentido:

É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido (STJ,AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019) (sem grifos no original)

E:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o entendimento desta Corte, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. No tocante ao termo inicial do prazo prescricional, o Tribunal de origem entendeu sendo a data do último desconto realizado no benefício previdenciário da agravante, o que está em harmonia com o posicionamento do STJ sobre o tema: nas hipóteses de ação de repetição de indébito, "o termo inicial para o cômputo do prazo prescricional corresponde à data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento" (AgInt no AREsp n. 1056534/MS, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 20/4/2017, DJe 3/5/2017). Incidência, no ponto, da Súmula 83/STJ. 3. Ademais, para alterar a conclusão do acórdão hostilizado acerca da ocorrência da prescrição seria imprescindível o reexame do acervo fático-probatório, vedado nesta instância, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 1372834/MS, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 29/3/2019) (sem grifos no original)

Dessarte, ainda que aplicada a contagem do prazo prescricional de três anos insculpido no art. 206, § 3º, do Código Civil, respectivo lapso sequer teve seu curso iniciado pois, na data do ajuizamento da presente demanda (10/10/2019), o dano discutido sequer havia cessado, conforme se evidencia dos extratos de evento 9, que apontam dedução à título de "pagamento débito em folha" em 10/10/2019.

Portanto, rejeita-se a rebeldia, no ponto.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

Consta do petitório inicial o relato a seguir reproduzido:

[...] Em nenhum momento houve a intenção de contratação de cartão de crédito consignável, nem mesmo a informação pela ré a respeito da constituição da reserva de margem consignável (RMC), inclusive sobre o percentual a ser averbado.Conforme o extrato de verificação dos empréstimos, a parte requerida vem descontando/reservando a margem de crédito de 5% do benefício do autor, sendo que uma fatura a ser descontada na modalidade cartão de crédito, deve ser paga no valor total, não tendo efeito algum o desconto que é realizado da referida reserva de margem de crédito.Em todos os empréstimos realizados anteriormente, a assinatura de contrato se deu com base na confiança e por acreditar que as informações que lhe foram repassadas eram dotadas de veracidade, contudo nunca houve qualquer informação relativa a cartão de crédito consignável. Assim, verifica-se que a modalidade de empréstimo via cartão de crédito realizado pela Requerida, na prática, é ilegal, pois ao realizar a reserva da margem de 5% e efetuar os descontos do valor mínimo diretamente nos vencimentos ou proventos do consumido.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária do autor, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência do demandante, a significar, em...

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