Acórdão Nº 5005178-26.2021.8.24.0045 do Primeira Câmara de Direito Público, 10-08-2021

Número do processo5005178-26.2021.8.24.0045
Data10 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5005178-26.2021.8.24.0045/SC



RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (REQUERIDO)


RELATÓRIO


Conselho Tutelar Proteção de Palhoça propôs "representação por descumprimento" em face do Estado de Santa Catarina.
Alegou que houve infração às Normas de Proteção à Criança e ao Adolescente, pois não foi cumprida a "Requisição de Serviço Público n. 107/2021/415" para concessão de vaga em escola de ensino médio para Jeferson Fernando da Silva Machado Vidal.
Postulou o imediato cumprimento do serviço requisitado.
Foi proferida sentença indeferindo a petição inicial, com fundamento no art. 330, II, do CPC (autos originários, Evento 12).
O Ministério Público, em apelação, sustentou que: 1) o processo foi equivocadamente extinto pela inaplicabilidade do art. 249 do ECA, pois em momento algum o Conselho Tutelar requereu a imposição de multa ao apelado; 2) o objeto da ação é compelir a Administração Pública a garantir vaga na rede pública em favor do infante; 3) o magistrado não observou o princípio da adstrição ou congruência, eis que não se ateve aos limites da demanda e proferiu decisão extra petita; 4) o Estado de Santa Catarina tem legitimidade para figurar no polo passivo em razão da sua obrigação legal em garantir o direito fundamental à educação; 5) os entes públicos têm responsabilidade solidária; 6) os requisitos atinentes ao incidente de assunção de competência estão preenchidos, porquanto o processo trata de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, que ultrapassam os interesses subjetivos da demanda; 7) o pressuposto negativo também foi observado, pois, não sendo resolvida a situação, existirão inúmeros processos sobre o mesmo tema, tendo em vista a quantidade de requisições de vagas efetuadas pelo Conselho Tutelar. Pleiteou a concessão de efeito suspensivo à sentença (autos originários, Evento 18).
Com as contrarrazões (autos originários, Evento 31), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento do recurso, em parecer do Dr. Lenir Roslindo Piffer

VOTO


O MM. Juiz Marcos D'Avila Scherer indeferiu a petição inicial nos seguintes termos:
[...]
Inicialmente, cumpre destacar que é sabido que o Conselho Tutelar é encarregado pela sociedade a zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes. Nessa senda, a função precípua do Conselho Tutelar consiste em atender crianças e adolescentes que se encontrem em situação de risco, definidas no Art. 98 do ECA.
Para tanto, com vistas à concretização dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, estatelece o Art. 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente que são atribuições do Conselho Tutelar:
[...]
III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;
b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações.
[...]
Do mesmo modo, não se olvida a relevância do direito fundamental à educação, previsto no artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (sem grifo no original).
Feito este apontamento, constata-se, todavia, a ilegitimidade passiva Estado de Santa Catarina para figurar no polo passivo da representação, e responder por multa ante o descumprimento da requisição.
É de se salientar o teor do Art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Em que pese a existência de discussão doutrinária, forçoso convir que a norma se destina àqueles que detêm o poder familiar sobre crianças/adolescentes, conforme entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido, são os julgados do Tribunal da Cidadania:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/90). SECRETÁRIO MUNICIPAL. DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA (ART. 249 DO ECA). NÃO-CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte de Justiça, o art. 249 da Lei 8.069/90 destina-se aos pais ou responsáveis que descumprirem dolosa ou culposamente "os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrentes da tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar", não podendo recair sobre quem não exerça tais deveres. 2. In casu, trata-se de representação engendrada por Conselho Tutelar em face de Secretário Municipal de Educação e Cultura, por infração ao art. 249, in fine, do Estatuto da Criança e do Adolescente, decorrente do não atendimento à requisição atinente ao atendimento de menor em Centro de Educação Infantil. 3. Recurso especial desprovido. (REsp 824.682/SC, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 10/06/2008, DJe 03/02/2009).
ADMINISTRATIVO - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SECRETÁRIO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO - REPRESENTAÇÃO FORMULADA COM BASE NO ART. 249 DO ECA - INÉPCIA - PRETENDIDA REFORMA - RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A Seção de Direito Público do STJ, ao interpretar o referido dispositivo, entende que a sua aplicação tem como destinatários os pais, tutores e guardiães quando descumprem determinação do juiz ou do Conselho Tutelar, não podendo a regra impositiva recair sobre quem não exerça tais poderes, como no caso particular dos autos, o Senhor Secretário Municipal. 2. Precedentes da Seção de Direito Público: REsp 767.089/SC, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, DJ 28.11.2005; REsp 768334/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJ 22.06.2007; REsp 822807/SC, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 12.11.2007. 3. Recurso especial não provido. (REsp 847.588/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 21/10/2008).
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/90). SECRETÁRIO MUNICIPAL. DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA (ART. 249 DO ECA). NÃO-CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. 1. O art. 249 da Lei 8.069/90, do cognominado Estatuto da Criança e do Adolescente, destina-se aos pais ou responsáveis que descumprirem dolosa ou culposamente "os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrentes da tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar", por isso que, a fortiori, não podem recair sobre quem não exerça tais deveres. Precedentes do STJ: RESP 769.443/SC, 1ª Turma, DJ de 04.12.2006 e RESP 779.055/SC, 1ª Turma, DJ de 23.10.2006. 2. In casu, trata-se de representação engendrada por Conselho Tutelar em face de Secretário Municipal de Educação e Cultura, por infração ao art. 249, in fine, do Estatuto da Criança e do Adolescente, decorrente do não atendimento à requisição atinente ao atendimento de menor em Centro de Educação Infantil. 3. Recurso especial desprovido. (REsp 822.807/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/10/2007, DJ 12/11/2007, p. 165).
Na mesma toada, é o recente julgado do e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA (ART. 249 DA LEI N. 8.069/1990). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. CABIMENTO. DISPOSITIVO LEGAL QUE SE DESTINA TÃO SOMENTE AOS SUJEITOS QUE DETÉM O PODER FAMILIAR OU DEVERES LEGAIS DE GUARDA E TUTELA SOBRE A CRIANÇA. FUNCIONÁRIAS PÚBLICAS MUNICIPAIS QUE NÃO DEVEM FIGURAR NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. PREFACIAL ACOLHIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. "O art. 249 da Lei 8.069/90, do cognominado Estatuto da Criança e do Adolescente, destina-se aos pais ou responsáveis que descumprirem dolosa ou culposamente 'os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrentes da tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar', por isso que, a fortiori, não podem recair sobre quem não exerça tais deveres" (REsp 822807/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 02-10-2007). (TJSC, Apelação Criminal n. 0002839-85.2013.8.24.0167, de Garopaba, rel. Luiz Neri Oliveira de Souza, Quinta Câmara Criminal, j. 31-01-2019, sem grifo no original).
Destarte, uma vez que as penalidades previstas no Art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente são aplicáveis apenas aos detentores do poder familiar em relação a crianças e adolescentes, a ação, a qual objetiva a aplicação de multa pelo descumprimento de requisição, não deve ser admitida, uma vez que a parte requerida não exerce poder familiar em relação à criança.
Por fim, frise-se que a...

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